[CAPA] O CHORO Por ALEXANDRE GONÇALVES PINTO - -1936 -- – 2 – O Chôro REMINISCENCIAS DOS CHORÕES ANTIGOS POR Alexandre Gonçalves Pinto Contendo: O perfil de todos os chorões da velha guarda, e grande parte dos chorões d’agora, factos e costumes dos antigos pagodes, este livro faz reviver grandes artistas musicistas que estavam no esquecimento. RIO DE JANEIRO 1936 RREÇO 4$000 Tiragem 1ª edição 10.000 Exemplares – 3 – Carta do maior cantor e poeta de todos os tempos Catullo Cearense, ao autor deste livro. ALEXANDRE O prefacio que me pediste para o teu livro, fica para outra vez. Não te posso ser util nas correcções dos erros, porque só uma revisão geral poderia melhoral-o, o que é impossivel, depois de o teres quase prompto. O leitor, porém, se deliciará com a sua leitura, fechando os olhos aos desmantelos grammaticaes, revivendo comtigo a historias desses chorões, que te ficarão devendo eternamente o serviço que lhes prestas, arrancando-os do esquecimento. Só mesmo tu, com o teu grande coração, serias capaz de uma obra tão saudosa para os que, como eu, viveram naqueles tempos de immarcesciveis recordações. Se, como penso, este livro tiver o acolhimento que merece, para fazeres uma segunda edição, prometto-te corrigil-o com muito carinho, auxiliando-te no que puder, para que a lista completa dos antigos e afamados chorões, resuscitados por ti com boas gargalhadas e lagrimas sentidas, pois é uma ineffavel satisfação percorrer todas as “sepulturas” deste cemitério de vivos na nossa memória. Pedes-me uma poesia para a abertura ? Envio-te esta, "O Passado", que vem a calhar. E, para terminar, recebe o abraço do amigo velho, que não se cansará de felicitar-te pela lembrança feliz deste formoso, carinhoso e saudoso breviario dos dias da nossa festiva, alegre e rumorosa mocidade. CATULLO CEARENSE. Rio, 28/10/935. – 4 – O PASSADO (De CATULLO CEARENSE) Quantas vezes eu não digo ao meu Passado, esse amigo que me alenta no soffrer : - "Acorda, tem paciencia ! Anda conversar commigo, e perdôa a impertinencia de tanto te aborrecer!" E o pobre velho, coitado, Mal dormido e já cansado de tanto e tanto o chamar, levanta-se, bocejando, e vem a mim, caminhando passo a passo, a me fitar ! Ao meu convite assentindo, penteando os cabellos brancos e as barbas brancas... sorrindo; jovialmente se vestindo com as suas vestes de côres; deitando o barco no rio, cujas margens reverdecem com seus antigos verdores; accendendo as luminarias, as multifarias lanternas de luzes multicolores; offerecendo-me a taça de seus magicos licôres, licôres que fez das lagrimas de nossos velhos amôres; e, por fim, saudando a lua, que em seus mágicos fulgores já tantas vezes saudou, – 5 – - o meu Passado, embarcando, soltando a vela e remando para a nascente do rio, que já tão longe ficou, - cantando, e, ás vezes, chorando, na viagem me vae mostrando, no proprio espelho das aguas, os meus prazeres e maguas, tudo quanto já passou ! Mas basta um leve arrepio no liso espelho do rio, quebrando, instantaneamente, todo o encanto da visão, para eu vêr, desilludido, que tudo é um sonho perdido, um sonho só, reflectido, não no espelho da corrente, mas no crystal transparente da minha imaginação !! Pois só assim é que eu vejo que o barqueiro, o velho amigo, que vae cantando commigo, revivendo o tempo antigo, que o Tempo já devorou, é um homem transfigurado, é um morto resuscitado, é o cadaver do Passado, que inda depois de morrer, ao menos, pela memoria, concede-me a excelsa gloria, - a gloria de reviver! CATULLO CEARENSE. – 6 – PERFIL DO ANIMAL Alto, já bem grisalho e urucungado, Physionomia alegre, e sempre brincalhão; E' sincero e leal, e por todos estimado, Governa a sua vida, com o proprio coração. Bom chefe de familia, funccionario honrado Tocador de Cavaquinho, e cuéra Violão: Ser politico sempre foi seu maior predicado E por varias vezes já tem sido pistolão. Tendo o dom da palavra é intelligente, Anda sempre sem dinheiro mas... contente... P'ra comer e beber é grande General, Conhecedor de toda gyria da cidade E' o prototypo extremo da bondade: Eis aqui traçado o perfil do "ANIMAL". MAX-MAR – 7 – [IMAGEM: FOTOGRAFIA DO AUTOR] ALEXANDRE GONÇALVES PINTO, autor destas reminiscencias do Chôro Antigo – 8 – PERFIL DOS CHORÕES Conjuncto de flautas maviosas, Chorões de cavaquinhos e violões ! Tereis neste livro as vossas rosas E do antigo tempo: as tradições. Pistonistas soberbos; Clarinetistas Ides todos ter aqui vossas acções; Descreverei com amor os bons artistas E tudo o mais que nos traz recordações. Grandes astros fulgentes se sumiram, Rebrilharam nos antigos ambientes, E as alegrias comnosco repartiram Evocando melodias refulgentes. Em cada chorão, findou-se um baluarte, Que deixou em nosso peito uma saudade, Que a germinar, corróe por toda a parte Desde o momento que subiram a eternidade. Musica, costumes, emfim todo o prazer Que floresceu na passada geração, Nas paginas deste livro hão de ter Toda a altivez da grande inspiração. Vou tentar reviver celebridades, Fazer dos bons artistas allusões, Distinguindo em cada um a qualidade E demonstrando o perfil dos bons chorões. MAX-MAR – 9 – O C H Ô R O PREFACIO Ao dar publicidade a um livro encontramo-nos sempre na duvida de um facto auspicioso para os leitores, emfim cada um escreve o que póde ou o que sabe. Estas linhas não tem a pretenção de mostrar erudição nem é commercial nem expositiva; é tão simplesmente em linguagem dispretenciosa, ao alcance de todas as intelligencias, assim como da pessôa que escreveu que communga no mesmo credo, escrevendo de bôa fé, se sentindo num ambiente agradavel, expontaneo, não tendo ao menos a intenção de instruir, quer seja para o bem ou para o mal. Factos occoridos de 1870 para cá. São chronicas do que se respirava no Rio de Janeiro neste periodo desde o tempo do João Minhoca, da Lanterna Magica do Chafariz do Lagarto, dos Guardas Urbanos, dos pédrestes até hoje, com as policias mais adeantadas actualmente, o autor só teve por fito recordar, que é um novo sentir e tornar a viver conforme a phrase do poeta, trazendo ao scenario do ambiente actual a comparação do que foi e do que é actualmente, a Maria Cachucha, Moquécas Bahianas e os Trinta Botões do theatro antigo até a Cidade Maravilhosa de hoje, assim como são comparadas as religiões, as sciencias e o credo politico; são comparados os costumes na vida dos pobres de accôrdo com a evolução, tivemos por tradição os – 10 – costumes bahianos que foram trazidos da Africa pelos nossos queridos antepassados e firmaram os costumes no Brasil, naquilo que é nosso e que aqui guardamos com a maior veneração dentro de nossos corações. Contam numa lenda que em uma região onde haviam innumeras Igrejas, onde os sinos plangentes annunciavam as grandes matinas e as festas religiosas com rituaes ou profanas, uma igreja foi soterrada, destruida por um terremoto. E as pessôas que sobreviveram áquelle cataclysma ainda tinham a impressão nos ouvidos das notas plangentes dos sinos daquella cidade. Assim agora as pessôas daquelles tempos no Rio de Janeiro recordam-se e sente n'alma a vibração das musicas daquella época: os chorões do luar, os bailes das casas de familias, aquellas festas simples onde imperavam a sinceridade, a alegria expontanea, a hospitalidade, a communhão de idéas e a uniformidade de vida ! As noites estrelladas e frias de Santo Antonio, São João, São Pedro e Sant'Anna, embora com os explendores da actualidade, não tem a graça natural da simplicidade daquellas reuniões onde os chorões da velha guarda expandiam-se em inspirações musicaes, dando e trecalando o perfume da recordação dos apaixonados daquelles tempos e que faço reviver nos corações dos leitores deste livro. E assim agradecendo a aceitação dos apreciadores de musica, entôo um hymno em louvor e reminiscencia dos chorões da velha guarda. OS CHÔROS Quem não conhece este nome ? Só mesmo quem nunca deu naqueles tempos uma festa em casa. Hoje ainda este nome não perdeu de todo o seu prestigio, apesar de os chôros de hoje não serem como os de antigamente, pois os verdadeiros choros eram constituidos de flauta, violões e cavaquinhos, entrando muitas vezes o sempre lembrado ophicleide e trombone, o que constituia o verdadeiro chôro dos antigos chorões. Naquelles tempos existiam excellentes musicos, que ainda hoje são citados como os cometas que passam de cem em cem annos ! CALLADO Callado foi um flauta de primeira grandeza, e ainda hoje é lembrado e chorado pelos musicos desta época, pois as suas composições musicaes nuncam perdem o seu valor, na sua flauta, quando em bailes, serenatas (que eram feitas em plena rua pois naquelle tempo eram permittidas não havendo intervenção da policia). Callado, tornou-se um Deus para todos que tinham felicidade de ouvil-o. – 12 – Os acompanhamentos eram violão, cavaquinho, ophicleide, bombardão, instrumentos estes que naquella época faziam pulsar os corações dos chorões, quando eram manejados pelos batutas da velha guarda, como sejam: Silveira, Viriato, Luizinho, etc. Callado e Viriato foram tão amigos em vida como na morte, e assim comprehendendo os musicos daquella época organizaram um festival e com o produ- [012] cto do mesmo mandaram construir um mosoléu do lado direito do Cemiterio de São Francisco Xavier, onde se acham os dois juntinhos dormindo o sonho da eternidade, dando assim uma recordação perpetua aos chorões de agora, que ao passarem n'aquelle mosoléu curvam-se respeitosamente em homenagem áquellas duas entidades, que as actuaes gerações ainda não deram iguaes. Contavam alguns daquelles tempos que tambem já dormem o somno dos justos, que Callado foi chamado para um concerto num dos theatros desta cidade ao qual compareceu com a sua flauta maravilhosa, mas o grande musico deixando a sua flauta deitada na estante um official do mesmo officio, desaparafusou uma das chaves de seu instrumento sem que elle percebesse afim de quando fossse tocar a mesma pular, e Callado fazer um grande fiasco, mas o seu intento não deu o resultado esperado, pois apesar da chave ter sahido fóra do logar, Callado, a força de beiço tocou toda a partitura sem perturbar-se, sendo muito abraçado e cumprimentado por aquelles que souberam do facto, estando neste meio o velho Imperador que condecorou com – 13 – o titulo de Commendador. Callado não era só músico para tocar de primeira vista, como tambem para compôr qualquer chôro de improviso, quantas vezes achava-se tocando em um baile de casamento, baptizado, anniversario ou outra qualquer reunião e se nesta occasião qualquer dama ou cavalheiro pedisse para escrever um chôro em homenagem ao festejado, Callado, não dizia que não, passava a mão em qualquer papel quando não trazia o proprio, riscava a lapis e zaz ! punha-se a escrever, dahi a momento entre gava a um chorão presente que executandoa tornava-se um delirio para todos os convivas pela clareza e pela linda inspiração da mesma. Callado foi o rei da musica daquelle tempo. BUMBA MEU BOI Tambem foram grandes flautas nesta época os irmãos Marreco e Jorge, que faziam suas serenatas em São Christovão quasi sempre na Quinta Imperial, em casa de Maria Prata, que dava pagodes quasi todas as semanas alegrando os seus habitantes com os chôros moles deste tempo. [013] Estes afamados flautas eram tambem frequentadores da casa do sempre chorado Dr. Mello Moraes Filho, que todos os annos organizava a tradicional festa do Bumba meu Boi, com as visitas em casa de seus amigos e com especialidade em casa do grande brasileiro que foi o Visconde de Ouro Preto. O escriptor deste livro chorão neste tempo de violão e cavaquinho, lembras-se que quasi numa das ultimas festas do Bumba meu Boi, onde se achava o grandioso e celebre violão Candinho Ramos, compadre e – 14 – dedicado amigo de Mello Moraes, precisando um homem de confiança para sahir no boi, o Dr. Mello consultou a Candinho muito meu amigo e até compadre, o qual perguntou-me se eu queria sahir no boi, que gostosamente aceitei, elle então me fez vêr que o meu antecessor já tinha escangalhado um boi, e que o mesmo carecia de cuidados pois custava muito dinheiro, respondendo eu: não tenho receio pois sempre fui cuidadoso em tudo que assumo responsabilidade ! Candinho, radiante com a minha affirmativa, apresentou-me ao Dr. Mello Moraes, como o homem escolhido para sahir no boi, ficando combinado logo a estréa para o dia seguinte, na hora regimental lá estava eu firme para assumir o compromisso. Entrei todo satisfeito no celeberrimo boi andando pelas ruas de São Christovão em visita aos amigos do Dr. Mello Moraes, finalizando a jornada na bella vivenda do saudoso Visconde de Ouro Preto, na rua 8 de Dezembro em Mangueira, mas o caso interessante é que se meu antecessor foi pessimo boi eu ainda fui peior ! pois ia pelas ruas afóra convencido mesmo que era um boi de verdade bravo, pulando, dando marradas a torto e a direito em todas as pessôas que passavam e nas que faziam parte da comitiva, de forma que quando cheguei em casa do inesquecivel Visconde de Ouro Preto, o boi estava em petição de miseria com o carão todo esfacelado com um chifre só e os pannos dos lados tinham ficado pelas ruas ! Candinho, quando reparou o estado do bicho, botou as mãos na cabeça me dizendo: compadre você me collocou mal com o compadre Mello Moraes ! respondendo eu, na maior calma deste mundo: pois não foi para dar marradas que eu sahi no boi ? respondendo Candinho: eu – 15 – quando te indiquei para sahires no boi, julguei mais cuidado de [014] sua parte, então desculpei-me da seguinte forma: Nesta noite cahia uma chuvinha miu'da e tinha sido a causadora do boi ter ficado naquelle estado mais depressa ! eu, então antes de entrar na linda vivenda de Ouro Preto, pendurei o animal pelo queixo em uma das janellas da sala onde se achavam os componentes da festa. Reparando o Visconde de Ouro Preto, com o carão do bicho na janella e olhando para a sala bem iluminada perguntoume o que era aquillo, respondendo eu com a maior ingenuidade: Este boi me tem muita amizade, e não me vendo veio parra janella me espiar ! Então o Visconde dando um ar de riso, retirou-se para junto de seus convidados. Façam os leitores uma idéia em que situação eu me achava perante o Candinho e o Dr. Mello Moraes ! De volta chegando á casa do Dr. Mello Moraes, muito sorrateiramente arriei o animal sem que ninguém percebesse e chispei para casa afim de organizar desculpas para dar no dia seguinte ao compadre Candinho Ramos, que trabalhava na 2.ª secção dos correios, pois eramos carteiros. Depois de ter assignado o ponto, chegou o Candinho, de cara amarrada cumprimentando-me muito secco e depois chamoume para a "9.ª secção", que era um botequim que ainda hoje existe nos fundos do correio onde se faziam reuniões e muitas vezes tratava-se de interesses postaes. Sentamo-nos em uma das mesas e Candinho mandou vir dois cafés, e foi logo se desabafando: - Compadre, muito obrigado pelo modo com que você correspondeu á minha confiança – 16 – ! O compadre Mello Moraes, ficou bastante aborrecido não só commigo como tambem com você, eu por ter apresentado como pessôa de minha amizade e a você por ter espatifado o animal ! Foi preciso mandar fazer um boi novo para continuarmos os festejos do Bumba meu Boi ! Esta vae me servir de emenda, nunca mais compadre, indicarei ninguem para sahir no boi, porque se forem todos como o compadre, que julgava ser um boi de carne e osso em vez de se mandar fazer um boi, era preciso um para cada sahida !... Eu muito maneirosamente respondilhe que o boi era feito para se escangalhar, pois como sabes, dando cabeçadas, couces etc., o bicho tinha que virar frangalho ! Candinho não accei- [015] tou as minhas desculpas tornando-se serio commigo que felizmente durou pouco, eu fiquei muito envergonhado ausentando-me da casa do Dr. Mello Moraes, ficando assim privado de tomar parte de suas festas, apesar de saber que o Dr. Mello Moraes não guardava rancor, pois aquelle acontecimento era effeito da mocidade. As festas do Bumba meu Boi desappareceram com a morte do grande escriptor e inesquecivel poeta Dr. Mello Moraes, pois era o unico que conservava as tradições de todas estas festas antigas. Estas festas faziam o encanto do bairro de São Christovão, e ainda hoje, está na lembrança das antigas familias e dos grandes chorões da velha guarda. Lembrando-me destes bons tempos as lagrimas me vem aos olhos, e as saudades invadem meu coração por estas tradições que os annos não trazem mais. Vamos relembrar ainda de – 17 – mais alguns flautistas que tiveram sua grande época, alguns ainda vivem, outros já se forma para o além deixando melodiosas producções musicaes, o que fazem recordar em todos os bons choros pelas pessôas que tiveram a felicidade de privarem com os mesmos. Na proporção que vou lembrando é muito difficultoso citar todos, pois o numero é grande e já pela minha idade ser difficil possuir a mesma memoria de 40 annos passados. SALVADOR MARINS Era carteiro de primeira classe, infelizmente tambem já dorme o somno dos justos, apesar de não ser um grande flautista, tocava seu pedaço com correcção, não se negando a convites, mas perguntava logo se tinha "pirão", nome que se dava nos "pagodes", quando tinha bôa mesa e bebidas com fartura. Quando ia tocar num baile, vendo tudo triste sem aquelle alento dos grandes "pagodes" chamava um collega e dizia: Está me parecendo que aqui o gato está dormindo no fogão. E depois arranjava um motivo, procurava o dono da casa e pedia para ir ao quintal afim de passar pela cozinha e ver a fartura ou a miseria em que se achava o dono da festa, vendo fartura vinha para a sala todo satisfeito, em caso contrario dizia: O gato está no fogão rapaziada, vamos sahindo de barriga. Não viemos aqui para passar "gin- [016] ja" (que quer dizer fome). Dahi a pouco vinha o dono da casa ou pessôa da familia pedir que tocasse um pouco, Salvador, endireitava os oculos cujos vidros tinha uma grossura enorme, pois era myope de verdade e respondia logo: sinto muito não poder tocar, pois estou atacado de terrivel dôr de – 18 – cabeça, era esta a evasiva para cahir fóra do baile que não tinha "pirão", então as pessôas da casa penalizadas, offereciam um comprimido qualquer para estancar o mal, mas elle, recusava declarando que soffria do coração e que a reacção do medicamento podia lhe ser fatal e arribava do pagode carregando todos os acompanhadores, despedindo- se da familia iamos para fóra fazendo commentarios do sucedido, Marins, em grandes gargalhadas e verve, provocava tambem aos companheiros grande ataque de riso pois o Marins, era deveras engraçado. Assim findou-se o heroe do chôro, deixando muitas saudades aos seus companheiros de repartição e amigos e admiradores que possuia aos punhados em Botafogo onde sempre morou e morreu. CARLOS FURTADO Era um hábil chorão, tocava flauta com certa perfeição, era especialista nas musicas de Callado, Silveira, Luizinho e do trombonista Candinho Silva, cujas composições acham-se no caderno de muitos flautistas da actualidade, nenhum dos antigos musicos escreveu tanta quantidade de chôros como Candinho Silva tem escripto, é admiravel em suas composições pois não só escreve com difficuldades para os tocadores batutas, como também para os fraquinhos. Candinho toca trombone como poucos, é um verdadeiro maestro no instrumento, suas composições são de uma belleza de arte e de gosto. Em meu poder tenho grande quantidade das mesmas que guardo com todo carinho como uma joia de alto valor. Carlos Furtado, fazia um encanto nos salões quando tocava o seu instrumento, e era sempre encontrado no bairro de Villa Isabel em companhia quasi sempre do grande musico a quem peço licença para trazer – 19 – seu nome, o illustrado e humanitario medico Dr. Francisco Magalhães, e de seu sempre chorado irmão e também grande violão Ernesto Magalhães, já fallecido. Furtado, abandonando a flauta, dedicou-se ao trombone tendo como mestre Candinho Sil- [017] va, tornando-se um trombonista respeitado, dando com isso grande prazer ao seu mestre. O autor destas linhas acompanhou a vida de Furtado, até os seus ultimos dias. Indo certa vez em sua residencia em companhia de Ernesto Magalhães e Billot, já tambem fallecidos, encontrou elle muito abatido, quasi não podendo falar, então por gracejo lhe disse: Viemos te buscar pois temos um pagode puxado a "Qui-Qui" (porco), elle com um pequeno riso nos labios, nada respondeu, este riso era já advinhando a sua partida para o além, onde com Santa Cecilia ia tocar os hymnos santos do céo ! Morreu de uma tuberculose deixando um vacuo triste e difficultoso de ser preecnhido. MANOEL TEIXEIRA (Cupido) Foi um chorão de facto. A sua flauta em seus labios parecia até o canto de um sabiá, tocava nos bailes, em reuniões e até muitas serenatas fizemos, e a todos deliciava. Cupido era filho de um velho tocador de violão já fallecido, chamado, se não me falha a memoria, Vito. Naquelle tempo morava em uma pequena avenida na entrada da rua de São Christovão, do lado direito, da entrada do Estacio, antigo Mata Porcos. Conheci-o de menino como tambem eu o era, brincamos juntos e soltar papagaios lá pelas bandas da chacara do Céo, no cimo do Morro de São Carlos, onde – 20 – tambem comiamos os cajás azedos que existiam naquelle tempo em abundancia. Cupido foi um chorão que deixou saudades. GEDEÃO Sublime artista musical tambem executor eximio do chôro, possuia em seu caderno de musica composições de diversos flautistas, que tambem já se foram e de seus contemporaneos. Morava numa pequena casa na rua Machado Coelho perto do Estacio, esta casa era a reunião dos chorões, sendo por tanto uma grande escola de musicistas, onde o autor deste livro ia alli beber naquella fonte sua aprendizagem de Violão e Cavaquinho. ARTHUR FLUMINENSE De saudosa memoria foi carteiro, flautista dos bons. Dizia o [018] que sentia em seu instrumento. Apesar de não o ter conhecido pessoalmente pude pegar algumas pequenas informações, sabendo que elle privou com os grandes flautas da antiguidade; sua morte causou grande claro entre seus amigos daquella época. LEOPOLDO PE' DE MEZA Tocava pouco, morava no Morro do Pinto, não era musico de assombro, mas servia para "encher tripa" na falta dos grandes chorões; pois com a sua flauta de cinco chaves já muito velha, presa com elasticos tocava só musicas faceis, lá uma ou outra mais difficil, emfim sempre arremediava, nos bailes onde tocava, comia como gente grande, e bebia melhor. Gostava de uma abrideira antes de entrar nos pirões, e depois se atolava na cerveja, no vinho ou em – 21 – qualquer outras bebidas que viesse, era dos taes que cada vez que chimpava um "gole"da bôa estalava a lingua, e quando numa meza via um Qui-Qui (porco) com a competente batata na bocca e azeitona nos olhos, não tinha mais vontade de levantar-se, e quando isso fazia ia dizendo: hoje comi para um mez, estou empanturrado, já não posso mais. Se pela madrugada vinha um chocolate com biscoitos não regeitava a parada e tomava mais de uma chicara. Não quero dizer com isso que todos os musicos fossem assim, como elle, mas gostavam de comer bem e se assim não fosse tratavam de dar o fóra deixando os convidados a vêr navios. Julgo que elle já deu contas a Deus, pelo muito que comeu e bebeu neste planeta. CARLOS ESPINDOLA Foi um grande amigo e chorão, executor de flauta com grande perfeição, pae da grande artista Aracy Córtes, luminosa estrella theatral no nosso amado Brasil, que tantas glorias, bellezas e applausos tem feito na nossa capital e tambem retumbante successo no estrangeiro. Fui amigo intimo de seu pae, conheci-o ainda solteiro quando frequentavamos bons e maus bailes na Tijuca, Andarahy, Villa Isabel, Mattoso, Itapagipe e muitos outros lugares desta capital, alguns pagodes que estavam acostumados a receber os musicos a café e cachaça, festas estas que Espindola, ia me dizendo vamos dar o fóra pois não estou acos- [019] tumado a passar a "Pirão de Areia secca" e "Pirão de Bagre", que significava não haver uma bella ceia regada com o competente vinho; então respondia eu vamos sahir de barriga pois ella esta dando – 22 – horas. Saindo deste pagode hiamos para qualquer botequim, mandavamos vir uma porção de mortadella, pão e vinho e assim faziamos um bello repasto, sahiamos dalli mais ou menos forrados, caminhavamos pela rua afóra rindo e commentando o baile. Espindola, comia bem e antes de tocar flauta já era grande frequentador de pagodes, pois conhecendo muitos tocadores de chôro escorregava nas aguas delles. Dahi parte o conhecimento delle com o inesquecivel professor João Salgado, também de saudosa memoria. Nesse tempo metteuse na cabeça de Espindola, aprender a tocar flauta, o que conseguiu comprando uma de novo systema convidando João Salgado para seu professor que promptamente aquieceu. João Salgado que era um professor de grande merito e paciencia para ensinar a mais rude cabeça foi aos poucos ensinando a Espindola, que com a vontade que tinha de aprender foi depressa, pois em poucos tempos tornou-se um flautista respeitado nas rodas dos tocadores, impondo-se á admiração de todos que o conheciam e tambem deste que estas linhas escreve, que muito o apreciava. Morreu muito moço ainda e, se vivesse, hoje seria a gloria dos grandes chorões com a sua maviosa flauta. Falleceu á rua Barão de Ubá, e o autor destas linhas acompanhou o seu enterramento ao Cemiterio de São Francisco Xavier. Occupava elle, o cargo de feitor de turma da Prefeitura. Não sei de certo, se a sua viuva ainda existe, o que faço votos que sim, pois, quando carteiro que fazia entrega na rua do Lavradio encontrei- a, uma occasião, morando no Hotel Nacional. Palestramos um pouco, finalizando a nossa conversa sobre a vida do seu saudoso esposo. A sua dilecta filha Aracy Córtes, um dos astros que circula em nosso – 23 – meio artistico homenageada pelos applausos dos seus admiradores, a vi muito creança. PEDRINHO Pedrinho, primoroso flautista de uma educação sublime. Esse instrumento nos seus labios, as féras amansavam-se e os passarinhos enebriavam-se, tal era a gravidade do seu sopro. Pedrinho, raras vezes dizia não, aos [020] seus camaradas fosse onde fosse, o chôro. Era operario da Fabrica de Tecidos de Villa Isabel, sendo assiduo no cumprimento dos seus deveres. Eram os seus acompanhadores, Candinho Trombone, Juca Russo Violão, filho do inesquecivel Juca Valle, um dos "predilectos" violonistas da turma de Callado, Viriato, Rangel e Silveira, Baziza Cavaquinho, Ismael Correia, Lequinho e muitos outros que me falha a memoria. Estes musicos tocavam na S. D. Carnavalesa Pragas do Egypto, que era o Presidente, o autor deste livro. Pedrinho morreu repentinamente, deixando em nossos corações a maior tristeza impossivel de descrever. CHIQUINHO Chiquinho Baptista, conhecio na Tijuca. Falleceu lá para as bandas do Jardim Botanico. Acompanhei-o muitas vezes com o meu vilão este chorão. Não era lá destes flautas de admirar, mas o pouco que tocava dizia com alma e bom gosto. Penso existir ainda a sua viuva e filhos no mesmo bairro em que morreu. Também dois chorões celebres que não posso deixar de mencionar que se chamavam em vida Edegar, e Henrique. Estes, eram dois flautas sublimes, pois, faziam encantos, não só nos – 24 – bailes como nos Theatros. Moravam lá para as bandas da Gavea. Ambos infelizmente já dormem o somno eterno. Outro companheiro, bom na flauta residente em Botafogo, e que tocou com maestria em diversos bailes onde era sempre o mais preferido, chamava-se Benedicto Bahia, pois, as suas musicas eram executadas com ternura e bom gosto. Hoje, pelos annos, elle um pouco retirado, e já cansado das luctas, mesmo assim, ainda muito instado demonstra o que foi. Eram os seus acompanhadores o Ademar Casaca, primoroso violão, admirado. Deixou o violão e toca actualmente Trombone com maestria, sendo um eximio professor. E o João Soares com o seu bandolim e cavaquinho ornamentava tambem a "troupe" de Bahia, digno de ser apreciado, executando as musicas de sua lavra. VIRIATO Inesquecivel musico de grande nomeada pelas suas producções admiraveis. Só aqui podemos descrever duas das suas producções "Macia", e "Só para [021] moer", musicas estas que nunca perderão o seu valor. Faço ponto aqui deste grande musico scientifico aos meus leitores, que se fosse fazer a apologia de Viriato e de outros musicistas de sua tempera seria necessario multiplicar as paginas deste livro. ZE' FLAUTA Como era conhecido, typo de gentilman, de uma educação finissima pois, morreu, quando devia viver. As suas composições são innumeras, que infelizmente não as possuo. CAPITÃO RANGEL – 25 – Musicista, autor de innumeras composições, como sejam: "Geralda", "Alice", "Futuro Risonho", "Ternura", "Não machuca a gente", "Amelia", "Vivi", "Olhos de Candinha", "Saudades de 1° de Agosto de 1888", "Você me prometteu", "Emilia" e "Sympathia"; não estando aqui descriptas nem a terça parte de suas musicas. Rangel foi um dos principes dos Chorões da Velha Guarda. GERALDO DOS SANTOS Immensuravel flauta, conhecido na roda dos chorões por "Bico de Ferro". Era conhecido pelos seresteiros da Cidade Nova pelo seu sopro, pois, quando tocava em qualquer festa era divulgado e conhecido pela melodia do seu instrumento, sendo por este modo acclamado e festejado. O seu pae, tinha por elle um grande devotamento e por esta razão o acompanhava para todos os chôros á guiza de um cicerone, apesar de ser elle de maior idade. Geraldo foi um eximio funccionario dos Correios, muito estimado pelos companheiros. Falleceu ha pouco deixando grandes saudades e inesqueciveis recordações a todos os Chorões. ALFREDO VIANNA Melodioso flauta que podia se comparar com os acima descriptos. Tocava de primeira vista, a principio, na sua flauta amarella, de cinco chaves e ultimamente em uma, de novo systema. Deixou elle um grande archivo de musicas antigas e modernas que deve achar-se em poder de seu filho Pixinguinha, maestro e talentoso flauta que repercutiu as nossas glorias musicaes [022] – 26 – no Estrangeiro, e que, deixo de innumeral-as pois, que o publico conhece-a todas não só pelo Radio, como tambem em muitas festas de Chôros que se exhibem nesta Cidade Maravilhosa onde é apreciado e ovacionado pela maneira admiravel com que sabe executar o que é nosso, quero dizer com isto que é um filho que sabe honrar a tradição de seu pae no circulos dos Chorões. CUPERTINO Grande maestro, flauta fluente e sonoroso "primus inter pares" entre seus componentes pelo gosto e modo de exprimir com sentimento as suas produções, e tambem as de Callado, Rangel, Viriato e de outros tantos por mim descriptos. Agora já se acha velho e retirado dos chôros, tendo se dedicado ao violino tornando-se um admirador de Paganini. Formou até uma sociedade de aprendizagem de musicos onde tem se aproveitado grande quantidade de moças e moços que já se acham diplomados pelo Instituto de Musica. Tem de sua lavra grande quantidade de chôros. Apesar de não vel-o ha muito tempo, acho que ainda vive para a felicidade dos seus innumeros alumnos e de seus amigos, que no rol d'elles se encontra o escriptor. FELISBERTO MARQUES Vou aqui descrever outro chorão da velha e nova guarda, já fallecido, Felisberto Marques, mais conhecido por Maçarico. Era um melodioso flauta de justo valor pela expressão com que executava suas admiraveis composições, pois Felisberto além de um bom executor, era um eximio professor de flauta. Ultimamente, já nos fins de sua gloriosa vida foi accommmettido de um subito mal que – 27 – com espanto de todos os seus admiradores, perdeu a embocadura, e nada mais pôde tocar. Eis as suas composições: "Suspiros d'Alma", "Tutú", "Os Deuses de Maricota" e muitas outras que não tenho no meu archivo musical. Anacleto de Medeiros considerava e venerava Felisberto, pela sua inteligência musical e seu fino trato. JUPIAÇARA Flauta de outros, e deste tempo para orgulho meu e de seus amigos. Ainda vive, apesar [023] dos seus janeiros ainda não deixa de ir ás festas, chôros e reuniões de amigos com a sua linda flauta toda de prata, fazenda as alegrias dos lares. Jupiaçara conheceu todos os chorões d'aquelle tempo que muito os aprecia e que ainda hoje tem grandes recordações. Conserva na sua linda vivenda os retratos de quasi todos os grandes flautistas acima mencionados, pois é uma reliquia que d'alli não se retira por modo algum. BACURY Tambem flauta respeitado da antiguidade, grande compositor de Chôros. Era Bacury, guarda-fiscal da Prefeitura, que já dorme o somno derradeiro ha mais de cincoenta annos, tendo as suas ricas producções cahido no esquecimento no correr de tantos annos. Elle privou com os antigos chorões do seu tempo, que tantos prodigios conquistaram. OSCAR CABRAL Morador lá para os lados do Suburbios, na Piedade. Poucos flautas tinham o gosto de Cabral. Não gostava de musicas extran– 28 – geiras pois sempre dizia que tinha verdadeira adoração pela nossa musica e tinha um archivo que, affirmo que muito poucos possuem não só em numeros como em belleza. Foi grande compositor cujas producções devem estar em poder da sua distincta familia. Morreu elle ha pouco mais de tres annos lá para os lados do suburbio, deixando muitas saudades aos seus amigos. BENEDICTO Benedicto, outro bom flauta, muito conhecido e amigo de Oscar Cabral, pois foi o encanto dentro da Cidade Nova e nos suburbios onde os bailes bons e pessimos eram aos borbotões. Infelizmente morreu moço, parecia aos seus amigos cheio de vida, e no entanto assim não foi. Escreveu algumas composições bôas, que deve estar por ahi desprezadas, e que talvez no caderno de Cabral, se ache algumas. [024] QUINTILIANO Quintiliano Pinto, irmão do escriptor, um dos velhos chorões e de nome na roda dos que tocavam ou não. Quando a nossa Mãe morreu, elle apaixonou-se tanto, que nunca tendo escripto qualquer musica, compoz uma valsa, bastante triste, que botou o nome de "Minha Mãe", porém apesar de não compor, tocava todas as musicas dos velhos e novos flautas ou de outro qualquer instrumento. Tocou em muitos bailes, serenatas e festas, e, tinha muito gosto pela musica, especializando-se das antigas do seu tempo. Só deixou a flauta, já bastante idoso, e pela molestia que aos poucos foi minando o seu organismo, sepultou-se no Cimeterio do Pichincha em Jacarépaguá proveniente de uma paralysia, e que hoje como seu – 29 – irmão, ainda choro, e lastimo a sua morte, pois sempre tocamos juntos, e muitos nos estimavamos. Paz á sua alma é o que peço a Deus como todos os seus companheiros que com elle dormem o somno da eternidade. VIDEIRA Videira, flautista e chorão de respeito também já descansado desta vida aos seus 35 annos mais ou menos. E' verdade que tocava de ouvido mas sabia dizer na flauta o que dizia aos outros, sabendo musica. Era muito respeitado, pelos acompanhadores, e tinha um defeito, se qualquer dos instrumentos désse uma nota fóra da musica, em qualquer passagem, parava a flauta, o que era uma decepção para os convidados, e então logo perguntava ao que errou. O senhor sabe tocar? o que respondia o interpellado, toco pouco, e a minha pratica é quasi nenhuma, e depois o senhor toca com muita difficuldade, o que muito nos atrapalha. Com esta franqueza Videira ficava radiante, e então ia logo dizendo: Agora eu vou tocar para o senhor não cahir. E perguntando então: Qual os tons que o senhor confere no seu instrumento ? o que respondia: Dó Maior, Sol Maior, Mi menor, e só. Respondeu Videira: pois bem, então vamos tocar só nestes tons e assim fazia, sahindo-se os fracos tocadores bem, e Videira, contentissimo demonstrando assim a sua Maestria, apesar de tocar de ouvido; e mesmo para não acabar com o baile. Vou contar um facto que deu-se commigo, e um meu grande amigo, tambem como eu farrista que [025] era conhecido por apellido Dinga, de saudosa memoria. Dinga convidou-me para tocarmos em – 30 – um anniversario e baptizado, lá pelas ruas de S. Diogo, hoje General Pedra. Quando lá chegamos, o flauta ainda não tinha chegado, indagando eu ao dono da casa quem era o flauta, que tinha de tocar me respondeu que era um seu amigo por nome Videira. Oh, decepção ! Um suor frio desceu-me por todo o corpo, parecia que ia ter uma syncope, pois sabia por informações, o ranzinza que elle era! pois sabia da decepção que ia passar e meus companheiros, pois os tons que sabia naquella occasião eram muito poucos, pois o que eu sabia era de principiante, que só servia para distrahir, e não para acompanhar. Pois bem: com o medo de tocar com Videira, eu e Dinga, arranjamos um pretexto para darmos o fóra. Quando estavamos quasi para retirar-nos, com medo que Vieira entrasse, surgiu Videira com a sua maviosa flauta em baixo do braço, e que muito sorridento nos comprimentou, satisfeito talvez, pensando que fossemos excelentes tocadores. E dizendo o dono da casa que iamos nos retirar, veio Videira ao nosso encontro dizendo: Eu peço aos senhores que não se retirem, pois desta forma ficará a festa toda estragada. Então eu, muito medroso e nervoso lhe disse, que fomos alli, só para cantar modinhas, dentro dos tons que nós conheciamos e não para acompanharmos flauta, pois faltava- nos a pratica. Videira dando uma gostosa gargalhada, abraçou- me e dizendo-me: menino não tenha medo, do pouco que você toca: pois eu tocarei tudo dentro das notas que conhece. E assim dizendo pegou-me pela mão, e a do Dinga, e disse: vamos lá dentro tomar uma bôa talagada. Nos que tambem gostavamos, acompanhamos com grande prazer. Ao chegar á sala de jantar, encontramos uma bella – 31 – mesa, cheia de assados, e as competentes garrafas de vinhos tintos, Porto, Cervejas e etc. Lá chegando, Videira mandou abrir uma garrafa de vinho do Porto, que naquelle tempo era bom e barato e enchendo os nossos copos que era dos grandes, nos entregou, que foi sorvido quasi de uma só vez. Videira quando sorveu o ultimo gole, deu um grande estalo com a [026] lingua, dizendo-nos: Que bôa talagada, pois desta existem poucas. E assim dentro dos tons que sabiamos, tocamos a noite inteira. De vez em quando Videira mandava vir mais outras talagadas, palavra muito em uso por elle. O dono da casa, logo que Videira pedia, nem suspirava, trazia logo sem pestanejar, outra garrafa, e enchia os copos, e zás bebiamos. Videira era intimo da familia. Lá pelas tantas da madrugada depois de muitos chôros tocar, puzemos a cantar modinhas, depois de um bello chocolate, feita a capricho o que foi uma delicia para nós. E assim soldamos os pulmões para poder contar modinhas muito em voga naquelles tempos. "Pallida madona." Eu sei que teus olhares são só delle, Virgem de louros cabellos, um dia louco, o que vale o fulgor de Oropé e muitas em que o escriptor destas paginas era um batuta pois possuia uma bella voz que encantava aos ouvintes, e sendo sempre muito applaudido. Finda a festa ao romper da manhã, despedimo-nos do dono da casa, e sua familia e mais convidados, que ficaram muito gratos, pela maneira alegre e ordem que reinou até ao findar da mesma. E assim eu o Dinga e Videira, fomos até o largo do Rocio Pequeno, hoje Praça 11 de Junho. Depois de muito commentarmos sobre a festa despedimo-nos – 32 – com bastante pezar, pela boa camaradagem que reinou. Então Videira offereceu-nos a sua casa, que era em uma pequena avenida na rua dos Invalidos, onde lá entregou sua alma a Deus, de uma intervenção cirurgica. Pois bem, daquelle dia em diante, comecei a procurar Videira, não só em sua casa, como em uma charutaria na rua do Ouvidor, onde elle trabalhava como cigarreiro. Andando sempre com elle principiei a tocar violão, e cavaquinho, pois elle os conhecia regularmente, e tornando- me desta forma um violão e cavaquinho respeitado na roda dos tocadores batutas, e assim acompanhei muitas quadrilhas como fosse: "Minha dôr, Ermelinda, Lucinda, Saudades do Engenho Velho, da Cidade Nova", e muitas outras como polkas, valsas, chotes, mazurkas, etc. tornando-me assim um bamba nos dois instrumentos de cordas de que fiz uso por muitos annos. Hoje ao peso da idade já cansado, obrigado sou a retirarme para a vida privada, tendo de- [027] pendurado nas paredes cheio de pó, e no esquecimento, o meu violão e cavaquinho, tão querido outr’ora, por ter sido os meus instrumentos que tanta fama me empolgou na minha mocidade, e dentro do meu cérebro as reminiscências descriptas neste livro, pobre de literatura, porém, rico de recordações. JOÃO DE BRITO João de Brito, flauta também de bom gosto. Chorão dos chorões, epigraphe esta, que espontaneamente, dou-lhe diante dos factos testemunhados por todos os musicistas, que andaram, privaram e tocaram, com elle. Personagem, que era um astro – 33 – que illuminou na sua trajectoria os lares ricos e pobres, daquelles tempos. Pois como elle na sua flauta magica só tocou Pan o Deus da natureza de que falla a mythologia. João de Brito era cigarreiro da fabrica Leite Alves, era um caboclo sympathico, attrahente, de maneiras francas, e positivas por isso tornava-se communicativo. Era demasiadamente apaixonado pelo chôro. Quando empunhava a flauta, entre seus acompanhadores, o enthusiasmo lhe supplantava, e elle se esquecia de tudo até de sua familia de quem era estremecidamente dedicado. Deixou diversas composições que infelizmente nenhuma possuo. João de Brito morreu. Vive, porém, nos corações de seus amigos que ainda hoje pranteiam a sua morte. JOÃO BRUNO João Bruno, que occupava o cargo de carteiro, bom flauta, e chorão do Cattete, discípulo do sempre chorado e inesquecivel Felisberto Marques, tocava todas as musicas dos flautas antigos já por mim descriptos. Era senhor de um bom sopro e de bom mecanismo. Autoridade nas melodias que sabia exprimir com facilidade no seu instrumento. O autor deste livro tinha por elle grande devotamento e muitas vezes accedeu aos seus convites, para chôros, que ainda hoje guardo bem tristonho, na minha reminiscencia. Morreu em uma das ruas do Cattete, tendo seu enterramento sido uma apotheose de saudades. THOMAZINHO Thomazinho, era tambem um [028] flauta conquistado pelos bons acompanhadores, era estafeta – 34 – dos Telegraphos e morava lá pelos suburbios, onde era muito estimado, pelo seu fino trato, e pelo saber que tinha na sua maviosa flauta. Era de côr parda, altura reglar, pernostico, pandego, vivia sempre a brincar com os companheiros como elle, tocadores. Era um grande athleta no jogo de capoeiragem, de uma agilidade sem nome. Nunca companheiro algum por mais esperto que fosse, conseguiu derrubal-o em uma rasteira, ou em qualquer golpe. Tinha adoração pelo que tocava, pois bolia com os nervos de quem o escutava. Morreu a poucos annos. Julgo em consequencia de um grande desgosto que teve. JUCA KALUT Juca Kalut, immensuravel artista, que a minha penna treme ao trazer aqui o nome deste afamado professor. É impossível descrever aqui, o apogeu deste grande mestre, pois a belleza e os sentimentos dos chôros que elle escreveu, com arte e bom gosto que tinha pela musica, muito o elevaram no conceito de outros grandes musicos e professores. Era respeitado. Kalut morava em Jacarépaguá, onde foi sempre sua moradia, deixou uma grande bagagem musical; composições sublimes, cada qual era um mundo de inspirações. Catullo Cearense, Hermes Fonetes, e outros poetas de valor aproveitaram suas composições em que escreveram bellissimos poemas. São de sua lavra as valsas: "Camponezas, Sorrir Dormindo, Irene" e muitas outras bellissimas composições. Kallut era exemplar chefe de familia e amigo dedicado, foi optimo funccionario e aposentou- se no cargo de carteiro de 1ª classe. Adorava seus filhos a quem – 35 – tratava com o maior desvelo educando-os com o maior carinho, apesar de sua difficuldade monetaria, não olhando sacrificios. Morreu a poucos annos. Com a morte de uma sua filha, muito se apaixonou, pois tinha dado uma educação aprimorada, não só nas letras como na musica, pois ja era uma maestrina. [029] Morreu, como tambem seu pae. Ainda hoje o nome de Kallut, é lembrado como lidimo expoente da musica, e tambem pelo seu fino trato, pelo bom gosto de suas composições, e assim deixou um claro bem custoso de preencher, deixando immorredouras saudades que somente a propria morte apagará. GUILHERME CANDIDO DIAS Outro chorão e bom flauta chamou-se em vida Guilherme Candido Dias. Conheci-o e privei muito com elle, fui seu acompanhador, juntamente com o grande violão e cavaquinho Narcizo Gomes Barcellos, que falleceu a poucos annos no cargo de guarda municipal. Poucos bailes se deram na cidade nova que Guilherme, não fosse chamado. Conhecia todas as musicas dos velhos flautas antigos que já dormem tambem o somno eterno. Guilherme foi flauta de seu tempo como poucos. Na sua flauta Guilherme sabia dizer o que sentia e assim tocamos muito nestes chôros na cidade nova e no morro do Pinto. Aposentou-se no cargo de carteiro de 1ª classe, tendo exercido na Succursal da Praça 11 de Junho, e creio por desgosto intimo falleceu logo depois de casado. As suas composições andam ao léo, talvez nas mãos de algum bom flautista a quem dou meus parabens por possuir uma joia primorosa. – 36 – CAMARGO Camargo conheci-o no Ameno Resedá tocando regularmente flauta de 5 chaves. Muito caprichoso, e mesmo bastante intelligente ingressou nas fileiras da Brigada Policial fazendo seus estudos no Conservatorio de Musica, tornando- se alli um alumno intelligente, recebendo assim o seu Diploma de Professor. Pois bem: Camargo foi Regente daquellas bandas chegando a galgar o posto de official. A sua morte foi muito sentida não só da distincta officialidade, musicos e amigos cá de fóra, o que elle tinha as centenas. SOARES "CAIXA DE PHOSPHOROS" Soares "Caixa de phosphoros" como era conhecido foi um primoroso flauta que a muitos annos já deu a alma a Deus. [030] Creio que morava alli pela rua de S. Diogo, onde era muito conhecido. Tocava com alma, não só o chôro que compunha, como todos os de seus companheiros, fazendo o encanto dos lares onde era chamado. Comia bem e regado com a canninha, ou vinho que podia beber-se, pois era barato. Era muito expansivo, e bom amigo. Onde tocava fazia sempre pilherias engraçadas que agradavam bem. MANGUEIRA Mangueira, quem não conheceu ? Dos tocadores antigos bem poucos ! Não sei se ainda é vivo. Mangueira tocava flauta de cinco chaves, mesmo assim sabia dizer o seu segredo pois – 37 – conhecia os chôros de todos os bons flautistas, não só dos antigos, como dos modernos tempos. Mangueira era o typo do bom amigo, e quando tocava com um violão fraco, elle com toda a paciencia ensinava o tom, e suas passagens ficando assim apto para acompanhal-o Se é vivo ou morto não posso dizer. JUCA FLAUTA Juca Flauta, como era conhecido, morava em uma Avenida na rua D. Feliciana, já naquelle tempo bem velho, não era tambem um grande flautista naquelle tempo, porém, tocava os chôros faceis como se fosse: polka, valsa, quadrilha, chotes, mazurka, etc. Juca Flauta foi tambem meu amigo inseparavel no chôro, tocamos sempre juntos, eu como seu acompanhador, e tambem o celebre violão e cavaquinho Mario do Estacio, Juca Mãozinha, Juca Mulatinho, todos estes tocavam violão e cavaquinho, e eram excellentes cantores de modinhas, pois naquelle tempo a graça do baile era quando terminava com bellas modinhas, e as que estavam em moda naquelle tempo, eram "Lá naquelle Gigante de Pedra, Em horas mortas da noite, Perdão Emilia, Os olhos Castanhos são lindos e serenos, Qual fica doido o macaco, lundú. A gentil Carolina era bella" e muitas outras que não me vem a mente pois nellas estes tocadores eram batutas. Destes por mim citados só existe o escriptor, o que levanta ás mãos ao céo por ainda lhe dar esta graça. JUCA GONÇALVES Juca Gonçalves, conhecido por Bita, era irmão do carteiro [031] – 38 – de 1ª classe hoje aposentado Alfredo Luiz de Oliveira Gonçalves, a sua flauta era de 5 chaves, porém, era um primor de gosto quando tocava nos pagodes, pois tinha muito gosto, e alma, pois sabia dizer o que sentia. Morou muitos annos na Ladeira de João Cardos, em companhia de seu irmão. Naquelle bairro elle fez o encanto, allegrando os corações tristes, e tambem, dando occasião a muitos casamentos. Abandonou a musica, visto ter ficado cégo, o que muito o apaixonou. Morreu em casa de seu irmão, em Jacarápaguá, pois além da sua cegueira, ainda foi atacado de uma tuberculose. Acabou os seus dias, estando sepultado no Cemiterio do Pechincha em Jacarépaguá. JOSE' FRAGOSO Maestro no violão, que começou nos chôros, como um dos melhores acompanhadores, e assim como o violão fez progresso, evadindo os salões da aristocracia, tambem razão porque, toca hoje o seu violão por musica, e com grande habilidade, solando musicas classicas de primeira vista. Zezé, como é conhecido no meio dos chorões, é sympathico e querido, em todo meio e muito considerado. JORGE SEIXAS Deste maestro me falta intelligencia para descrever os seus feitos, intelligencia, capacidade quanto a musica e mais. Seixas, toca todos os instrumentos especializando-se no violão. Posso aqui affirmar que no Brasil, bem poucos tocarão violão como Seixas. As suas musicas vem todas da Allemanha, onde faz seu estudo. Toca qualquer musica no seu – 39 – mavioso violão de primeira vista. O autor compoz um tango que deu o nome de "Ingratidão", e levando á sua casa para a endireitar, e desfazer alguns erros, ficou admirado, e de bocca aberta vendo elle trazer o seu lindo violão, e executar aquela musica de primeira vista e com a maior facilidade. Foi Director de Harmonia das Pragas do Egypto, onde elevou aquella sociedade ao conceito publico, com a intelligencia de sua batuta, foi tambem nos ultimos tempos Director de Harmonia do Ameno Resedá, onde glorificou-se com o seu saber, musicista primus-interpares. Jorge é muito di- [032] gno funccionario da Casa da Moeda. JUSTINIANO Era flauta que morava em Nictheroy, e que tocava de ouvido musicas difficeis, que punham em embaraço musicos de primeira nomeada, e que se estasiavam de ouvil-o tocar. O Justiniano, ia todos os dias para o Arsenal, ouvir os ensaios da banda regida pelo inesquecivel Bocó. E gravava no ouvido as melhores musicas, para executar na sua flauta de cinco chaves. Este facto passou-se mais ou menos a cincoenta e tantos anos, inda hoje se fala no apurado ouvido de Justiniano. CAPITÃO BRAGUINHA Conheci-o muito, e com elle privei não só na sua residencia, como tambem em bailes, festas, serenatas e mais. Braguinha morava na rua de Santo Henrique, numa pequena avenida daquella rua. Trabalhava como caixeiro de despachante da Alfandega, andando sempre com os "guandos". – 40 – Era por isto muito procurado pelos seus amigos que elle tinha de toda classe. Então elle com o bom coração que tinha não fazia selecção delles. Andava sempre acompanhado pelo pessoal bom e mau, pois pela sua bondade o exploravam não só pedindo dinheiro, como tambem bebidas, o que elle não se negava, entrando em diversos botequins, e mandando arriar abessa, para satisfação dos beberrões. Braguinha, na falta de um bom flauta, servia ! Apesar de tocar muito mal e de ouvido, conhecendo na sua flauta que era de cinco chaves, uns tres ou quatro chôros, com isto elle julgava-se grande maestro. Nos bailes chepas em que tocava, sabia illudir os convidados, intercalando elles de forma que poucos comprhendiam a malandragem de Braguinha. Era muito engraçado nos bailes que tocava, pois tinha pilherias muito bôas, fazendo hilaridade dos que ouviam. Mesmo o seu porte era engraçado, muito baixinho, magrinho, e a physionomia pequena. Sempre que via o amigo recebia com um ar de riso engraçado. Era de um coração de pomba, pois não fazia mal a ninguem. Serviu em um Batalhão da Guarda Nacional creio, sobre o commando do coronel Salustiano Quintanilha, de tambem saudosa memoria. Pois bem, Braguinha nunca deu parte de um soldado, mesmo na [033] effervescencia da Revolta de 93, onde elle foi um baluarte ao lado do invicto e sempre chorado soldado, Floriano Peixoto. Braguinha, sahia á rua com a escolta, para pegar gente para completar o Batalhão, e voltava como tinha sahido, nunca encontrando pessôa apta para o serviço militar. Porém, leitores, não é porque não encontrasse, e – 41 – sim, pelo seu bom coração, pois a escolta trazia o paisano á sua presença, e ouvindo dos mesmos dizendo-lhe que tinham filhos e mulher para sustentar e outras coisas mais, dispensava. Braguinha ficava logo pensativo baixando a cabeça, e muitas vezes até as lagrimas lhe vinham aos olhos, e então num auge de sentimento dizia: pode retirar-se. E causando muitas vezes a admiração da escolta, Braguinha, foi bom filho e excelente esposo, e como amigo era de uma dedicação sem nome. Morreu a poucos annos, deixando aos seus amigos profunda consternação. ARTHUR VIROU BODE Quem não conhece este eximio flauta? bem poucos! No seu instrumento é de uma agilidade nos dedos admiravel. O seu sopro é mavioso, conhece musica como gente grande, toca mesmo de primeira vista, e com grande maestria. Conheci-o em casa do celeberrimo violão Juca Russo, e fiquei logo seu amigo, pois vi nelle um bom camarada. Eu frequentava a casa de Juca Russo, e fiquei logo seu amigo, pois vi nelle um bom camarada. Eu frequentava a casa de Juca Russo, que é meu compadre. Estavamos sempre juntos, com muitos outros tocadores de nomeada, pois a casa de Juca Russo era frequentada sempre por grande numero de tocadores. O appellido na roda dos tocadores é devido a um chôro feito por Candinho Silva, que dedicou a Arthur, não sabendo qual a razão. O chorão me parece que mora lá para os suburbios, onde faz os attractivos. PEDRO DE ALCANTARA Não tive a felicidade de conhecel-o, mas por informações sei que foi um – 42 – flautista de respeito, conhecia musica a fundo. Em chôros seus, e de outros seus companheiros artistas como elle, era de uma suavidade sublime. Tocava também as musicas classicas com grande maestria, fazia nos chôros que tocava os encantos dos lares. Infelizmente pelo tempo julgo ser morto. [034] PAULO VIEIRA DA COSTA Morou muitos annos na Estrada Velha da Tijuca, com seu pae Juca Mamede, de grande capacidade intellectual. Paulo tambem como seu pae era de uma educação sublime, e até poeta, infelizmente nada publicou, estando talvez as mesmas jogadas ao monturo, sem nada ter-se aproveitado. Além destes predicados era um flautista sublime, tinha muito boas composições suas, que talvez não existam mais nenhuma. Como violão que fui, acompanhei muito este chorão, que infelizmente como tantos outros já dorme o somno eterno. O FRUCTUOSO O Fructuoso era um senhor de idade, que em 1888, residia na rua do Nuncio, em uma casa pouco confortada, porém bem mobiliada. Era elle um solteirão. Na casa do sr. Fructuoso, em que se reuniam naquelle tempo diversos musicistas, em companhia do mesmo, que era um eximio tocador de harmonio, instrumento este que fazia parte do mobiliario acima referido. Foi ahi que o Catullo, imenso poeta, em companhia de Galdino Barreto e Luiz de Souza, fez a canção do Africano, que tantas glorias tem alcançado. Com meu violão, ou cavaquinho o acompanhei por diversas vezes, fazendo o contentamento e alegria de diversos lares. – 43 – CICERO TELLES DE MENEZES Era conhecido na roda dos tocadores como Cicero dos Telegraphos, pois occupava o cargo de Estafeta de 3ª classe. Tambem sabia dizer o que sentia na sua maviosa flauta, pois tinha um sopro encantador. Gostava muito das musicas antigas e novas, tambem tinha algumas composições suas. Conheci-o apesar de poucas vezes que com elle privei, e até assisti o seu casamento, na rua de D. Maria na Piedade, com uma moça filha de um dilecto amigo meu. Cicero teve a infelicidade de gozar pouco a sua lua de mel, pois só durou mez e meio após o seu casamento. Uma tuberculose o victimou. ANTONIO JOAQUIM MARQUES PORTO Era filho de uma distincta familia bahiana. Conheci-o, como [035] soldado do antigo Corpo Militar da Policia da Côrte, apesar de sua grande instrucção, não chegou a galgar posto algum, porque era de um genio estourado, mettia-se em farras, noite e noites perdidas, não se encomodando com ordens nem disciplina. Marques Porto como era conhecido, era jovial, tocava flauta com grande maestria, no violão era sublime, no piano e no orgão era de uma decia de supplantar. Tambem cantava muitas modinhas, umas alegres e outras sentimentaes e com uma voz maviosa de fazer encantar. Com estes dotes muito alegrou aquelles bairros da Estrada Nova e Velha da Tijuca. Conheci-o como soldado destacado em um posto que existia na Estrada Velha da Tijuca, bem encostado – 44 – á Caixa Velha. Marques Porto, em poucos dias familiarizou-se com todas as familias alli residentes, pois era de uma fina educação e trato, com sua flauta sempre em baixo do braço. lá ia elle divertir aquellas familias que muito o estimavam. Bohemio que era e não ligando a sociedade acabou o heroe do chôro, se não me engano, em uma enxerga na Santa Casa de Misericordia. Contava-me elle que sua bonissima mãe mandava-lhe dinheiro para seu regresso á Bahia, porém, com seu espirito bohemio, nunca lá foi, gastando todo em farras e patuscadas. E assim lá se foi para via eterna um heróe, que pelo seu saber e cultura podia hoje seu nome estar esculpido em uma estatua para gloria do porvir. JOÃO SAMPAIO Quem o conheceu pode gloriar-se, pois foi um flauta de peso, conhecia musica de verdade, a flauta nos seus labios dizia o que era bom e maravilhoso, tinha diversos cadernos de chôros. As suas musicas quasi todas foram dos velhos e antigos chorões, como Callado e seus componentes. Tocava qualquer chôro de primeira vista, pois para elle não havia difficuldades. Era muito respeitado na roda dos que o conheciam. Morreu já cansado pelos annos, devido a isto pouco uso fazia da musica, tinha grande zelo pelas mesmas. Ninguem arrancava uma musica qualquer para fóra, só deixava copiar em sua casa sob as suas vistas. Morreu a poucos annos lá pelas [036] bandas da Aldeia Campista, onde deixou immensas saudades. CARLINHOS – 45 – Como divida de gratidão pelo muito que sabe não podemos esquecer este chorão da gemma, que apesar de ainda ser novo na lucta, nada fica devendo aos velhos, pois já nasceu com o dom da musica, pois é primoroso flauta, toca com grande maestria e gosto. Toca tudo dos grandes e sempre lembrados flautas da antiguidade, e os de agora. E' também de uma educação finissima, e tanto assim que em poucos annos galgou todos os cargos de Carteiro onde chegou até o de 1ª classe. Casou-se. Talvez devido a isto retirou-se da lucta. Mesmo assim uma vez ou outra não dá o seu quinhão ao vigario, pois diz o que sente. Carlinhos, mora em Villa Isabel em uma das casas da Companhia de Tecidos. IRINEU PIANINHO Esse flauta encheu de glorias a nossa bella Capital, com seus maviosos preludios, encantando assim os que tiveram a felicidade de ouvil-o, muito apreciava todos os chôros dos antigos, e modernos tocadores já por nós descriptos. Tinha muitas musicas de sua lavra, que eram um primor de bom gosto. Infelizmente só temos duas que são de nome "Os deuses de Maricota", e o "Genio de Maricota e Geny"; e muitas outras. Pianinho foi grande musico e chorão, pertenceu á banda do Corpo de Bombeiros, no tempo do sempre lembrado e chorado Anacleto de Medeiros, maestro de primeira grandeza, brilhante, sem jaça, que infelizmente tambem dorme o somno dos justos, como tambem Pianinho. HENRIQUE DOURADO (HENRIQUINHO) Já tambem dorme, como – 46 – muitos de seus companheiros o somno eterno. Exalto o seu grande genio que foi o Henriquinho, como era conhecido. Tinha o seu grande valor no meio dos tocadores, pois era um flautim adorado, tocava todos os chôros dos antigos flautas o que elle muito adorava, como tambem as composições suas. Foi tambem flauta de verdade. Encantou muitos lares, fez apagar muitas tristezas e senti- [037] mentos, nos corações dos que soffriam, com o seu mavioso sopro. Encantava todos aquelles musicos ou não, que tivesse a sorte de conhecel-o, não só pelos dotes musicaes, com tambem pelo seu fino trato. Morreu muito moço, o que foi um sentimento geral e se assim não fosse, as suas musicas seriam hoje em grande quantidade. PORFIRIO DE SA' Fui um grande admirador da flauta que elle tocava com o maior prazer e alegria, escreveu muitos chôros, e cada qual de arrepiar cabellos. Tendo depois deixado a flauta, dedicando-se ao contrabaixo, por lhe faltar a embocadura, como tambem os annos e molestia que foi adquirindo com o correr dos tempos. Aprendeu a tocar violoncello em pouco tempo. Seus professores admiravam-se da sua inteligencia, e a rapidez com que aprendeu um instrumento tão difficultoso. Pois bem, Porfirio, tornou-se um grande contrabaixista, tocando até em orchestras. Agora vamos aqui trazer nomes de algumas composições suas. Eil-as: "Os meus desejos", "Diamantina" e muitas dezenas de outras que foi – 47 – impossivel adquiril-as. BENEDICTO BAHIA Vamos agora bolir com as fibras de outro immenso folião da flauta que se chama Benedicto Bahia, foi bamba nos segredos da flauta, quasi todo Botafogo conhece-o como chorão de facto, pois quando melodiava na sua flauta naquelles chôros molles que é commum nelle, as mulatas ficavam todas dengosas, dizendo bravo, seu Bahia ! Hoje pelos annos e pezo de familia está um pouco retirado, mas mesmo assim ainda dá a sua pernada. Eram seus acompanhadores o celeberrimo violão Ademar Casaca, morador a muitos annos tambem em Botafogo, violão primoroso, sola e acompanha com grande maestria. Hoje toca trombone por musica o que conhece com theoria e rythmo. Hoje já um pouco alquebrado pelos annos, só lecciona, não só violão como piano ou qualquer instrumento. Era tambem acompanhador de Bahia o immenso cavaquinho que foi João Soares de saudosa memoria, João Soares de grande bagagem de musicas por elle feitas e que deve ter algumas o nosso estimado Bahia. [038] JOÃO PINHEIRO De saudosa memoria, a sua morte veio abrir um grande claro no exercito dos tocadores, pois elle era bom em tudo, muito amoroso, delicado, de uma educação finissima, conheci-o logo que ingressou na Côrte de Appellação como funccionario de pequena categoria, com seu exemplar comportamento, de dedicação ao trabalho, galgou em pouco tempo, bem alto cargo naquella Repartição. Na sua flauta, era maravilhoso ouvir-lhe tocar, não só os chôros dos – 48 – grandes mestres mortos e vivos, como tambem as bellas composições suas. Não recusava a convite de seus amigos, pois achava-se sempre prompto para a lucta, sem pestanejar. Nos bailes e festas em que ia tocar, fazia logo camaradagem, tornando-se muitas vezes intimo da familia, pois o seu tratamento era finissimo. Morre a pouco tempo na invicta Nictheroy, em uma casa de sua propriedade e lá foi dado á sepultura o seu corpo. Em vida tanta alegria deu ao povo daquella cidade, como o daqui da Capital Federal. LEITE ALVES Quem não o conheceu ? Só quem não foi musico daquelles tempos pois era um primoroso flauta daquelle tempo a uns cincoenta annos mais ou menos, era um primor ouvil-o tocar. Tinha garbo no que tocava, pois conhecia todos os chôros de seus collegas antigos e modernos. Conheci-o desempregado, privei muito com elle, conheci em um baile, na rua D. Feliciana, ficamos muito amigos, dahi em diante todos os pagodes que elle, ou eu tinha, tocavamos sempre juntos, eu de violão ou cavaquinho, faziam-nos o regallo destes bailes, que naquelle tempo de tudo barato existia a milhares, pois não havia lar que fazendo um baptizado, anniversario, casamento, etc., que não désse um baile, puxado ao leitão, ao peru', gallinhas, muitas bebidas, como sejam cervejas, vinhos, licores, etc. De fórma que os chorões daquella época não passavam necessidades, comendo bem, e bebendo melhor. Como acima disse Leite Alves desempregado, me falou um dia na sua necessidade, e que precisava arranjar uma colocação, e que eu talvez lhe pudesse remediar este mal, pois sabia que – 49 – [039] dispunha de elementos para tal. Então lhe respondi que ia fazer todos os esforços para sua collocação. Sendo eu muito amigo e collega de Maximiano Martins conhecido pelo appellido Seu Velho, a elle me dirigi contando toda a historia de Leite Alves, o que Seu Velho me respondeu: que sendo muito amigo, como eu tambem o era, do capitão Sebastião, que exercia o cargo de Continuo na Camara dos Deputados, que iria pedir a elle. Pois bem, foi tiro e quéda. Sebastião apeser de continuo exercia uma grande influencia na Camara, entre os Deputados e especializando nesta amizade a do dr. Herculando de Freitas, deputado pelo Estado de São Paulo, e de grande influencia politica, pois bem foi nomeado Leite Alves para servente do Thesouro e lá trabalhou pouco tempo abandonando o logar, para dedicar-se á musica, pois era seu fraco, e assim foi reger uma banda julgo em Minas Geraes, onde lá falleceu, tendo deixado grandes saudades, e aberto um claro na avalanche dos chorões que muito tristonhos ficaram com a morte deste heróe, que tão bem sabia dizer, as musicas deliciosas dos companheiros antigos e modernos daquella época. PORTO CASCATA Qual o chorão da Velha Guarda, que o não conheceu ? Bem poucos ou nenhum. Podiase considerar um maestro, conhecia musica a fundo, não só o classico, como os grandes chôros especializando Callado, Viriato, Rangel e outros de celebridade naquella época. Não sei se tinha composições suas, o que acho que sim. Era de finissimo trato, de uma educação aprimorada. Qualquer pessôa – 50 – que com elle privasse, ficava logo cativo pelo seu elevado trato. A poucos annos era Agente do Correio de Engenho Novo, onde prestou por muitos annos grandes serviços na mesma, sendo muito considerado pelo publico daquelle lugar. A muito não o vejo, nem noticia tenho, não sabendo se será vivo ou não e assim fica mais ou menos descripto a vida não só como um chorão eminente, como tambem publica. GREGORIO COUTO Chorão de respeito, e estimado. Na sua adoravel flauta sabia dizer o que sentia, fazendo [040] nella alegria e tristeza, pois tinha musicas para ambos sentimentos. Era bom e distincto amigo. Os que com elle privassem ficavam logo á primeira vista encantados não só pelo seu trato, e mesmo com o seu bello tratamento, julgo que pelos annos que já se vão que já não existe e assim mais ou menos ahi fica a vida deste grande musico. ALBERTO MARTINS Alberto Martins, é Carteiro dos Correios, tem exercicio na Agencia de Copacabana, conhece bem a sua flauta, e toca tambem saxophone. Em qualquer destes dois instrumentos ninguem lhe passa a perna, pois os executa com a maior perfeição. Estudou bem a musica e por isto não teme a qualquer adversario. No chôro em que ás vezes toca encanta com a sua melodia, dando o maior prazer aos circunstantes. Conhece todos os chôros dos seus collegas musicos como elle antigos e modernos. Tambem tem bôas composições suas, que faz o encanto de o escutar, o que elle – 51 – tem grande prazer, pois sabe fazer sentir. E' moço ainda, e flauta moderno, mas mesmo assim não inveja os antigos. JOÃO HILARIO XAVIER 1° official dos Correios, começou como Carteiro, que pelo seu saber, intelligencia e actividade galgou todos os postos até chegar á posição de official, posto que foi aposentado. Xavier era simples, e não fazia distincção de seus subordinados, despido de preconceitos, razão esta que se tornava querido e admirado de seus subalternos. Quando armava sua flauta de prata de novo systema, no meio dos cavaquinhos e violões, se esquecia de tudo e dizia na sua flauta em magnificas expressões, esquecia as maguas, e expandia as alegrias de seu coração. LOURO Quen não conheceu, ou conhece o bom Louro, clarinete de primeira linha ? O autor deste livro teve a felicidade de tocar com o heróe, acima descripto, e sabe dar o seu verdadeiro valor. Louro em um baile, encantava a todos com seu mavioso instrumento. Acompanhei-o algumas vezes com meu violão e cavaquinho, e sei o quanto precisam cavar nas [041] cordas e nos dedos para não fazer um feio (isto é cahir) como se chama na gyria aquelles que erra. A muito que não o vejo, não sei se será vivo, o que faço votos que sim. AURELIO CAVALCANTI Chorão de nome, me sendo impossivel descrever os grandes feitos deste immenso artista musical. No teclado de um piano era – 52 – primoroso, não existia naquelle tempo, quem o imitasse, era de um verdadeiro hymno de amor. Aurelio foi excelente musico. As suas composições ahi estão que são um primor de belleza. Era bom chefe de familia e bom amigo. A sua morte ainda hoje é pranteada. O grande escriptor Coelho Netto, antes de sua morte escreveu com grande nitidez a vida deste grande chorão. Paz á sua alma. CHIROL Outro grande chorão no piano, de seu tempo. Fez os encantos de muitos lares com as suas bellas harmonias, pois sabia dizer o que sentia neste mavioso instrumento. Mesmo depois de velho, e alquebrado, em bailes e festas estava sempre alegre, fazendo bôas pilherias e ditos gostosos, fazendo assim risos aos convidados. Morreu ha poucos annos deixando muitas saudades e lembranças. AZEREDO PINTO E' um dos chorões da pontinha. Os seus dedos em um teclado, é como a electricidade. Para este chorão, não ha difficuldades na musica, pois toca tudo o que apparece, com o maior sentimento, e bom gosto e facilidade. Feliz daquelle como o escriptor que privou com este chorão pois fica logo encantado com a sua fina educação, e cavalheirismo. Azeredo costuma dar em sua vivenda nos suburbios onde mora bellas sumptuosas festas, e alli todos são tratados por elle, e sua Exma. Familia de uma maneira impossivel de descrever-se, tal o tratamento com que todos são recebidos, em sua casa. Aqui peço desculpa a este chorão em trazer seu nome, pois conheço a sua modestia. – 53 – CHICO PORTO OU RUANO Nas ruas desta Capital não havia quem não o conhecesse. [042] No Largo de S. Francisco onde fazia sua parada, esperando um circumstante para chamal-o para tocar, o que elle ficava satisfeito, pois sabia que naquella noite elle iria entrar nos bellos pirões. Chico Porto, não se encommodava de não ganhar nada o que elle queria era bôa meza, e bastante bebidas, pois era um copo seguro. Não era lá destes grandes musicos, pois tocava pouco, e de ouvido, porém, como em seus tempos os bons tocadores eram poucos, Porto, sabia fazer afita, satisfazendo a todos convidados, reptindo sempre a mesma musica e assim ia ganhando fama como grande pianista. Porto já no fim de sua vida tinha deixado de tocar com o apparecimento desta mocidade, cheia de vida, tocando admiravelmente, ficando bastante triste, e retirando-se do chôro. Morreu de Grippe Hespanhola, deixando muita saudades como bom amigo que era. CHIQUINHA GONZAGA Maestrina e compositora. Chiquinha Gonzaga, foi uma das primeiras pianistas em todo o Brasil, conhecia o piano por dentro e por fóra. Era de um gosto extraordinario como nenhum ainda appareceu. Chiquinha, era de uma educação finissima, de um tratamento sublime, na sua casa, recebia todos com o maior carinho, sempre risonha e satisfeita. Quando pedia-se para tocar um chôro, não se fazia de rogada, abria o piano e, com os seus dedos habeis e admirados principiava com um chôro – 54 – composto por ella pois são innumeros, e fazia a delicia dos que a escutavam. Tocava tambem o classico, tinha grande predilecção pelas musicas de Carlos Gomes, que ella conhecia com grande proficiencia, tambem adorava as musicas de Verdi, Puccini, Leoncavallo, Paganini e muitos outros grandes musicos. Infelizmente falleceu a pouco tempo deixando grandes saudades aos que a conheciam. Neste livro que só a força de grande vontade pude escrever deixo os meus sentidos pezames e immorredouras saudades, á distincta familia Neves Gonzaga. ARTISTAS DE RADIOS Quanto aos artistas do Radio deixo de mencionar seus nomes pois todos elles pode-se dizer, todos os conhecem os seus feitos que são artistas de hoje, e gloriosos, através deste apparelho que é a admiração do mun- [043] do inteiro. Todos conhecem bem, o quanto merecem não só pelas suas encantadoras vozes, como tambem pelos instrumentos que os acompanham pois que são de uma sublimada impossivel de descrever-se. Não são só os que tocam no Radio daqui, tambem os do grandioso Estado Bandeirante, em que os artistas são sublimissimos não só com as suas suaves vozes como tambem o acompanhamento destes distinctos chorões daquelle hospitaleiro Estado. Aqui dou os meus applausos a todos os cantores dos Radios Brasileiros como tambem o seu conjuncto de musicos que fazem a gloria do Radio, e tambem de seus ouvintes. ERNESTO NAZARETH – 55 – Ernesto Nazareth, espirito superior aprimorada educação, musico de primeira agua, foi brilhante sem jaça, que bem poucos o iguariam no seu saber. As harmonias feitas por elle eram um hymno do céo. Tocou em grandes e nobres salões, onde sabia portar-se como gentleman dotados de familia, onde tocasse fazia logo camaradagem, ficando logo intimo, como se fosse de um conhecimento longo. Tocou em muitas festas, em que tambem se achavam os grandes chorões como elle, que tambem fizeram seus explendores nos bailes desta capital como sejam: J. Christo, Costinha, Chiquinha Gonzaga, já por nós descriptos, Paulino do Sacramento, e todos os outros que não me vem á mente, pois foram em grandes quantidades destes chorões da velha guarda, que infelizmente já não existem. LE'O VIANNA Quem é que não conhece o bom Léo, o distincto amigo que a todos sabe agradar, sempre com os sorriso nos labios ? Léo é filho tambem do grande flautista Alfredo Vianna, já por mim descripto aqui nestas paginas e irmão de Pixinguinha. E' chorão de fama brasileira. Tocou flauta como gente grande, as melodias feitas com a sua flauta encantavam todos que o ouviam. Deixando depois a flauta, dedicou-se ao violão tornandose um batuta não respeitando os seus congeneres. Cavaquinho na sua mão é sôpa, não só acompanha, como sóla as musicas antigas, e modernas admiravelmente. [044] O chôro que ás vezes dá em sua casa, é de arrepiar de tão bom que é. – 56 – O tratamento dado por Léo aos seus convivas, é de ficar captivo. A sua excelentissima esposa é um anjo de bondade e trato, fazendo escravo a todos que com ella privam. Léo, não só é musico de grande prestigio, conhecedor a fundo dos instrumentos que toca, o que sinto com a minha pobreza de intelligencia não possa levar Léo ao seu logar que merece como discipulo de Santa Cecilia a deusa da musica. LUIZ CAXEIRINHO Chorão no pandeiro, morreu e residiu muitos annos na Estação de Piedade. Os "pagodes" em casa de Caxeirinho, tinham brados d'armas ! e tambem em casa de seu vizinho mamede, este já fallecido. Deixar de proclamar que foi este chorão nos seus bellos tempos, era commetter uma grande ingratidão, pois elle, era um chorão naquelle tempo que formava na vanguarda dos foliões. A casa repercutia no meio de todas as celebridades musicaes do passado, pois não havia um só musicista de valor que não rendesse homenagens a este grande astro que ainda hoje resplandece no cerebro daquelles que vivem, recordações cheias de saudades, de horas felizes e cheias de harmonia, pelas notas vibradas pelo pandeiro de Caxeirinho, em seus conjunctos. Já falleceu. BINIGNO LUSTRADO Eximio tocador de violão, conheci-o a cincoenta e tantos annnos, quando elle era companheiro de Voltaire e acompanhadores do grande Callado o maior flauta daquelle tempo. Benigno ainda vive, e toca o seu violão, trabalhando no seu officio de lustrador. Este grande chorão, é digno de todas as homenagens, e – 57 – porque nestas linhas patenteio as suas excellentes qualidades, e o amôr e devotamento que sempre teve e ainda tem pelos seus companheiros de chôro e do seu instrumento, o violão. GILBERTO BOMBARDINO Era chorão de facto, conhecia bem musica, mas se fosse convidado para acompanhar um chôro de ouvido, não dava nada. Era muito pilherico e engraçado. [045] Nos pagodes, onde ia tocar, desde que houvesse parte para ler, com toda a musica sem pestanejar, e ás vezes fazendo até floreados nos intervallos da mesma. Gilberto – em pagodes comia bem, e tambem bebia regular. Gilberto gostava muito que os pagodes em que tocasse fosse até de manhã, pois gostava muito de um chocolate com biscoitos ou pão de ló. Gilberto não precisava se pagar, bastava que tivesse bôa e farta mesa acompanhada com bôas bebidas. Assim findou-se este heróe de gastronomia. Foi morador muitos annos na Tijuca, onde tocava em uma Sociedade Dansante Musical, que existia em uma casa na Estrada Velha da Tijuca, quasi ao chegar á caixa velha. Pela sua bondade e camaradagem, a sua morte deixou muitas saudades a todos que tiveram a felicidade de conhecel-o. SABINO MALAQUIAS DE SIQUEIRA (O BINOCA) Conheci-o muito e com elle privei não só na intimidade, como nos chôros, em que elle era um inveterado. A pessôa de que falamos, era um violão sublime. As cordas nos seus dedos faziam pulsar corações de – 58 – tanta graçã, e as bellas melodias que nelle, parecia que vinha do berço. Cantava bellas modinhas. Uma que eu me lembro era de uma beleza impossivel de descrever-se. E vou tentar lembrar de um dos primeiros versos que é: Meu peito é um jardim Teu coração canteiro Meus olhos regas flôres Eu mesmo sou jardineiro. E esta modinha que elle cantava com muito sentimento, e todos o applaudiam, ás vezes fazia repetir. Binoca, foi carteiro do Correio, foi de uma felicidade medonha, pois aprendendo a tocar trombone tornou-se um musico de primeira agua. O chorão de que falo, com sua inteligencia, aprendeu musica, foi um bellissimo companheiro, sempre prompto, a servir aos seus amigos emprestando nas festas muito brilhantismo com seu instrumento. Já falleceu, e quando se trata de seu nome é sempre com saudades. Na physionomia daquelles que com elle privavam, o nome de Binoca, é escripto com letras de ouro, como chorão de tempera. [046] OLAVO PINHEIRO Trabalha a muitos annos na Portaria da Alfandega, amigo e compadre do grande chorão Luiz Brandão. Nasceu na Engenhoca, pequeno lugarejo de Nictheroy. O seu pae era um distincto advogado, que dava em sua casa chôros agradabilissimos. Indo daqui da Capital, o competente chôro, que eram: Henriquinho, de flautim; Lica, de bombardão; Galdino, de cavaquinho; Feslisberto, de flauta; Espindola, – 59 – e muitos outros e também o chorão Olavo do que tratamos. Este que é um amigo dedicado e sincero, e que sabe acatar, com sua bôa palestra e sympathia, por conhecer, de perto toda a gyria dos chorões. Muito eu quizera dizer, relativamente a esse personagem, porém, tenho que me limitar, attendendo a muitos outros, de que tenho dever de mencionar aqui neste livro. Assim direi: recebe Olavo, nessas toscas linhas, a admiração que a ti devoto. LEONARDO DE MENEZES Era natural da Bahia. Inveterado chorão, conheci-o no Correio e frequentei muito a sua casa, que era na rua da Providencia n. 26, onde se reunia, uma vez por semana Carramona, de pistão; Lica, de bombardão; Salgado, de ophiclide, e muitos violões e cavaquinhos, que faziam a alegria daquella rua. O sempre chorado Leonardo, tinha voz de soprano, e era autoridade nas modinhas bahianas. Era bom collega, e amigo sincero, ainda hoje tenho saudades da peixada que o Leonardo fazia com todo o rigor da Bahia. Aqui pranteio a sua morte. PIMENTA DA ALFANDEGA Veterano de Jacarépaguá, companheiro de Coelho Grey e de outros de sua tempera, com o seu mavioso bombardão. Ultimamente é aposentado da Alfandega, onde prestou relevantes serviços, razão porque, ainda hoje, é consideradissimo pelos seus collegas e superiores hierarchicos. PEDRO ITABORAHY Este distincto chorão, é – 60 – carteiro de 3.ª classe dos Correios e Telegraphos. Quem quizer sentir o palpitar de coração, é ouvir o heróe [047] acima dedilhar o violão. Fazer elogio de Pedro Itaborahy, quasi um impossivel, tal a sua maestria neste instrumento. Os dedos do chorão acima nas cordas do violão, é de uma velocidade, só mesmo vendo. O acompanhamento feito por Itaborahy, não admira, encanta, tal a maneira que elle dedilha o seu violão. Conheço-o muito, e sei o que vale, e elle sabe o quanto o admiro pela sua finissima educação. Não me admira tanto o seu acompanhamento, como invejo a sua proficiencia no solo de que toca com grandes dificuldades. Nos chôros dos bailes, como sejam casamentos, baptizados e mais, Itaborahy, faz admirar a todos, pelo seu fino tratamento. ARTHEMIO Foi uma garganta de ouro. Tinha uma voz maviosa que encantava a qualquer ouvinte. Eu que muito o acompanhei, com meu violão posso dizer de cadeira, o que elle valia, nas suas maviosas modinhas, e lundús, samba, jongo, macumba, que elle conhecia bem. Acompanhar certas modinhas do heróe acima, era preciso treino, pois fóra disto ninguem andava. Era atirado e valente, mas de muito bom trato para seus amigos. Morreu assassinado em uma das ruas desta Capital a alguns annos. JOÃO VALERIANO Feliz daquelles que o conheceram. Valeriano foi um grande ophiclidista. Conhecia musica admiravelmente. Em chôros em que – 61 – acompanhava os grandes flautas, era de admirar, tal agilidade de sôpro e bom gosto que elle tinha na musica. Era muito procurado, não tendo quasi tempo para o descanso. Valeriano, não era só musico para acompanhar, como tambem era um solante de alto valor e saber. Infelizmente hoje já tambem dorme o somno eterno. PAULINO Era Guarda Municipal, oriundo de uma distincta familia. O heróe acima era um chorão de facto. Esquecia de tudo neste mundo quando estava num chôro molle. Agarrava-se ao violão que nunca mais deixava, tal era o seu gosto pelo chôro. Paulino, fazia sempre parte nos chôros com o grande flauta que foi [048] o immenso Quintiliano. Tocava tambem com Paulino, o grande trombonista Bellot, e Ernesto Magalhães, grande violão, e outros, que não me vem á memoria. Era elle um dedicado amigo. Privei muito com este chorão, e até mesmo no seio de sua muito nobre familia, que muito o estimava pelo seu porte, como chefe exemplar, que sempre foi. LUPERCIO MIRANDA E' admiravel o ouvir-se pelo Radio, as suas dedilhações naquelle pequeno por elle, com maestria manejado. Julgo, e quasi sou capaz de apostar que no Brasil inteiro não terá outro igual. Não quero dizer com isto, que não exista quem toque, mas, como Lupercio, não acredito que possa existir ! Lupercio, é como um Cometa que passa de mil em mil annos. Nelle é um dom que trouxe – 62 – de seu ser, ninguem pode igualal-o naquelle pequenino instrumento. No Radio onde o escuto, fico absorto ao ouvil-o, digo para mim, será possivel, haver um genio igual ? Tambem fui chorão, e sei dar o valor aos grandes maestros, como é Lupercio. Daqui destas toscas linhas, acceite Lupercio, um effusivo abraço, e os meus sinceros parabens, por este geio que tu és, e que as gerações vindouras talvez não traga outro. LEAL CARECA Era sapateiro, morava na rua Estacio de Sá, quasi ao chegar ao Largo do mesmo nome. Trabalhava muito em confeccionar botas para montaria, que naquelle tempo era o luxo. Foi chorão como poucos. O seu instrumento era o sempre lembrado ophicleide, que elle manejava com maestria. Leal era amigo e companheiro de Callado, Viriato, Silveira, Luizinho, com quem sempre tocava. Era um musico de respeito, pois acompanhava os flautistas acima com gosto e alma. Conheci-o pessoalmente e apesar de muito criança, apreciei muitas vezes tocar em bailes que se davam constantemente em uma casa alli no Estacio, que era conhecida com o nome de Gelo, por ser fabricado alli este refrigerante, que era de um francez, chamado Bailly, que hoje julgo já não existir mais. Leal Caréca, era um distincto amigo, que encantava a todos que o conheciam. [049] Era um genio nos chôros, pois tinha prazer em supplantar a todos os componentes da musica. Tambem já não existe, só deixando recordações e saudades. – 63 – Paz á sua alma. JOSINO FACÃO Tocava pessimamente o ophicleide, e de ouvido. Os flautas não gostavam de tocar com Josino, pois além de não conhecer musica, era grande trapalhão, pois tocava fóra do tom, sem rythmo, em fim um inferno para todos os conjunctos em bailes, festas e mais. Josino, muito padeceu na mão dos musicos quando descansava seu ophicleide enzinhavrado, amassado em diversas partes, todo amarrado de elastico, pois era costume do heróe virar a campana para cima, e alguns musicos por pilheria, botavam dentro do instrumento, feijão cru', pedaços de ossos dos assados, areia, etc. De maneira quando o flauta dava o sinal, Josino pegava o instrumento sem reparar, e botava a bocca. Oh ! decepção!... O instrumento não dava uma só nota ! O que Josino muito encabulado dizia ao flauta, páre ! páre ! Mas o flauta que já sabia da brincadeira continuava, deixando-o bem atrapalhado ! Josino, soprando daqui, e d'acola, e nada, nem uma nota, então ao muito repara, dava com o defeito, e ficava num desespero horrivel, desafiando os companheiros para brigar, detratando-os emfim, ficava uma féra, jurando que na primeira opportunidade mataria, esfolaria um, emfim fazia o diabo, emquanto os componentes da musica ficavam dado grossas gargalhadas. Então, Josino, botava o instrumento nas costas, e arribava do "pagode" onde todos davam graças a Deus, por ficar livre daquelle "Maestro" !... Josino, muito soffreu com estas brincadeiras. Josino, foi carteiro dos Correios onde trabalhou muitos annos tendo sido exonerado – 64 – creio por abandono de emprego, pois quando mettia-se no chôro esquecia do emprego, da familia e tudo, e assim findou-se um heróe. ALFREDO LEITE Alfredo Leite, que era muito conhecido pelo appellido de Timbó, infelizmente como o heróe acima já é fallecido. [050] A BELLA VIVENDA DE MANOEL VIANNA Fui convidado pelo grande Professor Cupertino, para assistir um conjuncto de chorões lá para as bandas de Agua Santa. Tomando um trem de suburbios, saltei no Engenho de Dentro, onde esperei um omnibus para aquellas bandas. Depois de muito esperar, emfim, chegou o tal omnibus, onde me foi impossivel embarcar, tal o assalto da grande população que alli tambem esperava. Emfim, pacientemente esperei outro, porque no primeiro fui completamente barrado, pisado, e com a roupa toda amassada. Na chegada do segundo, tomei coragem, e consegui entrar, não sem grande custo. E lá fui no tal vehiculo que cahe daqui, cahe para acolá, lá cheguei com os orgãos internos todos soltos de seu competente lugar. Já um pouco distante, já eu ouvia o mavioso som da maravilhosa flauta do Professor Cupertino. Em passos cadenciados, cheguei á casa, que era um verdadeiro Paraizo, onde habitaram nossos primeiros paes. Ao chegar á porteira da casa, visto por Vianna e Cupertino, foi um delyrio ! Vianna todo sorridente veio me receber á porteira dando-me um abraço que ainda sinto o seu contacto. Cupertino recebeu-me sorridente e agradecendo o meu – 65 – comparecimento ao seu convite. Estavam todos tocando em um bello terraço que tem a sua casa. Sentando-me em uma das cadeiras depois de ter cumprimentado a todos, agarrei de unhas e dentes um mavioso violão, que pousava em cima de uma cadeira, e assim fui fazendo um Mi menor com seus acordes, agradando a todos os componentes do conjuncto. Faltava alli um cavaquinho, e tocando eu tambem este instrumento, Vianna trouxe-me um e entregou-me, eu então afinando- o comecei manhosamente a dedilhar contentando mais ou menos a todos. - Então Cupertino disse: Vamos a um chôro ? e collocando a sua maviosa flauta aos labios tocou uma bellissima Polka de Callado, que eu felizmente, apesar dos annos passados, ainda me lembrava. Pois todos os chorões sabem que o cavaquinho é um instrumento que nestes chôros é de uma necessidades de grande valor. [051] E então o Professor Cupertino, desfiou o rosario, tocando Callado, Viriato, Silveira, Luizinho e outros grandes flautas antigos e modernos, que era uma delicia. Lá se encontrava tambem, um grande chorão de violão, que era o Heitor Ribeiro, alto funccionario dos Correios e Telegraphos, agarrado a um maravilhoso violão, tocando com todos os seus accordes, o que me fez ficar babado pelo gosto que sentia. Heitor, é sublime no violão, toca com graça e arte, de fazer admirar, não só acompanha como sola com uma maestria digna de se apreciar. O chorão acima é de uma educação finissima de um trato sem igual. Lá tambem se achava a sua mais que distincta esposa, e a – 66 – sua gentil e encantadora filhinha, como seu pae, de uma educação aprimorada, como tambem a sua mãe. Fazia o centro do conjuncto o Nadinho, chorão no bandolim, de uma agilidade nos seus dedos, impossivel de poder descrever nestas toscas linhas. Nadinho, não só acompanha, como tambem sola admiravelmente, fazendo no seu bandolim, segredos de encantar. Ernesto Cardoso, tambem atracado no seu choroso bandolim sabia fazer a graça naquelle instrumento, me deixando embasbacado não só pela graça de seu acompanhamento, como tambem do seu solo. E assim fiquei familiarizado com todos estes chorões, especializando Vianna, que é um velho amigo de quarenta annos. Vianna é um violão inveterado, toca este instrumento como gente grande, o seu acompanhamento é de uma belleza admiravel, os seus solos facil, e difficultosos, faz a gente esquecer Patria, familia, e tudo mais que Deus, creou no mundo. O tratamento dado por Vianna na sua bella vivenda, não se pode descrever, só mesmo quem assistir, é que póde dar o valor de sua finissima educação, e tambem da sua exma. esposa, e sua distincta filha. Aqui fica a verdade de tudo, e meus agradecimentos a todos os componentes deste bello conjuncto de harmonias. AARÃO Foi chorão de verdade, violão que foi, de uma maviosidade sem nome. O violão na mão deste heróe era de admirar, pois dedilhava com gosto e alma. [052] O seu acompanhamento era mesmo de endoidecer. Solava como poucos, valsas, chotes, mazurkas, para elle era – 67 – sôpa, tal a sua agilidade nos seus dedos. Conheci ainda moço, e muito tocamos em todo o suburbio, onde elle era conhecido, e estimado. Ha muito que não o vejo, julgando tambem já fallecido. AOS LEITORES As reminiscencias, que venho descrevendo relativamente ás personagens, dos antigos batutas dos chôros da velha guarda, os que commungam com os meus sentimentos de apaixonado veterano, e saudoso folião, dos dias que passaram, e não voltam mais, encontrarão erros absurdos nas minhas narrativas, mas o velho Alexandre, não escreveu para ser criticado e sim para relembrar tudo que passou, e que em nossos corações de velhos, ainda vivem !... Leitores perdôem todos os erros, mas façam justiça a este folião, que Deus, conservou para rabiscar estas linhas de recordações e saudades. O VELHO BILHAR O inesquecivel Satyro Bilhar, foi um astro que só apparece de seculo a seculo, que neste planeta foi o pharol, que illuminou a bohemia entre os grandes bohemios onde elle se destacava como um sol que brilha e rebrilha supplantando as tristezas, revivendo as alegrias. O seu desapparecimento deixou um grande vacuo, entre os chorões da velha guarda difficil de ser preenchido tal era a sua verve; a sua intellectualidade, e a sua palavra facil de trocadilhos repentinos e inspirados pela bondade do seu grande coração. Quem não conheceu o Velho Bilhar, amigo inseparavel de Paula Ney ? chefe telegraphista da E. F. C. B. aposentando-se com quarenta annos de serviços sem ter nunca perdido um dia o Bilhar, além de ser um pouco gago sabia dizer com graça, era – 68 – myope de verdade, o Bilhar, era um chorão que tinha primazia entre outros chorões nos accordes, nas harmonias, no mecanismo da dedilhação com que manejava agradavelmente o seu violão. Quando um flauta tocava um chôro elle dizia: "Virgem Maria isso p'ra mim é agua com assucar". O Bilhar tambem conhecia as musicas classicas, e tinha producções suas, como os arpejos d'arpa e Melodias, as [053] posições com que o Bilhar tirava os seus accordes eram tão difficeis que só elle sabia fazer, razão porque apesar de sua grande bohemia, Bilhar, era um chorão conquistado pelos seus amigos e por suas familias. Parece-me estar ouvindo ainda elle dizer: "Tu és uma estrella de primeira grandeza"! (tá doido Ave Maria) o que palpita lá palpita cá; minha familia é minha vida inteira ! e viva São João p'ro anno, tá errado com o velho Bilhar, gosto de ti porque gosto porque meu gosto é gostar, no rio o caudal da vida que tem por margem a descrença, as ondas são anjos que dormem no mar, porque vejo em teus olhos um luzeiro que me guia, eram estes os dictados e as modinhas do repertorio de 40 annos do velho Bilhar, com o seu tradicional pince-nez, pois os grandes chorões ainda não conseguiram imital-o e reconhecem que Bilhar, foi o rei dos accordes. Quando elle acompanhava um chôro, e que tinha uma passagem que lhe agradava elle pedia ao cantante: repete por favor, era um encanto vel-o solar a sua tradicional polka "Tira Poeira", no piano tambem era um chorão, afinal, o velho Bilhar, era uma casa cheia, onde elle estava, as moças o rodeavam, presas pelo seu fino espirito de graças attractivas – 69 – imperadas pelo respeito e delicado trato de que era possuidor. Bilhar foi um chorão que deixou saudades ao pessoal da velha guarda e aos chorões modernos. MANDUCA DE CATUMBY Manduca de Catumby era um chorão celebre de gloriosa tradição, typo idoso, de côr parda, de alta estatura e usava a cabelleira partida ao meio e a tradicional sobre-casaca, trabalhava numa litographia na rua da Assembléa, trazia nos dedos uns aneis de latão com pedras de vidro, e quando dedilhava o violão que era o seu instrumento chamava a attenção dos assistentes pelo brilho das pedras falsas focalizadas pelo reflexo da luz do lampeão. Manduca de Catumby, era um chorão solista e bom acompanhador que pouco se utilizava dos bordões, porém, fazia proezas nas cordas de tripas, sendo por esta razão respeitado e admirado por outros chorões, em bora não tendo elegancia, pois tocava com a cabeça cahida sobre o instrumento, sabia tirar partido nos chô- [054] ros que executava, ainda possuia uma outra especialidade: tocava com gosto e não se tornava rogado aos pedidos que lhe eram solicitados, era calmo, concentrado, modesto, e de expressões delicadas e muito considerado pelo modo, porque se sabia conduzir entre outros chorões, de seu tempo, eis porque digo que Manduca de Catumby, fez a sua época no tempo que os violões não estavam valorizados como hoje se acham. Aqui, nestas linhas, fica descripto o perfil pouco mais ou menos de um chorão da velha guarda. – 70 – GALDINO CAVAQUINHO Mestre dos mestres, que se celebrizou com o seu aprendiz Mario, cujo discipulo venceu naquelle época todas difficuldades do instrumento transformando, a sua tonalidade de quatro cordas para cinco, emquanto isso Galdino, continuava com o seu cavaquinho de quatro cordas tirando infinidades de tons e combinações de acordes que me é aqui difficil de descrever, tal é a magia, e a convicção das notas vibradas pela palheta encantada de Galdino, este grande artista, inegualaval no meio dos chorões, aonde elle foi o unico educador deste instrumento que se chama cavaquinho. JOÃO DA HARMONICA João da Harmonica era de côr preta, conheci-o em 1880 morando á rua de Sant'Anna nos fundos de uma rinha de gallos de briga. Exercia a arte colinaria bom chefe de familia e excelente amigo e grande artista musical, conhecido chorão pela facilidade com que executava as musicas daquelle tempo em sua harmonica, só aquelles que privaram com elle poderão dizer o valor de sua capacidade no manejo deste difficil instrumento, pois acompanhava musicos de nomeada que quando viam elle entrar com sua harmonica ligavam pouca importancia para depois ficarem extasiados e deslumbrados pelos accordes feitos pelo criolo, que com uma ponta de cigarro no canto da bocca tornando-se indefferente aos applausos feitos por estes maestros chorões, continuava victoriosamente o curso proficiente de um artista de valor, por esta razão o seu nome é sempre citado em todas as reuniões dos chorões antigos. Era também grande tocador de violão, compositor de diversas musicas, e que atenho – 71 – no meu archivo algumas dellas. [055] LICA Lica, era typographo, morava na rua Sá, em Piedade, foi um grande bohemio e um grande chorão, bombardão falado e conquistado, fazia gosto vel-o tocar, por esta razão era deveras apreciado pelos amantes dos "chôros" pela sua sympathia, conhecia o seu instrumento de mais, por este motivo executava com muita cadencia, conhecedor de seu mecanismo, dava sempre preferencia em acompanhar flauta, cavaquinho e violão, sendo pelos mesmos acclamado tal era a macieza de seu sôpro e suavidade das notas melodiosas de seu bombardão, houve um tempo em que elle se dedicou á flauta e com este instrumento fez prodigios no meio dos chorões, depois Lica, foi fazer parte da banda de musica do Corpo de Bombeiros debaixo da batuta do prestigioso e inesquecivel maestro Anacleto de medeiros, de quem se tornou um fervoroso amigo. Lica, tinha verdadeiro amor e devotamento á arte musical, nos chôros onde elle fazia parte e dispunha de liberdade, pedia a palavra em louvor sempre de Santa Cecilia, tal era o seu enthusiasmo, tambem tinha muita habilidade nas representações de scenas comicas. Ninguem como o Lica, fazia um anão nos intervallos dos chôros pondo um cesto na cabeça coberto com um panno branco, fazendo uma carranca na barriga, entrava nos salões arrancando applausos da assistencia. Elle ia longe a procura de seus companheiros de "chôro" com um bombardão velho e enzinhavrado cumprindo assim a sua palavra, a chegada de Lica, nos "chôros" á ultima hora tinha radiante recepção, pela anciedade de sua presença, – 72 – Lica, foi um "chorão"inveterado que deixou saudades aos chorões da velha guarda. Tal a macieza de seu sôpro, como contra baixo de cordas. Acompanhando muitas vezes com o seu velho bombardão até modinhas, fazendo nas suas notas um violão. JOSÉ CAVAQUINHO José Rabello da Silva, conhecido na roda dos chorões por (José Cavaquinho) por ter sido o cavaquinho o instrumento de sua iniciativa no circuito da velha guarda, José, nasceu em Guaratinguetá E. de São Paulo, veio para o Rio ainda muito jovem, sempre foi e ainda é muito operoso, conservando uma li- [056] nha irreprehensivel, estimado pela sua sympathia communicativa e attenciosa, propriedade esta que muito se une aos seus dotes de artista e excellente professor que é, autor de diversos methodos de violão, e cavaquinho pae, da menina Ivone, executora de musicas classicas ao violão, applaudida por artistas scientificos que não regateiam seus applausos dispensados a sua filha e discipula. Elle se sente ufano pelo progresso da mesma. José Cavaquinho, é um violonista de folego e escrupuloso em tudo que se prende ao violão, por esta razão ainda não adoptou as cordas de aço conservando as de tripas como uma tradição. José, tambem é um flauta de nomeada e já teve a sua grande época tocando nos cinemas mais frequentados do Rio, elle foi um dos fundadores do Ameno Resedá, como seu director de harmonia, muito cooperou para o seu titulo de Rancho Escola, ao lado de Antenor de Oliveira e Napoleão, director de canto, e – 73 – outros elementos levaram este rancho ao apogeu que teve até a gloria de entrar no palacio do presidente da Republica ! O autor deste livro e toda gente sabe que José Cavaquinho, é o senhor do segredo das harmonias dos cantos carnavalescos que tanto deliciou o povo carioca, o campeão de harmonia Ameno Resedá. Tambem é autor de diversas musicas como sejam: Miragem, valsa; Ypiranga Tango Guanabara, etc. Actualmente é funcionario do M. da Agricultura, e os tempos que lhe sobram da repartição lecciona violão, tendo preparado muitos bons violonistas, pois é elle um grande educador do violão. CATULLO DA PAIXÃO CEARENSE Catullo é o sol que ainda com os seus fulgurantes raios dá vida á modinha brasileira ! pois foi e continúa a ser o trovador acclamado em todo o Brasil, e até no estrangeiro, poeta verdadeiro, uma quadra de Catullo, é um poema, as suas letras musicadas fizeram época, e ainda os cantores modernos adoram as suas canções e todas as vezes que cantam as modinhas do grande mestre, são muito festejados pois fazem nascer nos corações do pessoal da "corôa" as saudades dos tempos passados que não voltam mais, porque tudo que é muito nosso [057] vae desapparecendo pois com o "progresso" não existem mais as musicas melodiosas que arrancavam do grande cerebro do poeta as canções de amôr, e de tristeza que em tempos que já se foram das grandes serenatas nas lindas noites de luar, despertavam quarteirões inteiros para apreciarem os cantores daquella época, que eram – 74 – dotados de voz linda e forte, e o "pinho" em suas mão pareciam ter magia, tal eram as melodias dos accordes que elles arrancavam nos acompanhamentos de suas modinhas. Hoje só imperam as musicas estrangeiras barulhentas e irritantes ou então os sambas e marchas que tem glorificado alguns cantores modernos, emquanto isso Catullo, tem mesmo saudades dos antigos trovadores que interpretavam as suas producções com tanta alma, tanto assim que há muito não apparece uma nova canção de Catullo, o maior trovador esta glorificado e ultimamente tem se dedicado a outro genero escrevendo poemas sertanejos que são uma verdadeira joia da poesia brasileira. Como todo mundo sabe Catullo, remodelou todas as modinhas de autores antigos corrigindo-as dos erros grammaticaes fazendo uma verdadeira recapitulação dando novas feições ás mesmas. Escreveu diversas peças theatraes como seja: "O Marrureiro". Conviveu com os maiores chorões daquelle tempo, como sejam: Anacleto de Medeiros, Souza Pistão, Irineu Batina, Pernambuco, Patricio, Lica, Carramona, Quincas Laranjeira, Néco, Irineu Pianinho, João dos Santos, Mario Cavaquinho, Macario, João Salgado e muitos outros que lhe inspiraram com as suas musicas as letras para as seguintes modinhas: Talento e Formosura, Luar do Sertão, O que amenidade, Vae o meu amôr ao Campo Santo, Martha meu amôr, Não vel-a mais. Catullo e Bilhar era uma dupla respeitada pelos chorões da velha guarda, havia entre ambos uma grande amizade por conseguinte em todo chôro que estava Catullo, estava o Bilhar, o autor destas linhas commungou muitas vezes com Catullo, Bilhar e José Martins, em casa do Ripper de gloriosa memoria, – 75 – o inesgotavel em seus discursos, para se fazer a biographia de Catullo, seriam precioso todas as paginas deste li- [058] vro, começando quando elle, foi mestre de escola e usava sobrecasaca. Catullo, hoje é o Ghandi da modinha brasileira e dos poemas sertanejos. QUINCAS LARANJEIRA Quincas Laranjeira, era bom amigo, eximio violonista, grande artista, modesto e attencioso, de maneiras esplendorosas, por isso tinha em cada collega do chôro um verdadeiro admirador de suas excellentes qualidades. Como funccionario Municipal, era fiel cumpridor de seus deveres, na qualidade de porteiro de hygiene, attendia o publico com presteza e a delicadeza que lhe era peculiar. Aposentou-se no posto de escripturario, era primus interpari no circulo dos grandes chorões de violão, como executor e professor era valorizado, que digam os seus innumeros discipulos que tanto o consideravam pela maneira affavel que dispensava aos seus alumnos, elle, deixou muitas producções. Quincas Larenjeira, sempre teve a sua época e finalmente desappareceu do meio de seus amigos e dos chorões da velha guarda, sem que a nossa imprensa lhe prestasse as honras que merecia, partindo com elle todas as suas illusões de um artista que elevou o seu nome e de seu instrumento o violão, que teve nelle um pedestal de glorias. Quincas foi o continuador de Catullo, nos salões aristocraticos do violão, elevando-o até ao Conservatorio de Musica para depois ser conquistado pela nata social, onde o violão tem primazia manejados por – 76 – tocadores do quilate de Quincas Laranjeira. JOÃO DOS SANTOS João dos Santos pertencia á banda de operarios do Arsenal de Guerra dirigida pelo Boco professor de nomeada que com a sua requinta tirou distincção no meio dos chorões. João dos Santos era nortista, de rosto largo, com signaes de bexigas, baixo, tinha uma perna mais curta do que a outra e um pouco arcadas. Tinha um dos dedos polegar cortado ao meio, não tinha boa pronuncia por isso tornava-se engraçado quando chamava os amigos de "cumpade", "Gardino", "'nós mêmo" e outras phrases identicas. João dos Santos, era um dos clarinetistas mais chorões d'a- [059] quella época onde os bons musicos eram disputados pelos seus valores de bons executores onde este tinha a primazia entre os seus collegas, pois o seu clarinette tinha magestade da melodia da harmonia dos queixumes soluçantes que extasiavam todos os auditoriso e dos chorões musicistas que não lhes negavam os seus applausos. O protagonista desta descripção privou com elle muitas vezes em chôros e ficavamos para o enterro dos ossos como se chamava naquelle tempo a continuação do chôro e das festas, ahi é que se podia apreciar o inesquecivel João dos Santos melodiar em sua clarineta magica enchendo de alegria os seus acompanhadores e assistentes. Elle também dava, em sua residencia no Becco da Batalha n. 3, muitos bons chôros onde reunia-se a flôr dos chorões. Parece-me estar vendo e ouvindo os gemidos da sua clarineta acompanhada por – 77 – violões, cavaquinhos e outros instrumentos que faziam um mundo de harmonia. E assim, na intimidade João dos Santos, em mangas de camisa, com uma toalha de feltro ao pescoço para enxugar o suor que lhes descia em borbotões, fazia tanta coisa com a sua clarinetta que esta, só faltava falar. João dos Santos, foi tambem um dos melhores elementos da orchestra do Ameno Resedá, campeão de harmonia entre os seus congeneres. Eis ahi, pouco mais ou menos quem foi o nosso sempre lembrado João dos Santos. Uma vez elle estava tocado em um chôro, e ás paginas tantas chegou um personagem procurando por um violinista de nome Néco, de quem era irmão, sendo elle, o chefe do chôro foi chamado para entender-se com o recem-chegado a quem com toda attenção mandou entrar fazendo apresentação ao dono da casa na forma do estylo. O apresentado chamava-se Esculapio, e cahiu logo no chôro dando uma grande vida á festa com as marcações de quadrilhas, discursos e afinal foi a alegria da festa, o Néco, não compareceu, e dahi ha dias João dos Santos, descrevia em notas vivas como tinha decorrido o chôro e assim se expressava: "Ah ! seu Néco, o teu irmão Chico Escalope" foi quem fez a festa que correu "as mi maraviás" mais adepois seu cumpadé, chegou um tá de "Carvacante", que escangalhou o pagode todo. [060] ANACLETO DE MEDEIROS Nasceu na ilha de Paquetá e morava na rua da Ajuda com o inesquecivel humorista Moreira da Imprensa Nacional, muito conhecido dos chorões daquelle tempo pela sua verve espiritual. Era o maestro que aproveitava as melodias dos passaros, dos – 78 – apitos das fabricas, das cornetas dos tripeiros, do badalar dos sinos, dos toques das buzinas, dos automoveis, do trinar dos apitos dos guardas-nocturnos, e de tudo que formasse uma nota bôa ou semitonada. Por elle eram todos esses rythmos aproveitados para as suas sublimes composições. Anacleto, foi um grande leccionador de musica, assim como um mestre de muitas bandas particulares deixando muitos discipulos que fizeram honra a seus dotes de professor eximio. Como mestre da Banda do Corpo de Bombeiros elle immortalizou-se, com a sua intelligencia e devotamento, trabalhou corrigindo, modellando e aperfeiçoando, todos os seus comandados com a magia de uma grande vara usada por elle nos ensaios a guisa de batuta que fazia obedecer os seus alumnos. Como maestro ensaiador transformou a Banda do Corpo de Bombeiros em um conjuncto de musicos professores que o respeitavam e o obedeciam, na maior rispidez de suas energias, pois Anacleto, era um director de musica caprichoso e violento. Porém, quando não tinha na mão a batuta era um cordeiro de mansidão. Era uma pomba sem fel e um sincero amigo dos seus subordinados. Privando com elles na maior intimidade no mesmo nivel de igualdade os acompanhando para o chôro onde sobresahia com um inegualavel executor no seu saxofone que era o seu instrumento predilecto. Os chôros organizados por Anacleto faziam falar os mudos e movimentava os paralyticos, desatinava a mocidade e trazia a juventude nos corações dos velhos. As competições musicaes de Anacleto são conquistadas e admiradas por todos os chorões, – 79 – composições estas que deixo de enumeral-as aqui por serem todas ellas conhecidas pelos chorões da velha guarda. UM CHORÃO APOSENTADO O sr. Amaral era um chefe de secção aposentdo da Conta- [061] bilidade de um de nossos Bancos, era exquisito, usava oculos pretos, fronte alva de entradas quasi chegando á calvicie, nariz adunco, de rosto descarnado, queixo redondo de onde sahia a guisa de espanador um cavagnac grisalho, não fazia as suas refeições sem tomar daquella agua que passarinho não bebe, era severo no regimen do mando, autoritario nas suas resoluções. Seu Amaral, era um tigre que fazia tremer de susto com a sua presença o continuo José Pavão, que era um cabra sarado e conhecido em todas as rodas do chôro, razão esta porque elle andava sempre tresnoitado, e quando empunhava o seu violão esquecia-se de todos os seus deveres, eis porque o sr. Amaral sempre o censurava. Ahi vae o reverso da medalha: o sr. Amaral, era em casa de familia um gallo capão governado pela sogra dona Catharina, que farejava a sua roupa e toda a sua papelada, dava-lhe vomitorios, fazia inqueritos constantes para descobrir suas maldades. A esposa do Amaral, dona Bernardina Ramos, era uma velhota de cincoenta e tantos annos, ciumenta de primeira marca, uma martyr soffredora do hysterismo pois dava meia duzia de ataques diarios, não respeitando os domingos nem os dias santificados, calculem pois o leitor, a inferneira que reinava no lar de seu Amaral. Em um dos dias do mez de fevereiro de 1890 a dona Catharina sogra de – 80 – seu Amaral, fez annos e deu um grande "pagode" aonde reuniram-se: Bilhar, Manduca de Catumby, Catullo, Juca Kallut, Néco, Luiz Brandão, Galdino, Cavaquinho, e tambem o José Pavão, ex-continuo de seu Amaral, todos estes personagens eram convidados de dona Catharina, que quando via um bom chôro perdia a cabeça expandindo apaixonadamente as suas alegrias, e foi no auge de uma polka saltitante cheia de passagens e remeleixos, maxixados da autoria de Callado, que entrou pela porta principal o seu Amaral, José Pavão, que acompanhava o chôro encostado a uma janella e a perna em cima de uma cadeira, quando avistou o seu ex-chefe pulou pela janella e cahiu em cima de uma mesa cheia de louças de porcelana reduzindo tudo em cacos !... o auditorio foi surprehendido suppondo que o José Pavão tivesse endoidecido. Dona Catharina, tambem sur- [062] presa pelo acontecimento pediu explicações ao José Pavão, que tremendo de medo escondia o rosto para não ser visto pelo Amaral, e explicou a matrona farrista o temor que lhe causava a presença de seu ex-chefe de repartição por ter sido elle um de seus maiores algozes durante os annos em que trabalhou sobre suas ordens no Banco ! D. Catharina, esqueceu-se do prejuizo da louça e deu uma formidavel gargalhada e dando o braço ao José Pavão, foi ao encontro de seu Amaral, fazendo uma apresentação de seu excontinuo, ordenando que daquella hora em diante respeitasse o sr. José Pavão, como pessôa grata de sua familia, neste momento Bilhar, pede a palavra, e em bello improviso enaltece as qualidades de José Pavão, reduzindo a expressões mais simples a – 81 – hyerarchia do sr. Amaral, debaixo dos applausos de dona Catharina sua sogra, e sua esposa don Bernardina Ramos e de todos que tomavam parte no pagode ! O sr. Amaral humilhado retirou-se e o chôro continuou dois dias !... O MALAGUTA Conheci como Director de Harmonia da Flôr do Abacate, ao lado do grande maestro Romeu Silva, e outros. E depois no Ameno Resedá, tambem, ao lado do grande Romeu. O nosso bom Malaguta foi depois director de um rancho que chegou ao apogeu lá pelos lados de Botafogo, com seu instrumento favorito que nesta época era o clarinete que manejava com grande mecanismo, e divino sôpro. Depois evoluiu de accôrdo com o progresso desta cidade maravilhosa. Hoje elle é um dos grandes executores do saxophone, regendo com maestria Jazz-Band e Tuna Mambembe. Recebeu pois Malaguta do autor deste livro os sinceros applausos. MINHA INFANCIA Ah, minha bella infancia ! onde passei nas brenhas do nosso interior das antigas Provincias do Rio de Janeiro, onde tenho a lembrança dos foliões que cantavam tirando para o Divino Espirito Santo, ainda recorda aos meus ouvidos o rhytmo da cadencia langorosa de suas canções. Em casa de meus paes onde tinham pouso para descanço das suas perigrinações os foliões da bandeira do Divino. Pombos, frangos e fitas adornavam o symbolo da divina ban- [063] – 82 – deira. Ahi vão umas quadrinhas compassadas e rufladas ao rataplan dos tambores, ao tilimtilim dos ferrinhos, entre arrufos de adufes de pandeiros e melodias da rabeca e da viola que gemia dolente sobre a prima e a terceira do tom que trazem aos nossos ouvidos as seguintes quadras: Veja que horas são estas Ainda estamos sem jantar E andamos todos os dias Cantando a peregrinar A visita consagrada Deus do céo que vos mandou Queira nos dar a pousada Jesus lhe paga a favor O Divino pede esmola Mas não é por precisão Só pede para conhecer Os devotos quem são Eu venho villa e villa Em comarca e povoado Trazer a luz do Divino Dando todos o bom agrado ANGELO PINTO Companheiro de saudosa memoria, fraco violão, garganta de ouro, de uma sublime suavidade, que diga aquelles, que como eu, tiveram a felicidade de andar com elle nos chôros. A sua voz encantava, nas modinhas ternas, que elle tinha em seu repertório inesquecível. Era um amigo dilecto do chôro deixando com a sua morte um grande claro entre os trovadores chorões daquelle tempo. Falleceu como carteiro aposentado. LILY S. PAULO Eximia violinista, e musicista, de grande valor. O violão nos dedos de Lily, não toca, chora e diz as maguas que sente. Ella é uma camarada sincera, canta como poucos, sua voz é de uma doçura impossível de descrever-se. Lily, nos – 83 – convites para o chôro não dá para traz, está sempre prompta. E' especialista nos accordes, (pudera não ser) ella, sendo uma companheira de chôro do sempre lembrado Bilhar, que era o rei dos accordes, muito com elle aprendeu, de maneira que, escuta Lily, logo diz alli está o Bilhar. Esta chorona ha muito que não vejo, não sabendo se reformou-se no chôro como quem escreve este livro. [064] AS NOSSAS FESTAS Vem de muito longe as coisas que nos interessam hoje comquanto tenham passado por immensidade de remodelações, ella ainda tem o cunho da antiguidade pois os factos demonstram prosperidade da rustica tradição que calam em nossa alma e em nossos corações as saudades de tudo aquillo que podemos observar e conhecer de perto em nossa infancia. Quem é capaz de ter no esquecimento as festas de fim de anno das épocas remotas que começavam pelo Anno Bom ao romper d'alvorada, que desfraldava a bandeira da esperança de um anno cheio de prosperidade encastellado de projectos de alegria idealizado pelos namorados, finalmente para toda realização dos bons ideaes. As familias se reuniam para festejarem desejando as bôas serenatas, e maviosos chôros em louvor a S. Sylvestre. Também era estylo deste tempo os cartões, as cartas, os telegramas de felicitações de parte das pessôas de relações de amizade que se resentiam quando de serem felicitadas pelas pessôas íntimas. Com o correr dos tempo tudo tem evoluido, tudo tem prosperado supplantando os factos e os costumes da antiguidade. Depois os Reis, festa tradicional da nossa historia em que a estrella – 84 – annunciou e apontou no Oriente o Nascimento do Menino Deus que se chamou Jesus, e que foi o nosso Salvador. O brilho desta estrella illuminou e apontou aos tres Reis Magos que chegaram no dia da Epiphania a vigilia das pastorinhas do advento do anno que começa dahi seguindo para o glorioso dia do Martyr São Sebastião, padroeiro desta Cidade Maravilhosa, dia este, que tinha o esplendor das festas de todos os lares familiares, realizações de casamentos e baptizados, bailes cheios de alegria organizados por chorões que com as suas harmonias deliciavam a grandeza deste dia. Depois o Carnaval com as cinzas precursora da Semana Santa. Nesta data movel que reproduz a tragedia do Calvario a Ascensão do nosso divino Salvador começam então as festas immoveis seguidos do rito catholico que espontaneamente louvam e festejam os dias da tradição idas e probas ephemerides e anniversariantes das familias do Brasil, que se vão, antes mais, do que agora se venera de outra modalidade de ac- [065] côrdo com o Radio e a influencia do tempo e da bolsa do camarada que vive satisfeito com os problemas da vida financeira e economica. O ornamento maior do Carnaval de accôrdo com as fantasias e as chimeras da loucura que impera o rei Momo deus da Folia e da gargalhada na organização dos prestitos allegoricos, dos cortejos dos ranchos, dos blocos, e dos antigos cordões. E musica que inspira, reanima, influe em todos os corações a alegria e o enthusiasmo dos foliões musicistas que no tempo da antiguidade organizavam chôros que iam de villa em villa, de – 85 – cidade em cidade, enfrentando o entrudo da agua, dos limões de cheiro e até dos baldes dagua e das bisnagas de accôrdo com os costumes daquelle tempo. E depois vem o Domingo de Ramos. Ornamentam-se as Igrejas, accendem-se os turybulos que incensam os fieis, que em romaria prestam homenagem ao Filho de Deus. Depois a Paschoa, festival que significa a Redempção Espiritual passagem da Ressureição. Os lares se transbordam de alegria, as festas se prolongam com musica e harmonia em louvor a este dia, um dos maiores da historia. Depois a Conceição festiva com todas as suas tradições de casamentos e baptizados, dia que faz feliz os namorados christões, os innocentes, segundo o Christianismo. Oh ! que reminiscencias que tenho das festas destes dias que já se foram! como o glorioso Natal do Nascimento do Filho de Deus, que espalhou o balsamo consolador pela humanidade soffredora com a divindade do pão e do vinho, da missa do Gallo, que era naquelle tempo o esplendor harmonioso do amor dos corações de todos os devotos. O Natal, é uma festa universal onde a musica Divina enche os corações de alegria. eis aqui em pallidas e cinzeladas palavras a transcripção das grandes festas dos tempos que passaram, festas estas que tinham resplendor e devotamento em cada um chorão da velha guarda, no correr do anno. O CARNE ENSOPADA Seu Gaudencio era empregado como abridor da Alfandega, por motivo que me convem guardar segredo foi demittido e ficou andando por alli na con- [066] – 86 – vivencia dos seus conhecimentos e afinal enconstou-se ao inesquecivel Raymundo, tocador de flauta de cinco chaves, que era tambem servente da Alfandega e morava lá para os lados da Gloria e tinha um Café volante no portão da Alfandega ao lado do Mercado Velho. O seu Gaudencio comia em um frege-mosca que havia em outros tempos na travessa do Rosario, mas quando as coisas lhe corriam bem, elle procurava uma casa de pasto no Largo da Sé de propriedade do Sr. Bernardino que tinha um caixeiro mulatinho chamado Timotheo. Era uma casa especialista em angu' á bahiana mas o seu Gaudencio, dava preferencia á Carne Ensopada. O sr. Bernardino, tinha uma veia poetica e servia a sua freguezia versejando, tinha grande predilecção por Guerra Junqueiro, que por signal tinha o seu retrato em um grande quadro á entrada do seu estabelecimento e de vez em quando recitava um Alexandrino deste saudoso poeta portuguez, e quando via o seu Gaudencio entrar dizia: "bom dia meu camarada", e virando-se para o cosinheiro dizia "tire uma carne ensopada". O seu Gaudencio chegou, e foi logo se misturando com o pessoal do sereno com o olhar activo para descobrir um conhecido que lhe desse um ingresso, e não demorou muito. Elle embarafustou-se pela casa a dentro no momento justamente que estavam formando uma quadrilha, e o nosso camarada não encontrando um par, foi caminhando até á cosinha para arranjar uma dama que era a mulher do dono da casa, e formou em frente á janella que dava para o pessoal do sereno que grita logo: bravo do Carne Ensopada ! E elle virando-se para a dama disse: não faça caso minha senhora, isto é uma canalha, é uma cambada e começou a proferir palavras – 87 – rebarbativas. Ah! começou elle a marcar a quadrilha, e já estava na quinta parte quando gritou: prepara para o grande "granchene", esquerda com esquerda, direita á seus pares; grande promenade; sangê, sangê double, sangê anarriê. Foi ahi que o sereno em pêso bradou: "Ahi seu Carne Ensopada ! Não queiram saber, o homenzinho ficou daquelle geito, e retrucou com palavras obscenas estabelecendo-se uma grande [067] confusão. O seu Gaudencio foi posto do baile para fóra. No momento de sahir não sabia onde tinha botado o chapéu, tal foi a sua precipitação quando entrou, mas depois lembrou-se que tinha posto encima de uma cadeira, onde se tinha sentado uma senhora muito gorda, em cima do chapéu do Carne Ensopada, que ainda mais desatinado ficou dizendo para a dama: Não tinha outro logar para sentar-se, sem ser em cima do meu chapéu sinhá sapaintanha ! O leitor não pode imaginar o sururu' que houve. Quando o seu Gaudencio, sahiu a vaia foi formidavel, e só se ouvia o pessoal do sereno gritar: O Carne Ensopada foi barrado ! Fóra o Carne Ensopada. Depois desta ovação de desagrado, o chôro continuou tornando-se cada vez melhor com a chegada do Bilhar, Maneco, Leal, João Thomaz e Chico Borgs. Eu nunca mais tive noticia do Gaudencio o "Carne Ensopada". S. PAULO Bem poucos existem como elle, é sublime, mavioso, não só nas cordas do seu violão, como tambem como cantador de modinhas, é irmão da grande violinista Lily, e os dois juntos em uma festa faziam os encantos, dava o seu verdadeiro – 88 – valor á mesma. Lily cantava e seu irmão acompanhava, e a vice-versa ficando assim os circumstantes embriagados com tanta suavidade. Aqui nestas linhas eu transcrevo uma homenagem merecida a S. Paulo e á sua irmã Lily. ALMA DE MAÇON O Alma de Maçon trabalhava na Imprensa Nacional. Era um rapaz magrinho, mulato sarará, e que se distinguia no meio dos penetras daquelle tempo. Eu o conheci por intermedio do Ismael Brasil, tocador de trombone e bombardino de saudosa memoria, meu muito digno collega, carteiro do Correio Geral um primoroso chorão que não concluirei este livro sem que faça a sua biographia. Pois bem, vamos ao nosso Alma de Maçon que farejava um chôro como quem num sabbado do meiado do mez corre atraz dos dinheiros para o "Boi com abobora" do domingo. Em uma occasião, foi convidado para um chôro lá para as bandas da Terra Nova, mas como era distante da cida- [068] de teve mêdo de ir sózinho, e por sua alta recreação, convidou um penetra-mór, de sua tempera e ás paginas tantas seguiram elles para o chôro depois de terem bebericado bastante. Quando chegaram, o baile estava molle, em ponto de bala. Foram logo evadindo a sala e cada um tomou a sua dama, e começaram a virar no passo de siry-candeia. O chôro estava destes que faz levantar defunto do caixão. O Alma de Maçon, bradou logo: Guardem distancia senhores que eu quero entrar com meu jogo ! Cruzes meu Deus, até parece que é alma de maçon. Acerta o passo pessoal ! – 89 – Quando terminou a polka chorosa que faz mexer o osso, o convidado do Alma de Maçon, dirigiu-se a um senhor idoso que se achava enconstado a uma janella e todo prosa e risonho disse: Estaes gostando da maxixada ? Dansei agora com um mulatão da ponta da orelha. Nunca pensei que esta meleca estivesse tão bôa. Eu só vim aqui p'ra vadiar com estas morenas. O senhor está vendo aquella mulata velha que está ao lado da pequena com quem eu dansei ? tambem é um pancadão. O senhor com quem elle falava era o dono da casa, a mulata e velha, era a sua senhora, e a pequena com quem elle dansou era sua filha. Neste ponto o dono da casa lhe perguntou: Quem foi que lhe convidou para esta festa ? O malandro respondeu: isto não tem importancia. Oh ! si tem ! faça o favor de me mostrar com quem veio. Neste momento appareceu o Alma de Maçon, que foi apontado pelo malandro por quem tinha sido convidado. Então o dono da casa observou com toda calma: Um convidado convida outro, e o dono da casa bota dois na rua, por isso, tomem os seus chapéus, e vão sahindo antes que páu ronque. Eis a razão que no tempo em que eu andava pelos chôros em logares estranhos, fazia questão fechada de, antes de mais nada ser apresentado ao dono da casa para não acontecer como aconteceu ao Alma de Maçon e ao seu conviva. LUIZ BRANDÃO Chorão de tempera, respeitado na roda, typo alegre, sympatico, e outros attractivos, pois, tinha, e tem ainda, o dom de prender as suas amizades, com o predicado do passarinho cabo- [069] – 90 – rê, que com o seu assovio reune, todos os outros passarinhos. Assim era o Brandão, naquelle tempo. Onde elle estivesse era sempre rodeado pela tropa dos chorões que iam ao seu encontro prestar-lhes homenagens e com elle trocar idéas, ficando por alli até que elle finalizasse o seu serviço, tal era o grão de sympathia que tinham por elle, pois não havia um só dia em que o nosso amigo Brandão, não tivesse um convite para um bom chôro. Assim entrava mez e sahia mez, e elle parecia até um homem encantado, forjado de ferro, para resistir ás noitadas. Não havia que pudesse imital-o, e aquelle que quizesse fazer, tinha que fugir para não dar o prego. Elle tinha um repertorio de modinhas de assombrar que as cantava e acompanhava com gosto, sendo digno de ser apreciado. Nos chôros pela suas verve e maneira agradavel no meio do pessoal elle se distinguia pelo alegria que emprestava a si mesmo, prendendo os auditorios com os gestos e maneira com que acompanhava, sendo por isto muito conquistado pelos seguintes solistas: João de Britto, Geraldo João dos Santos, Felisberto marques, Carlos Espindola, Henriquinho e muitos outros. Dizer qum foi Brandão, no meio dos chorões, torna-se para mim difficil, ta era a sua bagagem de occurrencias agradaveis no meio de seu convivio. Elle constituiu familia muito moço ainda, a sua prole augmentou consideravalmente lhe sobrecarregando de deveres que elle sabia cumprir, pois o Brandão, era grande autoridade nas finanças fazendo até, milagres. Morou uns tempos com o Bilhar, de quem era compadre e amigo incondicional. O autor deste perfil, andou – 91 – muito com elle, porém, teve que desertar na virada pois a corrida deste chorão era de muitas milhas e eu me dei por vencido, facto este, que se deu com muitos outros camaradas. Hoje elle está aposentado, retirado dos pagodes, com as suas economias tornou-se proprietario lá para as bandas de Bosuccesso, deixando como substituto, um filho, chorão no violão. Elle começou como aprendiz do Arsenal de Guerra, depois, carteiro do Correio Ambulante da E. F. C. B., e mais tarde continuo da Portaria da Alfandega. [070] Sempre primou pela sinceridade em todos os seus tratos, no cumprimento de sua palavra. O Brandão tinha a primazia no chôro. NECO Nasceu este lá para os lados de Santa Rosa, Nictheroy. Começou a sua vida como oficial de sapateiro, porém, só trabalhava em calçados finos de senhora de salto á Luiz XV, pouco expansivo, com as pessôas que não são da sua intimidade. E' methodico, escrupuloso nas suas amizades de quem faz sérias selecções. Foi ultimamente aposentado como Guarda Municipal, logar este, que occupou com brilho, dignidade e dedicação. Já está um pouco usado, porém, forte e bem disposto. E' bom, e leal amigo predicado este que faz parte integrante de um passado glorificado, que honra o presente. Não é um celibatario, porém, tem se conservado solteiro. Sempre foi distinguido pela nata social, esta que tem predilecção pelo seu violão, e o respeito com que se impõe – 92 – perante as familias e o zelo que tem pelo seu nome na roda dos chorões. Não tem orgulho nem vaidade mas, sim, muito amor proprio sendo um amigo prestativo e dedicado. O nome de Néco, na roda do chôro é um santuario, é uma veneração na formação dos seus accordes maravilhosos e embriagantes de harmonia nas passagens das tonalidades das musicas difficeis, que sem lisonja só elle sabe fazer. E' de um ouvido apurado, de um mecanismo facil tirando infinidades de sons sem esforço por ser tudo isto executado pelo seu dom favoravel na magia do violão. Por esta razão quando se fala no meio dos instrumentos cantante no nome do Néco, elle é acolhido com as homenagens que de direito lhe pertence. Catullo, Pernambuco, o inesquecivel Quinca Larangeira, Zé Rabello, Galdino, e muitos outros, tem por elle um verdadeiro culto como um dos primeiros acompanhadores de chôro ao violão. Néco, ultimamente tem se retrahido, passando á vida privada, deixando de tocar o seu invencivel violão, e por este motivo tem se tornado muito censurado por infinidade de seus apreciadores. E elle se desculpa dizendo: Não gosto destas musicas d'agora, o meu violão está acostumado com as musicas antigas e tem mêdo de ser enxo- [071] valhado pelos violões modernos. Néco, também foi um optimo cantador de modinhas. Andou muito com Luiz Brandão de quem era um verdadeiro amigo, porém, teve que fugir para pregar em outra freguezia. Diante de tudo isto que aqui fica escripto, o nosso imponente bom amigo correligionario Néco immortalizou-se e agora vive dos louros do passado. – 93 – O ISMAEL BRASIL Conheci-o ainda muito moço na rua de Santa Christina. Era filho de D. Antonica eximia modista das mais distinctas familias do bairro do Cattete. Foi muito tempo estafeta dos Telegrafos, e quando se inaugurou o casamento civil, foi elle nomeado continuo desta Repartição onde permaneceu longo tempo até que foi nomeado Carteiro do Correio Geral, logar este em que occupou com muito esmero e capricho, pois, primava por apresentar-se sempre asseiado. Era um funccionario irreprehensivel, typo engraçado, razão porque era querido e admirado pelos companheiros de classe, amigos, e ainda mais pelos grandes chorões daquelle tempo. Era um trombonista de sopro macio, e no bombardino então não se fala, tendo por isso sempre preferencia pelos flautas seguintes: Videira, João Claudio do Senado, Salvador Marins, Raymundo da Alfandega, Felizberto Marques, João de Britto, Timbó, Genilicio, Balduino tendo por elle veneração. Ismael, era um chorão interessante. Era de estatura alta, de um modo moleirão, e foi por isto que nos Correios, o appelidaram de Bamza. Tinha no rosto signaes de bexiga. Era um chorão extraordinario na intimidade dos pagodes o bom do Ismael imitava com a transformação do rosto todos os bichos da Zoologia. Quando o pagode se prolongava, não deixava ninguem dormir applicando "mosquitos'; accendendo papeis e gritando por socorro; fazendo caricaturas com rolha queimada, no rosto dos que dormiam e infinidades de coisas que só elle sabia fazer, tornando-se por este motivo cada vez mais estimado na roda dos chorões. Uma occasião elle foi convidado para – 94 – tocar em um baile em Jacarépaguá, e as paginas tantas apareceu no referido baile um tocador de ofphicleide desafinado, e tirando as notas fóra do compasso, atra- [072] palhando toda a bôa harmonia. O que fez o Ismael, sem que ninguem percebesse arranjou um punhado de feijão e encheu o ophicleide do camarada, que, quando foi todo dengoso tocal-o não pôde por se achar o mesmo intupido. Em um outro pagode, em Nictheroy, o Ismael notou que não havia "boia" então foi direito ao quintal sorrateiramente e torceu o pescoço de quatro galinhas, e voltu de novo a tocar, e de vez em quando dizia para os companheiros de chôro: Já matei quatro animaes, mas não garanto a criação podem ser Bhramas ou Mistiças, pretas ou Carijós. Quando o dia rompeu lá estavam as gallinhas mortas debaixo do poleiro. E elle fazendo um grande espanto de ingenuidade pediu uma faca, e foi cortando o pescoço das ditas deixando correr o sangue. Todas as pessôas da casa julgaram tratarse de peste, e assim elle e seus companheiros de chôro tiveram um bom almoço de gallinha. Ismael deixou diversas producções, entre ellas a polka "Norival" que causou muito successo naquelle tempo. Falleceu no Cattete. O autor deste livro, era seu collega de Repartição, amigo e admirador deste astro que brilhou e desappareceu deixando saudades imorredouras. Acompanhei-o até á ultima morada, e ainda hoje quando se falla no nome de Ismael Brasil repercute no coração de cada um chorão daquella época, uma pranteada recordação. O QUARTO DO RAYMUNDO – 95 – Raymundo Conceição, moço ainda, de côr morena, sympathico e communicativo, era um chorão apaixonado, amigo no superlativo; um bohemio dos bons, desses que governam a vida com o coração, e tem no cerebro uma usina de alegria e de esplendidos predicados que muitas vezes se prejudicava em beneficio de seus amigos. Executava no seu violão acompanhamentos em accordes relativamente ao seu bom gosto. Tinha em cada chorão daquelle tempo, um admirador. Na data de 1890 a 1898 em um quarto sito á rua de Sant'Anna, em uma avenida do lado opposto da Igreja do mesmo nome, por occasião do Carnaval, era ahi que se reunia a flôr dos chorões, que fantasiados, formavam blocos divinaes dos melhores daquella época, tal era o conjuncto de harmonias vibra- [073] das por estes grandes artistas musicistas que percorriam os bairros da Cidade Nova, Praça Onze, e depois o centro da cidade arrancando enthusiasticos applausos de todo pessoal de bom gosto da musica que em romaria, acompanhava-o bisando quasi todos os numeros executados magistralmente. Depois dissolviam-se para reunirem-se no dia seguintes na sede que era o quarto d grande folião carnavalesco Raymundo Conceição. Eu quizera ter neste momento em minha reminiscencia os bons episodios que se passaram entre os grandes chorões que frequentavam o quarto do Raymundo, que era considerado um succursal de suas residencias, pois bem, raro eram os componentes do chôro que não fosse um assiduo frequentador do quarto do Raymundo, onde se reuniam, ensaiavam, e guardavam os seus – 96 – instrumentos. De volta dos bailes, ficavam todos abarracados no quarto do Raymundo em esteiras, haviam chorões que tinham até acolchoados. Quando vinha o dia, cada qual seguia o seu destino no cumprimento de seus deveres, para voltarem depois como as "Pombas" de Raymundo Correia. Deixo de especificar aqui o nome de todos estes chorões pela razão de que eu, ao dar a publicidade deste livro só tenho em mira elevar ao apogeu os grandes artistas chorões antigos, como eram estes a quem acima me refiro, e não para apontar defeitos praticados; pela grande paixão que tinham elles pela musica produzida pelo conjuncto que se organizava no quarto do inesquecível Raymundo Conceição. Era elle oficial da Guarda Nacional por ter feito toda a revolta de 93 senco um optimo impressor. Trabalhava elle, no jornal "Cidade do Rio", do grande talentoso jornalista José do Patrocínio. Conheci-o na casa do inesquecível Teixeira, distribuidor do jornal "Cidade do Rio", homem franco, valente, e de poucas conversas, porém, amigo de verdade e muito respeitado pela garotada dos jornaes, de quem elle foi um grande protector. As festas na casa do Teixeira duravam sempre uma semana e quem organizava o chôro era o Raymundo, foi lá que eu conheci o Gloria, o Manzolillo, distribuidores tambem de jornaes, companheiros de infancia e de [074] trabalho, e de partidos, pois eran todos nagoas Guaymús. Hoje quando se fala na casa do Teixeira e nas suas festas, sentese immorredouras saudades. Inesperadamente foi o – 97 – Raymundo acommetido de uma fraqueza, e continuando sempre no chôro, muitas vezes foi acommetido de hemoptises, e assim foi definhando para fallecer rodeado de seus verdadeiros amigos que ainda hoje pranteiam o seu desapparecimento e a saudade do convivio daquelle quarto, que era uma republica de harmonia e liberdade dos bohemios chorões. Quem escreve estas linhas tem muito bôas impressões e recordações dos dias alegres, que passou no quarto do sempre lembrado Raymundo Conceição. A FAMILIA DOS GREY Esta familia morava no Marco 4 em Jacarépaguá, hoje Estrada Rio São Paulo. Era toda de musicos começando pelo velho Grey que era o chefe desta familia intelligente, e que executava em seu violino partituras sentimentaes de musicas classicas e tambem muito bons chôros. O Antonio Grey, seu filho mais velho, funccionario da Alfandega, era um eximio tocador de violão, e o mais moço, tocava instrumento de sôpro, depois, o professor Coelho Grey. Este tocava todos os instrumentos de sôpro e de cordas, tendo mais predilecção pelo saxophone e violão. Era um dos primeiros musicos de Jacarépaguá daquelle tempo. Vou aqui contar um episodio que se deu com elle. Na revolta de 1893. Os batalhões da Guarda Nacional organizaram cada um as suas bandas de musicas e o commandante de um dos batalhões, precisava de um bom e habilitado mestre de musica, fazendo parte da mesma Coelho Grey, que disso tendo sciencia, offereceu-se ao commandante para regel-a. O commandante retrucou: Eu quero um mestre com mais habilidade do que o senhor tem, porque preciso que este saiba escolher os instrumentos para a organização – 98 – da banda. O nosso bom Coelho Grey promptificou-se a ir em companhia do commandante para escolher. Chegando à loja de instrumentos, foi logo pegando n'um pistão tirou a sua escala e assim fez em todos os outros instru- [075] mentos apresentados pelo lojista. O comandante cahiu das nuvens pela surpresa que acabava de ter, e com todo enthusiasmo lhe apertou a mão e disse: Está promovido a tenente do meu batalhão e mestre da banda do mesmo. E assim aconteceu. Tive o grande prazer de conhecer esta familia por intermedio do inesquecivel capitão Alamiro Cabral, que tendo dado um formidavel chôro em sua residencia no Campinho, foi-me apresentado pelo mesmo os irmão Antonico e Coelho Grey que, com muita instancia, mostraram desejo de apresentarme á sua familia, inclusive os chorões alli reunidos onde se achava o pranteado Horacio Theberge, Pimenta da Alfandega, o Santos bombardão (Nhonhô) e muitos outros. Foi uma delicia vêr e ouvir-se a familia toda tocando acompanhada por todos nós. Eu não podia fazer este livro deixar de descrever os encantos que experimentei neste dia saudoso de tantas harmonias. Tambem ouvi dizer que estando tocando em um chôro destes do bom Anacleto de Medeiros, Luiz de Souza, Lica, e muitos outros lá para as bandas de São Christovão lá para as tantas quando o chôro deliciava de harmonia, com aquellas polkas do repertorio do inesquecivel maestro Anacleto, chegou o Coelho Grey, porém, como um simples convidade, cheio de curiosidade para vêr e ouvir o seu companheiro de instrumento que era o – 99 – saxophone. De facto disseramme que o Grey ficou extasiado com o sôpro e a execução do Anacleto, e por tanta belleza musical. O dono da casa fez a apresentação do Coelho Grey ao Anacleto e aos seus companheiros de chôro, e pediu que cedesse um pouco o seu saxophone ao seu amigo convidado Coelho Grey. Anacleto contrafeito, por uma civilidade accedeu ao pedido pois não gostava que tocassem no seu instrumento, pois, nem todos tocavam como elle. Não vos digo nada. Anacleto ficou radiante de contente tal foi a maestria com que executou os primeiros numeros de musica. Anacleto dando um abraço em Coelho Grey disse-lhe: Continue a tocar que eu quero lhe apreciar. Coelho Grey, ainda vive e consta-me que é empregado na Municipalidade e com certeza [076] já retirado do chôro e já aposentado e conservando a sua tradição de um professor, maestro, conhecedor da gyria de todos os instrumentos. Emquanto o resto de sua digna familia nunca mais tive noticias. Eis aqui traçado em poucas linhas o perfil de uma familia toda musica que deu muito brilho aos chôros realizados, naquella época em Jacarépaguá. JOÃO ELIAS João Elias da Cunha, conheci este, como mestre da banda do Corpo Policial da Provincia do Rio de Janeiro, onde reformouse e depois, regendo bandas musicaes particulares das Fabricas de Tecidos desta Capital. Era excellente professor de musica, que digam os seus alumnos, que devem ainda existir muito por ahi, emeritos musicistas, sendo isto – 100 – confirmado por um de seus filhos de nome Godofredo, mestre e regente de bandas militares. Juca Rezende e muitos outros chorões daquelle tempo, João Elias ao lado de Damasio, artista maestro, compositor, fizeram prodigio naquella época, comquanto não possa fazer um perfeito perfil desta grande eminencia musical, como foi o professor João Elias por me faltar os dados necessarios. Tentei dizer o que delle me ocorre na memoria cumprindo assim uma homenagem e um sacrosanto dever, lembrando os feitos de todos os artistas de merito, como foi o incansavel professor de musica João Elias. LUIZ GONZAGA DA HORA Era natural da Bahia, foi musico naval, depois de ser musico no seu Estado. Era um bombardão de excellência, e de eximio sopro mavioso e melodioso, respeitado e considerado no meio de seu convivio. Era um grande apaixonado do Ameno Resedá, pois era pae adoptivo do inesquecivel Antenor Oliveira, director de canto deste rancho, de que elle fazia parte na sua orchestra. Elle era herdeiro das maiores glorias e victorias deste Rancho-Escola, pois, meus bons amigos leitores, a harmonia do Ameno Resedá morava no bombardão do Gonzaga, este que tocava com prazer, com gosto, com dedicação e com exigência na afinação de tudo quanto era concernente á melodia, parando seu instrumento para trocar idéas com o [077] director de Harmonia, que sempre acolhia as suas bôas opiniões. Por esta razão tinha naquelle tempo em cada socio do Resedá um seu admirador e amigo. O Gonzaga fazia parte da – 101 – orchestra do Resedá desde a sua fundação, sendo um exemplar chefe de familia e digno operario das officinas do Arsenal de Marinha, onde trabalhava com assiduidade. Falleceu inesperadamente. O autor destas linhas o acompanhou até á sua ultima morada, para onde elle levou o segredo da harmonia do Ameno Resedá, como bem disse o "Jornal do Brasil" ao fazer a sua necrologia. LUIZ DE SOUZA Pistão dos mais chorões que até hoje ainda occupa o primeiro logar entre todos os chorões. O seu pistão tinha a magia das grandes melodias, tocava com sentimento e perfeição de um sopro e mecanismo que só elle possuia, por isso era muito distinguido. Foi elle o componente das orchestras dos cinematographos desta Capita, fazendo esplendidas organizações de grupos de musicos de primeira grandeza. Luiz de Souza, foi menor da Fortaleza de São João. Foi aprendiz de musica do grande e notavel pistonista Soares Barbosa, mestre da banda da Fortaleza, depois musico do 23° de Infantaria onde teve baixa como contra-mestre da referida banda, para depois fazer parte da bande de musica do Corpo de Bombeiros na regencia de Anacleto e ao lado de Albertino Caramona, onde com muito brilho fez prodigios com o seu invencivel pistão. Luiz de Souza era respeitado na roda dos chorões. Catullo, Bilhar e muitos outros não o dispensavam do seu meio pois o Souza, era um sol que illuminava a alma e os corações com as suas notas amenisantes tiradas no seu instrumento. Elle deixou muito bôas producções. O Souza era um Resedá intransigente, operoso trabalhador e sabedor dos – 102 – segredos maviosos dos canticos genuinamente brasileiro expandidos nos Carnavaes pelo conjuncto do Ameno Resedá, Rancho-Escola e Campeão de Harmonia. Eis aqui o que tenho a dizer relativamente a este grande artista que se chamou Luiz de Souza, pois foi a sua morte muito pranteada por todos os chorões e finalmente por todos que tiveram [078] a dita de privar com esse bom amigo e extraordinarissimo genio executor, maravilhos pistonista. A CASA DA DURVALINA A casa da Durvalina era na rua do Bom Jardim, onde se reunia a rapaziada do chôro. Era ella uma mulara, moça, bonita, respeitada e muito camarada para aquelles que conheciam nelle este predicado. A casa da Durvalina era uma especie do quarto do Raymundo, pois raro era o dia em que não havia lá, uma bôa tocata, que diga o nosso bom amigo velho João Thomaz, Luiz Pinto, Brandão e Néco, não falando aqui em Bilhar, Horacio Theberge, Côrte Real, Quinca, Henrique Rosa, João de Britto, Lulú Bastos, José Maria e muitos outros, já fallecidos. Eu quizera fazer aqui a apologia desta bôa camarada que se chamou Durvalina, esta que não regateava a sua igualdade a todos os bons chorões daquelle tempo, dando bons jantares e bailes que se prolongavam a maior das vezes no correr da semana, mas para dizer tudo o que foram horas, momentos, dias, mezes, cheios de alegria, seria necessario muito me prolongar. Assim leitores, farei apreciação desta distincta amiga dos chorões resumidamente, patenteando uma homenagem que será acompanhada por todos os – 103 – chorões daquella época que commungaram como parte integrante nas festas que se realizaram na casa da Durvalina, esta que é fallecida e lembrada a todo o momento pelos chorões da Velha Guarda. IRINEU BATINA Este professor, e maestro era conhecido no meio do chôro por "Batina", porque este bom e amavel amigo para mim inesquecivel, assim como para todos, andava sempre de sobrecasaca comprida, muito em voga naquella época. O seu instrumento preferido era o ophicleide no chôro, porém nas companhias lyricas elle era um trombonista disputado por todos os maestros estrangeiros. Como componente da bando do Corpo de Bombeiros, era um eximio executor do bombardino, estimado e admirado pelo inesquecivel Anacleto, que tinha por elle muita veneração pois o Irineu era um artista de muito valor. Era companheiro de chôro de Luiz de Souza, Carramona, [079] Lica, Irineu Pianinho, Henrique, João dos Santos, Henrique Rosa, Néco, Galdino, Mrio e muitos outros. Era elle assiduo frequentador do quarto do Raymundo Conceição. O autor destas linhas privou muito com este talentoso e respeitado artista, este que deixou uma bagagem de musica de infinitas inspirações. O nosso bom Catullo, era delle um grande entusiasta e admirador de suas bellas producções, aproveitando as mesmas, que lhe inspiravam com as suas melodiosas letras poeticas, que tornaram verdadeiras maravilhas. Irineu era um typo gordo de altura regular, muito bonachão. Falleceu inesperadamente, deixando um grande vacuo na roda dos chorões. Elle tambem – 104 – foi director de harmonia do Rancho Filhas das Jardineiras da Cidade Nova. Rancho este que competiu com o Ameno Resedá no Carnaval de 913. Eis aqui o que tenho a dizer deste intelligente musicista com o meu coração cheio de saudades. NAPOLEÃO DE OLIVEIRA Chorão de cultura fina nos batedores Carnavalescos, violão mavioso e scientifico, cantor insinuante que ao lado de Pedro Paulo e de outros bons elementos, alcançou a primazia de um instructor substituindo com muita igualdade o inesquecivel Antenor de Oliveira, na direcção de canto com sua voz de tenor, professor dos contra-alto e soprano das pastoras, e figurante do Rancho Escola Ameno Resedá. Quem não conhece o Napoleão de Oliveira ? o alchimista vendedor das pillulas infernaes de Belzebuth, o Mephistopheles das Evas no reinado das Odaliscas, o Brasil civilizado nas Ligas das Nações, as Divindades que regem o Destino do Mundo, em Daphinus, deus cantor discipulo de Pan, em Tio San, em homenagem á America do Norte. Napoleão 1° dos carnavaes antigos. Genio de Cassia, e muitas outras fulgurantes representações no conjuncto do Rancho Escola Ameno Resedá. Napoleão de Oliveira, funccionario que honra a sua classe, amigo sincero, filho extremoso, que ainda hoje obedece com respeito e veneração, as insinuações de sua velha e idolatrada mão. O autor destas linhas, ainda hoje com elle priva, o admirando, e bebendo luzes em todos seus argumentos intelle- [080] ctuaes, pois elle é uma fonte – 105 – pura de aguas christallinas do saber que reparte como um sol que distribue a luz espancando as trévas. Aqui ainda não fica ditas nestas linhas tudo quanto eu quizera dizer, que sem lisonja o que merece o nosso Napoleão. ANTENOR DE OLIVEIRA Dotado de espirito culto, fazia as delicias de quantos tivessem a felicidade de conhecel-o, e com elle privar. Vou tentar fazer o seu perfil, começando a dizer que elle foi um fundador do Rancho Escola Ameno Resedá. Fazendo logo prodigio, no cargo de director de canto, com as suas bellas poesias, e fulgor da sua capacidade inegualavel, ao lado do competente director de Harmonia, José Rebello, (Zé Cavaquinho) que é tambem um artista de muito valor, e mérito, que unidos a outras capacidades amenistas daquella época, levaram este rancho ao apogeu. Antenor era um batuta no violão, e grande trovador de modinhas, occupou tambem no Ameno Resedá o cargo de director de Poemas, elle se immortalizou com a admiração de muitos poetas naquelle tempo, quando fez a letra para o dobrado jubileu, do inesquecivel Anacleto de Medeiros. Antenor de Oliveira, nasceu em Angra dos Reis em 1881, e falleceu nesta Capital em 1912. O bom Antenor competiu com os eximios directores de cantos, e musicistas de todos os conjunctos carnavalescos, como foi, o Moreno da Flôr do Abacate, e Barnabé, da Cidade Nova e Pedro Paulo. Antenor foi um esplendido amador de arte dramatica, se distinguiu sempre, dando vida e esplendor aos papeis a elle confiados. A morte de Antenor foi muito sentida, e pranteada, na roda de todos os chorões, era operarios do Arsenal de Marinha. – 106 – CHINA Quem não conheceu este bom e distincto amigo ? Julgo que bem poucos, pois o bom China era conhecido nesta cidade como estrella brilhante. China, era tambem filho do velho chorão Alfredo Vianna, e irmão dos glorificados musicos Pixinguinha e Léo. China, era violão afamado, o instrumento nos seus dedos era de maravilhar. Não só acompanhava muito bem, como tambem solante de [081] extasiar. Tinha uma garganta de ouro pois nos "cabarets" onde se exhibia era muitissimo applaudido pelos circumstantes, que via nelle um batuta respeitado. Tinha uma voz de baritono de encantar, tal a maneira que sahia da sua garganta, era como perolas de alto valor. Era de todos estimado, tal a delicadeza do seu trato. Como amigo ninguem lhe excedia, pois não podia ver um companheiro queixar-se de qualquer necessidade que não valesse na quantia que precisasse, ficando muitas vezes desprevenido pecuniariamente, para não ver seu amigo mal. Nos bailes onde tocava, só fazia o brilhantismo, pois era um pandego de primeira agua. Nas suas modinhas que cantava tinha algumas tristes e outras alegres. Cantava bons lundús, ás vezes um pouco apimentados, fazendo assim a alegria, e grande risos aos convidados da festa. Onde China estivesse só reinava o bom gosto e alegria, de que elle era um apologista. Com sua morte, abriu-se um grande vacuo na roda dos chorões, pois ainda hoje o seu nome é lembrado e chorado. GONZAGA DA E. F. C. B. – 107 – Bom e excellente musico, tocava com grande saber e arte. Toquei em muitas festas, com este grande executor de musicas. Tocava elle com grande maestria, ophicleide e tambem pistão. Nestes instrumentos, os chôros por elle executados, eram de encantar, tal a agilidade de seus dedos de ouro, de uma belleza sem igual. Gonzaga, fazendo o sólo em polkas, valsas, schothischs, quadrilhas, fazia um defunto mexer-se no caixão. No ophicleide tambem solava admiravelmente. No acompanhamento nem se falla, pois era de encantar, tal a maneira de seu bello sopro, e tambem a sua electrica dedilhação no seu instrumento. Gonzaga ia a um pagode todo janóta, acabando, dirigia-se á sua cas, vestia uma blusa, um bonét, e uma rodilha á cintura, lá estava o heroe em frente á Estação de Pedro II, fazendo carretos, como qualquer um João ninguem. Muitos que não o conheciam ficavam admirados de um musica de grande quilate que era elle, occupar um serviço naquellas condições. [082] Então muitos que o conheciam, ás vezes perguntavam-lhe a razão, que elle sendo um musico tão afamado, trabalhava em um lugar tão baixo ! O que elle respondia com a maior naturalidade, dizendo, que a sua estrella nunca brilhou e por isso vivia no abandono, pois nunca encontrou um amigo que lhe désse a mão. Pois apesar de seu preparo, viu-se obrigado a sugeitar-se a ser carregador, se queria comer e beber. E assim morrem muitos heróes, que apesar de seu saber nunca encontraram uma alma caridosa – 108 – o ajudasse. ARTHUR PEQUENO A muito que não o vejo, não sabendo se é vivo ou morto, morava lá pelos bairro de Villa Isabel. Era um violão seguro, acompanhou nos chôros, Candinho, Pedrinho, Quintiliano, Carlos Furtado e outros. Arthur, era da turma do grande e bellissimo executor de violão Juca Russo. Era muito choroso no acompanhar modinhas que tinham um gosto extraordinario, pois acompanhava sempre com bellos e lindos accordes. Gostava muito de ir a pagodes onde tambem houvesse farta mesa, com o competente molho, para bem descer o mastigo. Tambem muito gostava de dobrar o pagode, para assistir o enterro dos ossos que elle chegava a ressonar tal o gosto pelo resto do leitão e mais. Era muito distincto amigo e companheiro, firme para a luta, pois não dava para traz. O lema era: Cada um cumpra com o seu dever. ROMUALDO CABOCLO Era mesmo um caboclo bom. Bom até á ultima gotta. Tocava pouco violão, mas mesmo assim era de agradar, tal o gosto que elle tinha por este instrumento. Foi socio e vice-presidente das Pragas do Egypto, sociedade com séde na rua Major Avila. Caboclo como era conhecido não perdia uma só festa dada por esta sociedade. Muitas vezes até doente, elle lá estava firme como uma pedra, com seu violão atracado, prompto para entrear em fogo. E era daquelles que depois de entrar na sahia mais. Com seu violão, elle acompanhava bellas modinhas, de seu Estado, que era o glorioso Pernambuco. Era muito bairrista, ninguem lhe – 109 – [083] tocasse em seu Estado, se queria ser seu amigo. De lá trouxe muitas formosas modinhas, que levava nas horas de folga a cantar e acompanhar. Era um amigo dedicado. Por seu companheiro dava a vida. O seu dinheiro não era delle, e sim do amigo que na primeira esquina lhe contasse uma necessidade, finalmente este farrista já é fallecido, deixando muitas saudades a todos os moradores da rua Major Avila, e adjacencias. AGENOR FLAUTA Morava na rua Visconde de Itamaraty. Era empregado como chefe de turma, da Saude Publica. Amigo e companheiro de linha. Tocava com grande esplendor na sua flauta, que era de novo systema. Muito me ajudou nas pragas do Egypto quando eu era seu presidente. Era chorão afamado, e acompanhei com meu violão ou cavaquinho, as suas melodiosas musicas de fazer admirar. Tinha um sopro macio e sublime. Tocava todos os choros dos grandes flautas antigos e tambem modernos. Tambem tocava todas as musicas de Candinho, de supplantar. Cantava tambem bellas e sumptuosas modinhas de arrebatar. Era um excellente chefe de familia, o que muito valeu o seu bom nome. Escreveu alguns chôros bons que devem andar por ahi nos cadernos destes chorões da nova guarda. O VELHO MENEZES Quem em Botafogo, alli pelas ruas Arnaldo Quintella, Thereza Guimarães, Fernandes Guimarães, e adjacencias não conhece o bom Menezes, pois é – 110 – um inveterado do chôro. Conheci em moço, quando trabalhava como estafeta dos Telegraphos. Neste tempo o seu instrumento predilecto era o cavaquinho, que elle manejava com grande facilidade. Solava muito bem, e de admiriar, tal a agilidade de seus dedos. Conheci-o em Copacabana, em uma reunião de tocadores de violão, e cavaquinhos, onde Menezes me jogou um pezado em cima, de que me vi bem atrapalhado. Felizmente, me sahi daquella intalladella, com bastante difficuldade. Dahi ficamos amigos, [084] tocando muitas vezes juntos. Hoje, Menezes toca violão com grande perfeição, pois tem um ouvido apurado para acompanhamento. Tocou muito com velhos flautas e hoje não arrepia carreira com os novos, pois sabe dizer nas cordas o que sente. Pois apesar de sua idade, ainda não deu seu quinhão ao vigario (como se diz na giria), pois, quasi sempre está com o violão em baixo do braço, fazendo os encantos dos lares, como seja: em Botafogo, Jacarépaguá, Inhau'ma, Nictheroy e outros logares que Menezes frequenta. Menezes tambem é excellente amigo, muito trabalhador, bonissimo chefe de familia. Dedicou-se á arte de bombeiro hydraulico, e assim sustenta honradamente a sua distincta familia. Menezes fica quasi doido quando em qualquer chôro, elle [o]briga um bella feijoada, onde se atola até não poder mais, acompanhado com uma bôa pinga para descer os pirões. BILÁU – 111 – Conheci bem criança, na Caixa Velha da Tijuca, onde seu sempre chorado pae occupava alta posição. Retirando-me da Tijuca muitos annos. Depois precisando ir áquelle bairro, encontrei Biláu já moço e atracado a um cavaquinho todo novo, e dos bons. Afinando o cavaquinho, fez alli um tom com todos seus accordes que fiquei bem admirado da sua agilidade naquelle pequeno instrumento de arrebatar. Depois solou uma valsa se não me engano o nome é "Sorrir meu doce amor", esta valsa é bem custosa de solar, no entanto nos dedos de Biláu foi sôpa. E ahi dedilhou, outra, de que me fez babar. Biláu foi aprendiz se não me engano do sempre chorado Mario do Cavaquinho, e que deu ao mestre grande gloria. Hoje acha-se retirado da lucta, julgo com a morte do seu sempre chorado pae, e sua bôa irmã. JOSE' CELESTINO Quem em Engenho de Dentro não conheceu este grande astro do violão ? Bem poucos ! Era elle operario das officinas na Estação acima. [085] Celestino, no violão tinha brados de armas, pois era um explendoroso violonista. O violão nos seus maviosos dedos não tocava, soluçava, tal a maneira que elle sabia dedilhar aquellas cordas no seu instrumento. Solava admiravelmente, chôros bem difficultosos, de admirar seus congeneres. Tinha um ouvido apuradissimo, para os accompanhamentos. Era difficultoso cahir, tal os recursos que elle tinha naquelle instrumento. Morreu na – 112 – Hespanhola, deixando immensas saudades aos seus collegas tocadores, e tambem no grande numero de amigos que elle tinha dos melhores. SALUSTIANO TROMBONE Foi grande musico, e respeitado pelo seu saber musical. Conhecia o seu instrumento com grande proficiencia. Foi primeiro trombonista no 7° Batalhão de Infanteria do Exercito, naquelles bons tempos. Leccionou seu instrumento a muitos, que tornaram-se grandes e afamados musicos. Tendo baixa da vida militar, ingressou nos Correios como servente, tendo pela sua correcção e comportamento galgado ao posto de carteiro, cargo em que falleceu. Morava em Nictheroy onde tinha uma familia, e se ufanava de ser um chefe amoroso. Lá, como aqui tocou em muitas sociedades musicaes, e dansantes, sendo sempre muito procurado pela sua real proficiencia. No correio onde trabalhou, deixou um grande numero de amigos, não só de seus superiores, como de seus collegas. E assim findou-se mais um heroe deixando grandes saudades dos que tiveram a felicidade de conhecel-o. HORACIO THEBERGE Inesquecivel violonista, esplendido cantor de Modinhas que fez um grande sucesso no meio dos chorões, onde Theberge tinha admiração e conceito. Era tambem amador Dramatico, onde fez papeis de responsabilidade em um Club Dramatico no Meyer. Era tambem um optimo funccionario dos Correios. A morte de Theberge repercutiu com sentimento no seu grande circulo de amigos. – 113 – HENRIQUE ROSA (CASAQUINHA) Persona grata do dr. Murtinho, amigo de seu amigo, in- [086] transigente nos seus direitos, violão seguro, conhecido e considerado por todos os chorões. Conservador de tradições, razão porque, mesmo fóra da moda, nunca desprezou o seu fraque, sendo por isso appellidado (Casaquinha). Nas suas palestras, mettia sempre uns ternos impolados de gato pingado. Manafástara, tomba relomba e calafate. Pinto mendigo, e outros. Foi empregado antiquissimo da Policia onde prestou com sua intelligencia e perspicacia innumeros e bons serviços. Morreu como uma estrella que some-se deixando ainda reflectir o seu brilho nos grandes astros. JUCA VALLE Foi um dos primeiros violões de sua época. Companheiro inseparavel de Callado e Viriato, Rangel, Luizinho e muitos outros flautas que tinha nelle um acompanhado seguro no seu violão. VENTURA CARE'CA Ventura Caréca, violão de fama, que tocava com bastante amor e gosto, e quando acompanhava um chôro, ou uma modinha, não admittia que lhe desse o tom, tal a confiança que elle tinha no seu ouvido. Hoje quando falla deste chorão pranteado sentimos saudades. JOSE' CONCEIÇÃO Amigo dedicado que foi do sempre chorado Quinca – 114 – Laranjeiras, tendo delle apanhado todo seu estylo serviu muitos annos como guarda-civil, prestando nella os mais relevantes serviços, estando hoje aposentado, e um pouco retirado do circulo dos chorões, é um amigo certo e communicativo digno de applausos. NENE' MARIO Conheci morando no Estacio de Sá, tocava muito bem violão, não só solava, como acompanhava. Tinha accordes maviosos, e tão difficeis que o escriptor que tambem era um malandro chorão, naquelle tempo nunca poude apanhar delle nenhumas de suas modulações. Morreu a pouco no cargo de guarda-civil, sendo neste posto, um grande cumpridor do dever, [087] foi bom filho, e excellente amigo. PATAPIO SILVA Ainda hoje o nome deste professor é fallado, e chorado. Patapio estudou musica a fundo, conhecia regra de harmonia e tudo mais de seu pertence. Era flauta de respeito, admirado por todos os flautas como elle, e os mais musicos de nomeada. Patapio, quasi igualava com o immenso flautista Callado. Diziam os musicos daquelle tempo que Callado, na sua maviosa flauta fazia um quarteto, e que Patapio muito o admirando, estava fazendo tudo para imital-o, e tanto assim que já fazia um dueto no seu maravilhoso instrumento. Era irmão do grande violinista Lafaiete. Era quem organizava o conjuncto de musicos professores, para tocarem nestas casas de diversões, e que muito se elevou no conceito publico. Hoje acha-se retirado um pouco – 115 – da musica, mesmo assim ainda é chamado, é quem fórma as orchestras, para tocarem nas festas de igrejas, e tem composto bellas Aves Maria. Infelizmente perdeu-se com a morte deste professor, o Patapio, um futuro prospero, e risonho para a grandeza do nosso caro Brasil. OLEGARIO FLAUTA Conheci ainda moço, tocando nos bailes da Cidade Nova, Estacio de Sá, e muitos outros logares. Não era destes primorosos, conhecia pouco musica, mas mesmo assim dava prazer nos logares onde tocava. Gostava de tocar em bailes onde houvesse gordos pirões, acompanhado de bellas bebidas. E se assim não fosse dava o fóra dizendo que não foi feito para passar ginja. Olegario foi em 89 servente na 4ª Secção dos Correios, abandonando o logar, dedicou-se ao forum, tirando carta de solicitador. Este heroe do chôro falleceu a poucos annos. AGAPITO Chorão de marca, tocava com primor as musicas de chôro. Em bailes e festas era agradavel ver soprar a sua maviosa flauta. Então as musicas Callado, Viriato e Luizinho eram suas predilectas. Foi aprendiz do grande luminar da musica Cupertino, que felizmente ainda vive. Agapito é morto [088] ha alguns annos deixando muitas saudades a todos nós, chorões. THOMAZINHO Foi grande flauta de seu tempo, tocava com grande agrado para todos. Este chorão sabia entrar em uma sala, pois – 116 – ficava logo estimado, pela maneira sublime que agradava immensamente. Hoje é reformado da Marinha, o que julgo tambem dos chôros, pois já se acha cansado pela idade. Thomazinho era grande amigo de Ismael Brasil grande trombonista já neste livro por mim descripto. PEDRO DE ASSIS Tambem luminoso flauta de sua época. Tocava com alma, e que bem poucos o imitavam. Conhecia musica a fundo. Tocava o classico, e tambem o chôro de todos aquelles immensos flautas já por mim descripto. Pedro de Assis era de uma educação finissima, tambem um companheiro distincto, e muito querido de seus companheiros de musicas e dos que tiveram a felicidade de conhecel-o. Se não me falha a memoria, pelas informações que tive a muitos annos, foi alumno do grande mestre Duque Estrada Meyer, que tinha nelle um discipulo de extraordinario valor musical, pois aprendia com muita felicidade as lições passadas, o que muito agradava a Meyer, que muito o estimava, e o considerava. Pedro de Assis, gostava muito dos chôros de Callado, Viriato, Silveira, Luizinho, e muitos outros daquelles tempos. Em bailes e festas, muito tocou, e era um primor ouvil-o, pela sua graça, e bom gosto. Infelizmente este grande flautista como seus companheiros ha muitos annos já desappareceu do meio dos vivos. RAYMUNDO FLAUTA Era tambem um flauta respeitado, conhecia bem a musica, e por isto tocava com primor e bom gosto. Era seresteiro de verdade. Rarissimo – 117 – era o dia que Raymundo não tivesse um chôro para tocar, pois era muito conhecido na roda dos acompanhadores daquella época, e que sempre o chamavam! tal a sua maestria no gosto pelo chôro. Era um amigo dedicado, de uma educação natural, que o fazia muito estimado. Compoz muitos bons chôros, que deve [089] estar por ahi, no esquecimento, como elle tambem, que agora neste insignificante livro, vou procurando mais ou menos reviver a sua memoria, como de todos os seus companheiros de jornada, o que muito tem me difficultado pelos annos já passados, e os poucos ou quasi nenhum chorão daquelles luminosos tempos, par me dar conhecimentos certos, onde eu pudesse trilhar, com bastante desembaraço. Emfim este livro não faz mais do que trazer os seus nomes, e mais ou menos os seus feitos, para que os chorões, e o publico que aprecia a flauta e a musica, fiquem mais ou menos a par destes grandes luminares das festas em salões, serenatas e mais. ANNIBAL Tambem grande professor de musica. Não sei se ainda vive pois a muitos annos que não tenho delle noticias. Annibal foi intimo do sempre chorado, e lembrado dr. Mello Moraes, morava, se não me falha a memoria lá para as bandas de São Christovão. Era grande, e immenso chorão. Tive a felicidade de acompanhal-o em muitos e bons chôros na casa do grande intelectual Mello Moraes, que muito o admirava, e o estimava. Annibal, era o ensaiador do celebre Bumba meu boi, que muito gosto, e prazer deu áquella sempre chorada festa, que tanta gloria deu áqueles – 118 – bairros. Hoje julgo ter-se retirado da lucta musical, talvez cansado pelos annos, que tudo termina, nem sempre pela morte. JOÃO DE OLIVEIRA Tambem flauta do chôro, adorava um baile, como ninguem rogava aos seus acompanhadores para que delle não se esquecesse, pois era o seu fraco, tocar em bailes. Sabia tocar com alma todas as bôas musicas, que naquelles tempos existiam em grande quantidade sendo cada uma de melhor gosto. Era um bom amigo e dedicado companheiro. Não dava para traz em qualquer convite, pois tinha mesmo prazer em se exhibir nas festas conscio do que sabia. Este heróe tinha uma Fabrica de Cigarros na rua do Ouvidor, que lhe dava o necessario para viver. Tambem já dorme o somno do descanso desta vida tão cheia quasi sempre de ingratidão. [090] JERONYMO SILVA Pae do eximio musico Candinho Silva, já neste livro descripto. Era um flauta primoroso, e chorão de facto, tocava com alma e gosto os melhores chôrso que existiam na sua época. Apesar de tambem não ter conhecido pessoalmente pude pegar estas informações, com um chorão de seu tempo. Conhecia bem a musica, o que lhe facilitava tocar com grande primor e arte. Deixou muitas bôas composições que devem existir nas estantes dos bons flautistas, que ainda felizmente temos. IGNACINHO FLAUTA Foi profissional no chôro. Não podia ver defunto que não chorasse. Era muito querido de seus companheiros musicistas, – 119 – que não o deixavam parar. Em bailes que tocasse ficava logo intimo, pois era um folgazão de marca maior. Tocava bellos e ternos chôros, que faziam o encanto dos salões. Era muito brincalhão, e fazia muitos trocadilhos engraçados, fazendo assim, risos. Foi companheiro dos bons, amigos dos que com elle privavam. Gostava muito dos pagodes que houvesse grude, como elle chamava a farta mesa. Morreu já ha annos deixando grandes saudades, que ainda hoje perdura nos que o conheciam. PORTO JUNIOR Flautista de respeito, tocava com grande primor e arte, era muito considerado, não só na roda dos flautistas, como tambem nos grandes e pequenos salões onde tocava. Conhecia musica como gente grande. As musicas por mais difficultosas que fossem, tocava com a maior facilidade, mesmo de primeira vista, tocava tambem o classico com grande desembaraço. Nos bailes e festas que tocasse era um diplomata, de uma educação finissima, tornando-se agradavel a todos, que delle ficavam amigos. Infelizmente já tambem não existe, deixando muitas saudades. JUCA TENENTE Era tambem chorão de fama, pois, apesar de não tocar por musica, o que conhecia tocava com alma. Apesar de tocar musicas faceis e poucas, sempre arremediava em chôros, onde fosse impossivel na occasião arran- [091] jar-se um dos bons. Este chorão morou muitos annos em São Christovão, e era motorneiro da – 120 – Light. Era distincto amigo, não dava para traz a qualquer convite desde que houvesse os competentes pitéos acompanhados dos grandes molhos. Este bom companheiro, tambem já dorme o somno eterno, por uma tuberculose, deixando muitas saudades, e mesmo lagrimas de todos que como eu, muito o conheci, e com elle privei, não só em bailes, festas e até serenatas, de que elle era um batuta respeitado, não só em São Christovão onde morava, como na cidade nova, Estacio, Catumby, Morro de São Carlos e Rio Comprido, etc. GENERAL GASPARINO Musico de cultura, e valor. Era professor de flauta e de grande saber. De uma educação finissima e posição elevada. Occupou cargo de grande responsabilidade. Nos seus labios a sua flauta era um primor, conhecia bem as musicas dos velhos chorões, que tocava com grande facilidade, conhecia tambem o classico com grande maestria. Tem em diversos cadernos de alguns chorões, composições suas de alta belleza. Infelizmente tambem como muitos de seus companheiros já dorme o somno eterno. Felizmente ainda tenho em meu archivo uma bella e chorosa polka, com o nome "Ipibiana". JUSTO VARGAS Eximio flautista e melodioso chorão. Descendia de uma distincta familia Vargas, moradora no lugar denominado "Coelho", em S. Gonçalo. Era infelizmente cégo, porém, de finisimo trato, typo bonito e sympathico, por esta razão era sempre rodeado – 121 – pelo bello sexo. Além de ser um bom executor de flauta era tambem professor eximio, muito considerado, não só na roda dos flautistas, como tambem nos grandes, e pequenos salões onde tocava. Conhecia musica como gente grande. As musicas por mais difficultosa que fosse, tocava com a maior facilidade, mesmo de primeira vista, tocava também o classico com grande desembaraço. Nos bailes e festas que tocasse era um diplomata, [092] de uma educação finissima, tornando-se agradavel a todos, que delle ficava amigo. Infelizmente já tambem não existe, deixando muitas saudades. PEDRO SACHRISTÃO Grande flauta de cinco chaves, toquei tambem com este heroe do choro, em Nictheroy na rua da Soledade em casa de um sr. Guimarães que vendia bilhetes de Loteria. Pedro era um bello moço, muito amavel, e modesto. Era naquelle tempo, sachristão da Igreja de Santo Antonio, que ainda hoje existe, na rua de S. Lourenço. Com elle fiz tambem muito bôas serenatas ao luar, se não me falha a memoria julgo já ser fallecido. O GRANDE PROFESSOR DUQUE ESTRADA MEYER Impossivel me é descrever, a grandeza, e a sublimidade deste grande professor. As suas glorias foram tantas e tantas, que só com muitas lagrimas pode-se dizer a sua vida, como immenso maestro que foi o nome acima. Foi um genio na musica, conhecia theoria como poucos, a sua flauta em seus labios não tocava mas chorava. Não só conhecia os grandes choros dos – 122 – immensos flautas já por mim descripto, como tambem o classico. Tocou em muitas orchestras, sendo admiradissimo, pelos maestros daquella época. Meyer era um genio alegre, e folgazão, de uma educação finissima, exemplar pae de familia. No chôro quando tocava as musicas de Callado, Viriato Silveira, Luizinho, e outros, fazia com alma sentimento e graça. Foi grande amigo dos chorões acima, mas tinha uma grande predilecção pelo sempre chorado musico Callado, pois quasi sempre tocavam juntos. Callado em attenção a esta grande e bondoza familia, escreveu uma quadrilha dedicada á mesma, que botou o nome de Familia Meyer que é um primor de arte, e que tenho em meu archivo como uma joia inesquecivel. Essa familia qua- [093] si toda de bons musicos era admirada por todos. Pelas informações por mim colhidas, parece existir uma pessôa desta distincta familia, que como Meyer, é tambem grande executor de flauta, que infelizmente não tenho a felicidade de conhecel-o, e ao contrario, talvez pudesse descrever essa grande gloria brasileira, com maior perfeição. Aqui fica mais ou menos descripta a vida musical e pessoal deste grande musico, para a gloria dos flautistas d'agora, e dos que vierem para melhor conhecer essas glorias que o tempo, não trarão mais. HONORIO DO THESOURO Quem nesta capital não conhece este grande chorão. E' um flauta primoroso, conhece bem a musica. Conhece todas as composições dos chorões por mim descripto, especialisando– 123 – se nas de Candinho Silva. Honorio morou, ou mora nos bairros de Villa Isabel. Foi chorão de facto, é exemplar chefe de familia, amigo de uma superioridade immensa. No chôro em que toca é um bamba dos bons. Toca sabendo dizer na sua flauta maravilhosa o que sente. Acompanhei-o muitas vezes e sei o que elle vale. Agora não sei se ainda é o bamba de outros tempos mas julgo que não, pois os janeiros talvez não deixe fazer as proezas de uns quinze annos atraz. Porem tenho a certeza se bolirem com este heroe, ainda não dá para traz, sabendo dizer na sua flauta o que sente. GODINHO Conheci-o como mestre da bando do Corpo Militar de Policia da Côrte. Era muito intelligente, e regia a banda com grande maestria, chegando a galgar o poisto de alferes, nome que que se dava naquelle tempo, o que hoje equivale o de 2° tenente. Godinho era muito estimado pelos seus superiores, e tambem pelos seus subordinados. Morreu já a bastantes annos deixando muitas saudades e lembranças. O instrumento de Godinho era flautim que manejava com arte. [94] OS CHÔROS ANTIGOS Vou aqui descrever as antigas festas obrigadas aos bons e afamados choros daquelle inesquecivel tempo, pois são para mim grande transmissor de saudades. Como eram as festas da casa do Machado Breguedim, na Estação do Rocha, Machadinho, como era conhecido era um flauta de nomeada, os choros organisados em sua residencia – 124 – eram fartos de excellentes iguarias e regados de bebidas finas; sendo um alto funccionario da Alfandega era financeiro, por isto fazia grandes economias para gastar em suas festas, onde reunias os musicos seus amigos. As festas em casa do Machadinho, se prolongavam por muitos dias sempre na maior harmonia de intimidade e enthusiasmo eram dignos de grande admiração os conjunctos dos chorões que se succediam uns a outros, querendo cada qual mostrar as suas composições e o valor de suas agilidades mecanicas e sopro aprimorado. E assim eram as festas da casa do inesquecivel Machado Breguedim. ADALTO Este morava tambem nos suburbios e as suas brincadeiras eram realisadas com chorõe escolhidos tomando parte Anacleto de Medeiros, Luiz de Souza, Lica, Gonzaga da Hora, José Cavaquinho, Galdino Barreto, Mario, Irineu Batina, Carramona, Néco, José Conceição, Luiz Brandão, Horacio Teberge e muitos outros, daquella época. O Adalto, foi pessôa grata e de confiança do Marechal Floriano Peixoto, que ao terminar a revolta de 93, mandou que elle, escolhesse um bom logar em uma secretaria de Estado, opinando elle, para a de Correio de Ministro tal era a sua modestia e desinteresse por dinheiro, Adalto era exemplar chefe de familia e um amigo sempre prompto a servir a todos. Os choros em sua festa tambem se prolongavam sempre dentro da ordem, do respeito e da alegria. Para findar esta apologia direi: O Adalto era um apaixonado do chôro que desappareceu marcando a sua época. – 125 – BARÃO DA TAQUARA Havia tambem uma tradicional festa promovida pela flôr dos chorões de Jacarépaguá, na fazenda do Barão da Taquara, [095] por elle organisada que durava muitos dias, festa esta que repercutia como um encanto nos lares de todas as familias pois já vinha a muitos annos fazendo parte no programma orçamentario do Barão, este que era tambem um grande admirador de choros e serenatas. Tambem elle fazia todos os annos uma grande estadia na Ilha do Pontal, de sua propriedade, aonde se comiam bôas peixadas, nesta estação em que o Barão veraneava com sua Exma. familia os chorões de sua intimidade acompanhavam fazendo parte integrante de sua comitiva. PONTO DOS CHORÕES Foi nesta quadra primorosa que imperava o chôro nas festas de Santo Antonio, São João, São Pedro e Sant'Anna. Nos anniversarios, nos baptisados, nos casamentos, os grandes chorões eram procurados em pontos certos, no Cattete, no Botequim da Cancella, no Matadouro, no Estacio de Sá, na Confeitaria Bandeira, no Andarahy, no Gato Preto e no Botequim Braço de Ouro, no Engenho Velho, no Botequim do Major Avila, no Portão Vermelho, no centro da cidade, numa vendinha que existia no Largo de São Francisco esquina da rua dos Andradas, e na Confeitaria do velho Chico, que ficava do lado oposto eram nestes estabelecimentos que se reuniam os grandes valentes como foi "Bocca Queimada", Tres Tempos, Israel, Pernambuco, Augusto Mello e muitos outros conhecidos como – 126 – flor da gente, tambem faziam paradas ahi os franciscanos, que festejavam neste largo a data gloriosa de 2 de Abril dia de São Francisco, onde muitos delles sahiam com sinos. Tambem eram encontrados muitos musicos chorões que combinavam bôas patuscadas. O COIMBRA DO TROMBONE Foi este, convidado um dia para um chôro em casa do seu compadre onde se realisava um baptisado. O Coimbra que era devoto de Santa Rita, e antes de ira para o chôro ajoelhou-se deante da Santa Rita, pedindo que não o deixasse beber, pois quando elle bebia ficava impossivel de se aturar depois do pedido tocou o Coimbra para o pagode, na sua chegada teve grande recepção como era de esperar, muita comida, muitas bebidas, muitas saudações, o nosso Coimbra, não pôde resistir, começou a comer e a beber as paginas tantas já não soletrava [096] "Cascadura" não conhecia ninguem, aconteceu que para voltar para casa foi necessario que seu compadre que era Guarda Municipal, chamasse um carregador para carregal-o para sua residencia! Na hora da sahida sua comadre entregou ao dito carregador uma duzia de ovos para sua senhora depois de muito custo chegou em casa o Coimbra, tomando das mãos do carregador a duzia de ovos, foi direito ao quarto onde estava, jogando todos os ovos na Santa, blasfemando por não ter sido attendido no seu pedido. Emquanto se passava esta scena de sacrilegio, o chôro continuava em cas do compadre lá para as bandas da rua Machado Coelho. O Coimbra, era pae de um moço que tornou– 127 – se um grande chorão no violão, já fallecido. Eu privei muito com o Coimbra, uma occasião encontrei-o no Estacio de Sá, e começamos a tomar umas "lambadas", as paginas tantas já estavamos cercando frango. O Coimbra neste tempo morava na rua de São Carlos, levou-me para sua residencia para mostrar-me uma linda criação de porquinhos da india, pegando os pobres bichinhos pelo cangote virava de pernas para o ar para mostrar o sexo, e com grande compreensão nervosa motivada pelo uso do alcool, matou quasi todos! passaram-se ainda outros episodios com outros personagens. Em uma occasião depois de terminado um chôro botaram dentro de uma carroça da Gary este chorão, por ter abusado extraordinariamente das bebidas tornando-se inconveniente no pagode, e tendo sido tomada esta medida para a moralisação dos chorões, afim de que não se reprdoduzisse scenas identicas, pois quando um componente da troupe dos chorões desrespeitavam algum amigo entre elles, o "cabra" era repudiado e dispensado com todo deferentismo por seus companheiros de conjuncto. CHORÕES ANTIGOS Os musicos na sua maioria faziam ponto nos chás de musicas da rua dos Ourives, 50, de propriedade de Buschhman Guimarães e Bevilaqua, e Moreira, á rua Gonçalves Dias, e tambem no Cavaquinho de Ouro, á rua da Carioca, e Rabéca de Ouro na mesma rua. Nos botequins encontravam-se os malandros chorões, cantando mo- [097] dinhas e assobiando, ao ouvido – 128 – de outros predilectos do chôro. E assim compunham musicas de inspirações e melodias, que satisfaziam os apreciadores das explendidas serenatas ao luar, onde os harpejos dos violões as notas sonoras da flauta, e vibrações do cavaquinho, despertava os moradores de todo o quarteirão, abriam-se as janellas, e as portas das moradas, dando entrada ao conjuncto que formavam os choros até mesmo dos penetras que em todos os tempos jámais perderam a vasa, improvisava-se então o baile, e os comestiveis feitos a La minuta. Os chorões daquella época, era uma familia, tal a união que existia entre elles, e o devotamento que tinham dos seus instrumentos, e o respeito as familias que os acolhiam em seus lares, com estima e simplicidade. E assim correram os tempos cheios de saudades desses modestos compositores de musicas alegres, e saltitantes, portadores de inesqueciveis recordações, deste passado que estamos tentando descrever, como uma homenagem e esta prole de musicista brasileiros que repercutiram, repercute, e repercutirão na grandeza, na belleza dos nossos antigos musicos. HENRIQUE MARTINS Foi alumno do Collegio dos Meninos Desvalidos. Companheiro do Romeu e do saudoso Paulino Sacramento e de muitos outros grandes musicos. Conheci-o como subdirector de harmonia do Ameno Resedá, como um grande disciplinador de harmonia, fazendo cousas impossiveis com o seu trombone e bombardinonos contra-cantos da marcação do bombardão do inesquecivel Gonzaga. Henrique é hoje um professor de musica que ornamenta as – 129 – orchestras constituidas de musicos nacionaes e extrangeiros. E' um artista sincero, modesto, simples e de fino tratamento por isso muito estimado pelos seus collegas de classe e pelos chorões da velha guarda. SATURNINO Quem não conheceu nos suburbios, o distincto amigo e bom companheiro que foi Saturnino. Era eximio tocador de flauta, executava a mesma, de admirar. Nos suburbios, bailes [098] que houvesse, Saturnino estava sempre firme como sentinella avançada, sempre prompto para o combate. Nos pagodes onde tocava fazia graça, pois era um pandego de força. Elle tocava todas as composições dos grandes flautas, já aqui descripto atraz de um papo de peru recheiado. Era um gato do matto para gostar de gallinhas, em porquinho nem se fall. Ia longe. Era bom e sublime musico com o já disse e companheiro dedicado gostava muito, de um enterro de ossos, nos pagodes onde tinha intimidade empenhava-se e fiscalisava a cabeça do leitão, dizendo que era para a feijoada completa do dia seguinte. HERNANDES FIGUEIREDO Infelizmente o que é bom dura pouco. A morte com seu alfange tudo corta, apaga da vida homens que se ainda vivesse, faria a maior gloria do nosso caro Brasil. Hernandes de Figueiredo está neste caso. Conhecia musica a fundo, especialisando theoria que elle conhecia como poucos. Podia-se chamar um maestro, pois tocava quasi todos os instrumentos, especialisando-se no violão, que era de um primor – 130 – como poucos seus dedos no instrumento era de ouro pois encantavam os que ouviam, como eu, que tive o prazer de aprecial-o. No seu violão, não só acompanhava, com solava admiravelmente. Muitas vezes extaziou-me ao ouvir-lhe solar operas inteiras, polkas, chotechs, mazurkas, etc. O grande Professor, sustentou uma polemica pelos jornaes desta capital, quando aqui esteve esteve o tambem immenso violão Barrios, sobre o violão, sua tonalidade, o encordoamento, e mais artigo este, que foi irrespondivel tal a nitidez e conhecimentos que Hernandes, tinha sobre a musica, e instrumentos. Falleceu repentinamente, julgo em um compartimento dos correios, quando exercendo a sua profissão, de que era um funccionario exemplar. DESIDERIO PINTO MACHADO Foi distincto carteiro de 1ª classe dos Correios agora aposentado. Era um collega distincto sobre todos os pontos, de um educação finissima. Companheiro sem igual. Excellente chefe de familia. Tocava muito bem o violão, e cantava admiravelmente, acompanhando com profissiencia o [099] que cantava, com uma vóz maviosa de tenor. Desiderio aposentou-se se a minina nota que o desabonasse, e aos seus collegas, e superiores, a sua aposentadoria deixou muitas saudades. Morava em S. Christovão, onde fazia o encanto dos lares de muitas familias, daquelle bairro em que elle era adorado, e conquistado pela sua mais que finissima educação. Falleceu a poucos tempos e – 131 – que daqui destas tocas paginsa envio a sua familia, os meus sentidos e chorosos pezames. THEOTONIO MACHADO Irmão de Disiderio, era chorão de verdade. Tocava ophicleide com grande saber. Conhecia o seu instrumento a fundo. Não só tocava com a parte á frente, como tambem acompanhava os instrumentos cantantes de ouvido. Solava quadrilhas inteiras, com uma facilidade extraordinaria, e tambem polkas, chotchs, mazurkas, etc. Deu grandes prazeres. Deu grandes prazeres nos bailes em que tocava, pois sabia fazer amigos, com os seus modos de tratar, que era attrahente. Occupava este chorão o cargo de estafeta de 1ª classe dos Telegraphos quando falleceu. CARLOS DE SOUZA LOBO – O LOBINHO Poucos serão que não conheça este chorão no piano, conhece bem a musica, e com profissiencia. Lobinho é um artista de merito, pois conhece o instrumento por dentro e por fóra. Elle além de ser bom musico, ainda faz de um piano velho, novo concertando qualquer defeito por maior que seja. E' artista não só na musica, como no concerto dos mesmos. Lobinho toca admiravelmente, fazendo encantar aos ouvintes, tal a agilidade nos seus dedos. Toca todos os choros por musica mesmo de primeira vista, tanto os compostos pelos antigos como modernos pianistas. E' distincto amigo, e collega de linha, de educação aprimorada. Pois bem, neste heroe tudo é bom. Como chefe de familia é exemplar, ninguem lhe supplanta. Mora para as bandas, do – 132 – Meyer, onde faz os encantos daquelle logar. Hoje está aposentado no logar de carteiro de 1ª classe dos Correios. ANTONICO DOS TELEGRAPHOS Era Estafeta de 1ª classe dos Telegraphos. Era um chorão de [100] facto. O seu instrumento era ophicleide, que tocava com alma, e saber. Conhecia muito musica, e por isto, era sempre chamado para tocar nas sahidas das Sociedades Musicaes, como tambem nos bailes que as mesmas desse. Além de musico que era, tocava bem de ouvido acompanhando com gosto e arte, qualquer instrumento cantante com uma belleza de admirar. Antonico quando tocava em chôro, tinha por costume encostar o instrumento a um canto, e assim ficava o instrumento com uma vóz maravilhosa, de embasbacar a todos os ouvintes. Tambem já é fallecido a muitos annos. POLICARPO FLAUTA Muito o conheci e com elle muito toquei em bailes, alli pela Cidade Nova, Catumby, Rio Comprido, Estacio e muitos outros logares. Não era grande musico, mas o que tocava era sublime. Executava com grande perfeição as musicas dos velhos tocadores daquelles tempos. Era dos taes que gostava de dobrar nos pagodes, afim de encher no enterro dos ossos, de que elle adorava. Não se fatigava de tocar, pois quanto mais tocava, mais vontade tinha. Era um pandego de força, tinha muito boas pilherias de fazer risos. Comia bem e gostava de uma abrideira, acompanhada depois com boas Cervejas e vinho. Já é fallecido. – 133 – CARNEIRO E' official de Justiça de uma das Pretorias criminaes. Muito choros toquei com o Carneiro, elle de violão, e eu de cavaquinho. Frequentei muito a sua casa, e lá com Oscar Cabral, de flauta, Carneiro de violão, e eu de cavaquinho, fazia-mo os encantos da rua Wencesláu, onde Carneiro morava. Carneiro é um dos velhos violão, que conhece com a maior facilidade todos os choros dos antigos chorões. Hoje já velho e cansado, acha-se um pouco retirado, mas mesmo assim, se bulirem com elle ainda faz preludios de admirar. JULIO ASSUMPÇÃO Quem não conheceu o Julio de Assumpção o grande palhaço de circo de cavallinhos que fazia vibrar as platéias com seu mágico violão? Cantando modinhas e ludús, apimentados, e humuristicos. Quando entrava [101] no picadeiro, era acclamado pois sabia dizer com graça e verve os trocadilhos pilhericos que a todos faziam rir. Julio de Assumpção foi aprendiz do palhaço Polidoro de gloriosa memoria. Era da turma de Eduardo das Neves, Benjamin de Oliveira e Mario Pinheiro e muitos outros. Era distincto amigo e respeitado, lá pelos lados do Andarahy onde falleceu por ter comido um bello surucucú ensopado. Tendo ficado o seu corpo todo chagado, pagando assim bem caro a sua imprudencia. Muito toquei com elle pois era explendido companheiro, pois cantava bem e tocava melhor. OLIMPIO (CONDE DE – 134 – LEOPOLDINA) O heroe acima era conhecido por este appelido, por ser muito vermelho, e dar uma pequena apparencia com o grande capitalista infelizmente tambem fallecido. Olimpio era um farrista de fama. Tocava pouco violão, mas a sua guela era brilhante sem jaça. Cantava uma noite inteira, sem repettir. A sua vóz era uma maravilha ouvir-se, pois tinha a tonalidade de baritono. Cantava todas as modinhas daquella época que não vae longe com um sentimento de bom gosto, e digna de se apreciar. Falleceu como carteiro de 1ª classe dos Correios, onde prestou bons e reaes serviços, como collega e amigo, ninguem o supplantava, como chefe de familia era exemplar, emfim deixou seu nome esculpido no coração de cada carteiro que o venerava, e tambem os que o conhecia. BARATA Quem dos velhos chorões, não conheceu este astro de superior grandeza. Tocava este genio, ophecleide posso quasi garantir que naquelle tempo ninguem o igualava. Era musico de primeira agua, tocava com grande facilidade qualquer parte que lhe désse. Foi professor de grande valor. Ensinou musica a muitos, não só aqui nesta Capital, como tambem nos Estados. Foi chamado para reger uma banda de musicos no Estado do Rio, e para lá indo pouco durou, pois a morte o surprehendeu quando no apogeu da gloria. Barata não só conhecia com profissiencia a musica, com tambem acompanhava o chôro de ouvido, de fazer extase, tal a sua maestria no seu ophicleide. [102] – 135 – AGOSTINHO GOUVÊA Artista sublime na musica. Seu instrumento predilecto, e oboé, que conhece a fundo é com grande maestria. E' maestro de primeira agua e professor do Conservatorio de musica. Tocou muito em grande orchestra onde era respeitado pelo seu saber. Como amigo ninguem o supplanta, pois é de um tratamento aprimorado. E' regente de grande nomeada, fazendo a admiração dos que o apreciam. MAJOR ROCHA Conheci-o no antigo Corpo Militar de Policia da Côrte, onde na banda era um ophicleide respeitado. Rocha com a sua capacidade e vasta intelligencia, galgou o posto de major e mestre de todas as bandas da Policia Militar. Era grande amigo dos seus commandados, tratando-os todos com a maior distinção. Reformou-se no posto acima onde morreu a poucos annos. Deixando grande saudades a todos que tiveram a felicidade de conhecel-o. PORFIRIO LEFEVER Era grande musico, tocava bombardão, no Club Independencia Musical, sociedade esta que existia na Rua de S. Christovão canto de Miguel de Frias, sendo mestre desta banda, e um grande professor, que tocava todos os instrumentos, mas sendo o seu predilecto o clarinette. Chamava-se este professor João Maia, morando lá pelos bairros do Andarahy. Porfirio além de tocar bombardão, tocava tambem bombo, caixa e ferrinho. Porfirio era muito mentiroso, andava sempre com as suas mentiras, fazendo muitas vezes – 136 – fuzuê entre os musicos, e até no centro da familia de sua mulher. Era muito preparado, conhecendo bem o portuguez, o francez. Era de uma habilidade impossivel de descrever-se. Para elle não havia nada impossivel, pois qualquer serviço por mais difficultoso, elle fazia. Com um pequeno canivete bem amoladinho por elle, confeccionava palitos, de uma belleza sem par. Figas de arrudas e guiné de uma perfeição admirada, fazendo nos dedos anneis, pulseira, etc. Gostava muito nos bailes em que ia tocar, de comer a farta, e beber melhor. Ensinou a muita gente a ler e escrever, a muitas crianças, e homens, que pella difficuldade monetaria, não podia vir a um col- [103] legigo na cidade. Felizmente desaparecendo esta anormalidade com a moradia alli, do sempre lembrado, chorado e humanitario Dr. Adolpho Bezerra de Menezes, que sendo Presidente da Camara Municipal, abriu na Estrada Velha um Escola denominada Escola Mixta de Nossa Senhora das Dôres. Tendo sido sua primeira Directora se não me falha a memoria D. Alcina Carneiro de Queiroz, muito habilitada, de grande pasciencia, e de um trato finissimo, não fazendo selecção de pessoas. O autor deste livro foi seu alumno, e um dos primeiros, e tambem os filhos do Dr. Bezerra de Menezes, que eram o Octavio, apellidado em familia Barão, e que felizmente de vez em quando, nós encontramos e ainda nos relembramos dos tempos de criança que tantas recordações alegres nos trazem. Tambem frequentava a Escola suas irmãs Sinhazinha, Zizinha, e Yáyá, que ainda me sôa nos ouvidos, quando no seu piano, dedilhava – 137 – com muita graça, e harmonia. A Lucia de La Memour. Infelizmente os principaes componentes desta mais que distincta familia já estão com Deus, praticando lá a caridade. PAULO ESTEVES Qual o velho carteiro que não conheceu o bom do Paulo? O personagem acima era chorão viciado, não podia ver defunto que não chorasse. Chegava a indagar onde existia um chôro, para elle metter os peitos. E assim era raro o collega que não chamasse o bom do Paulo, para fazer força, em festas que muito dava os carteiros naquelles saudosos tempos, que hoje ao lembrar-me as lagrimas me rolam pelo peito abaixo. E Paulo satisfeito, lá ia com seus instrumentos que era flauta, e ophecleide qualquer dos dois tocava regularmente, fazendo prazer nas festas onde tocava. Paulo, foi carteiro, tendo sido exonerado por abandono de emprego, pois o chôro fez esquecer os seus deveres.. Tambem já falleceu. JULIO BEMÓL Conheci-o e muito privei com este chorão. O seu primeiro instrumento foi ophecleide que tocou admiravelmente, acompanhando os grandes flautas daquellas épocas. Mais tarde passou aprender flauta que aprendeu com facilidade, pois era muito intelligente. Bemól foi conteporaneo de [104] Callado, com quem muito tocou. Tambem tocou com Rangel, Luizinho, Viriato, que eram naquelles tempos Batutas. Aqui deixo seu nome para gloria dos chorões de agora. SARGENTO VELLOZO – 138 – Era Sargento da antiga Escola Militar, Bahiano da gemma. Cantava admiravelmente. E todas as suas modinhas, era feita por elle, não só fazia a musica, como tambem os versos, modinhas estas, da maior difficuldade os seus acompanhamentos. Vellozo, de vez em quando, dava um passeio a Bahia, e levava para outros tocadores de lá, as modinhas difficultosas para os de lá cahissem, afim de vingar-se, por outras tambem difficultosas, que lá cantavam para que Vellozo tambem cahisse. E assim Vellozo levou muitos annos para lá, para cá, nessa teimosia sem fim, só deixando com o seu fallecimento. Tentei muitas vezes acompanhar as suas modinhas, porém, isto sempre me foi impossivel, tal a sua difficuldade. Não fui eu só o christo, neste ponto muitos violões superiores a mim tambem passaram por esta decepção. E assim finalizou-se este chorão que não sei se o glorioso Estado terá igual. CANTALICE Foi musico de fazer vibrar corações com o seu admiravel violino. Tocava com muita alma, gosto e saber. Conhecia muito bem a musica, que tocava com grande facilidade, e maestria. Nos chôros que tocava era de embasbacar, tal o embellezamento que elle fazia naquelle já velho instrumento. Solava muito bem, as polkas, valsas, chotiche de Callado, Viriato e Rangel, que elle adorava-os. Solava quadrilhas inteiras de fazer encantar. Acompanhava qualquer cantante, com alma e sentimentos. Muitas occasiões me dizia, que a musica é como a morte, precisa fazer tristeza, – 139 – para ter effeito, e outras vezes, deve ser ao contrario, para fazer alegria, natural, o que alguns musicos não comprehendia. Tocava com a parte a frente mas faltava-lhe alma que é o necessario nestas occasiões. Contalice, morreu já um pouco alquebrado pelos annos, mas mesmo assim não fi- [105] cava devendo nada aos moços, que muito o admirava. AMERICO JACOMINO (O CANHOTO) Infelizmente tambem já fallecido a poucos temos no glorioso Estado de S. Paulo, deixando o maior sentimento em todo Brasil. Jacomino, foi uma estrella de alta grandeza, e immenso brilho. Bem poucos violãonistas, serão capaz de igualar a Jacomino, pois era de uma admiração extrema. Jacomino nas cordas de seu violão, fazia coisas impossiveis, encantava aos seus ouvintes, não só pela agilidade, como pela sua profissiencia no instrumento por elle magistralmente manejado, com facilidade enorme. Solava como poucos, era de invejar a sua electricidade, nas cordas do seu mavioso violão. Acompanhava muito bem mesmo de ouvido, pois conhecia e tocava por musica. Compoz diversos choros, que é de uma belleza sem igual, e que de vez em quando pelo radio, todos nós escutamos com o maior prazer, arpejados por outros bellissimos e encantadores violões que tocam no Radio. O musicista acima era de uma educação finissima, o seu tratamento encantava a todos que com elle privasse. Daqui destas poucas linhas envio ao grande Estado de S. Paulo os meus sentidos pezames por esta perda irreparavel, e impossivel – 140 – de substituição, pois era uma gloria brasileira. VERÇOZA Foi carteiro de 2ª classe dos Correios, era collega distincto. Tambem muito amigo dos seus companheiros de farra. Verçoza, era um inveterado no chôro. no correio onde trabalhava, todos os collegas quando dava uma festa, convidavam para tocar o seu mavioso violão, tal o saber e gosto, pelo instrumento que tocava com grande facilidade, que todos muito o apreciava. Tambem era solista de fama, que fazia a admiração de todos que o escutavam. Acompanhava os cantantes com uma habilidade de espantar, tal a ligeireza de seus dedos, e bem assim os bellissimos accordes que elle conhecia magistralmente. Cantava tambem as bellas modinhas e lundús, que fazia extasiar os que o apreciava. Emfim, de Verçoza tudo se aproveitava, pois tudo nelle era bom. Tambem já fallecido a bastante annos. [106] BILU' VIOLÃO Caboclo dos bons. Bilu' foi chorão tambem de facto. Não podia ver uma flauta fazer seus preludios que não ficasse em cocegas, para meter-se no conjuncto, e metendo-se, era um delirio! agarrava-se ao violão fazendo nos seus dedos os gemidos ternos nas cordas de seu mavioso instrumento. O heroe acima, não só acompanhava, como solava, e tambem cantava bellas, e ternas modinhas, de fazer a gente babar, tal era, o gosto que elle tinha pelas modinhas, quando acompanhadas por elle, pois fazia accordes de embasbacar. Era excellente amigo, e admirador de seus – 141 – companheiros, como elle farrista. Privei muito com Bilu', e sei o quanto elle valia. Já é fallecido a uns 18 annos pouco mais o menos. MODINHA (Um dia Louco) Aqui neste livro vou tentar descrever uma modinha, que além de muitas outras, era bastante apreciada nos salões daquelle tempo, onde houvesse um chôro. Peço aos que lerem a mesma, disculpar a falta de alguma palavra, de menos ou de mais. E' tanto a bôa vontade de servir condignamente aos bons musicos chorões d'agora, esforcei-me o que pude, para satisfazer aquelles, que este livro lerem. Esta modinha que aqui escrevo tem o nome de Um dia louco. Um dia eu louco, no rumor sem pouso Teu nome santo, n'um sepulchro eu li E sempre, sempre, com sorrir nos labios, Ao lêr teu nome, maldição sorri. Desrespeitei-te sem horro sem peijo Com indiferença neste meu sorrir E do sepulchro, que te guardo o resto Um só queixume não ouvi sahir. Ai! se eu pudesse de joelhos em terra Beijar teu nome nessa louza escripta Sentir as dôres que os remorsos findam Pranto no peito do infeliz proscripto Sim de prescripto desses gosos santos Em que meus braços, sem saber fruir... E que não posso recordal-o agora Sem dôr, sem maguas, sem chor a r [por ti. Porém agora que suspira o peito. E que meus prantos, já voltou tambem! Sinto as saudades despertar minh'- [alma Sinto os remorsos que ferir-me vem. Mas estes prantos que me cahe das [faces, Se infiltram todo neste impuro chão! Ai! quem me déra de joelhos em terra Entre soluços te pedir perdão. Esta modinha no meu tempo de moço, que muito, a mesma cantei, e por mim mesmo acompanhada com grande sentimento, o tom que fazia era de ré menor, e neste tom, não só ficava favoravel a voz, e mesmo – 142 – este é muito melodioso. E assim fazia-se os encantos dos lares, embasbacando aquelle conjuncto de moças, que naquelle tempo apreciava doidamente as nossas modinhas quando havia bella voz, e bôa harmonia nos instrumentos, que agora vive no esquecimento. CHICO BORGES Como era conhecido o heroe acima. O violão nos seus dedos era um hymno de encantar. Fazia no violão coisas de supplantar. Tocava todos os tons com sublimes accordes, fazendo encantos de admirar. Solava os chôros antigos com uma perfeição e belleza. Acompanhava com grande perfeição qualquer instrumento cantante. Os seus dedos eram uma seda finissima nas cordas do violão. O heroe era farrista de verdade, não se negava a um convite, mesmo não havendo o competente mastigo. Em pagodes que ia tocar, gostava de comer bem, especialisando o bom, e gordinho leitão assado, com a competente batata na bocca, e azeitona nos olhos, era para elle, um regallo. Foi distincto collega, como estafeta dos Telegraphos e carteiro dos Correios. Tendo abandonado o serviço, foi por isto exonerado, tal era o seu prazer pela farra, que tudo fazia esquecer neste mundo de meu Deus. Falleceu a uns 20 annos. MONDEGO E' carteiro aposentado dos Correios. Foi sempre um companheiro de linha. Mondego entrou para aquella Repartição como servente, e com sua fina educação, amor ao trabalho, foi galgando os postos superiores chegando a carteiro de 1ª classe cargo em que se aposentou. – 143 – Mondego tem carta de professor, pelo Instituto de Musica, onde soube fazer todos os cursos admiravelmente com contentamento de todos os maes- [108] tros do Instituto. Conheço-o desde que foi mestre de uma Sociedade Musical na Estrada Velha da Tijuca onde fez grande quantidade de musicos, pois a sua profissiencia, e paciencia era de encantar. Tambem foi mestra da Banda de Musica, de uma das Fortalezas nesta Capital, pois no concurso que prestou tirou o primeiro logar. Agora mesmo, acaba de fazer um hymno a classe de carteiros, que é de uma belleza de gosto, e arte. Mondego dedicou-se ao bombardino que toca admiravelmente e com maestria. Hoje já cansado pelos annos, acha-se um pouco retirado da lucta. PASCHOAL RODRIGUES REIS Quais me pasou desapercebido este immenso e inveterado chorão, que foi no seu tempo uma estrella da maior grandez. Morava na rua Bomjardim numero 1. A casa de Paschoal, era um céo aberto. Ali reuniam-se os maiores chorões de fama daquella época como fossem. Valleriano do Couto, sublimissimo flauta e tambem seu irmão João Valleriano, o melodioso ophecleidista, já por mim descripto neste livro. O tambem respeitado ophecleidista, Suntum Alves, que era continuo da Secretaria da Guerra. Tenente Castro, tambem belissimo e sumptuoso ophecleidista o Manoel Pereira tambem violão de arrebatar, e ainda mais os grandes e – 144 – immortaes Callado, Viriato, Capitão Rangel, Luizinho e outros muitos que não me vem a mente, devido os grandes tempos já passados. Naquella casa que era uma maravilha, aprendeu tambem a tocar cavaquinho e violão, o Orlando Affonso Reis, appellidade por Zinho, filho do seu sempre chorado, e lembrado Paschoal, que foi naquelles tempos um violão e cavaquinho, de fama. Ali naquelle conjuncto de chorões só tocava o que era custoso para acompanhar. E assim vou ver se me lembro de alguns choros belissimo que se tocava. Salomé, polka de Callado. Electrisante do immenso Silveira. Familia Meyer, Quadrilha de Callado. Macia, polka de Viriato. Geralda, Quadrilha de Rangel, 12 de Agosto, Quadrila do grande Professor Antonio Pedro. Vivi, [109] do grande e sumptuoso Capitão Rangel, Policena de Callado. Como é bom, o que é bom, do grande Callado. Pagodeira, tambem de Callado. Ultimo suspiro, polka de Callado. Geralda, Quadrilha de Rangel. Camponeza, polka tambem de Rangel. Lembrança do Cáes da Gloria, polka de Callado. Sonhos do Porvir, polka de Silveiras. Queixume d'alma, polka tambem de Silveiras. Mimosa, Quadrilha de Callado. E finalmente, centenares de que não me recordo. Mas julgo outras bellas composições de que só com estas possa avaliar o que era aquelles grandes compositores, e executores daquelles saudosos tempos, que não volta mais. Emfim dizer o que era a casa do Paschoal, quasi me é – 145 – impossivel, pois alli só reinava a alegria e o bom gosto pela musica, pois, só estava bem no meio daquelles imminentes musicos, naquelle ambiente, era onde elle encontrava vida, e felicidade. Era de uma educação impossivel de descrever-se, pois alli todos eram tratados com a maior fidalguia, não só por elle como tambem pela sua sempre chorada prole. Aqui fica mais ou menos dicto, o que foi aquella casa, naquelles bons tempos. E assim nunca o gato estava no fogão, pois era farta, em tudo, e bem regada em boas bebidas. GUSTAVO E' um grande e valoroso Professor de violão. Conhece musica a fundo, e assim executa bellas peças cheias de harmonias no seu instrumento que é uma maravilha. Os seus dedos nas cordas de seu violão, faz encantos, empolga mesmo os que ouvirem. Os accordes por elle feito é de fazer extase tal a sua belleza. Tem grande quantidade de alumnos e alumnas, que já são executores de admirar. E' tambem um excellente amigo e de educação finissima. OSCAR DE ALMEIDA Bem sei que estou muito áquem para descrever os grandes e heroicos feitos do distincto amigo acima estas linhas. Oscar, como amigo ninguem o supplanta! Como chefe de familia é exemplar! A musica para elle é um sacrario, depois de Deus e familia nada elle vê em sua frente, que mais adore, que [110] seja a musica. Oscar é um manual enciclopedico, elle toca violão admiravelmente, canta de – 146 – fazer encantar as suas modinhas. Faz sentimentos a umas, e outras, alegria. Recita poesias inteiras com a maior graça e enthusiasmo. Escreve poemas admiraveis. Faz bellos versos para musicas. Já escreveu um livro com o titulo de Aturdidos que é de uma belleza impossivel de descrever-se com a minha pobre penna, o que elle vale. Oscar, já nasceu impunhando a lyra, e assim a maneja tão bem, que julgo a propria Santa Cecilia o admirar. Feliz da Patria que possue um filho tão digno e educado como o grande e immenso Oscar. Em qualquer festa que elle estiver, a mesma torna-se de uma belleza sem igual. Quando recita o seu FIEL, é de invejar, e extasiar. Quando Oscar, faz fim na poesia, os apreciadores estão com os olhos marejados de lagrimas. Todas a modinha cantadas por elle, e por elle acompanhada, cheia de bellos acordes, a gente quasi fica maluco, tal a voz maviosa que elle tem. Faz versos de improviso, que faz inveja. E' amigo que poucos o iguala. Oscar no Ameno Resedá, ao lado do grandioso luminar da musica, e poesia, Napoleão de Oliveira, que tambem é um astro, que já descrevi o seu brilho. Oscar de Almeida se immortalizou descrevendo a Quéda da Rosa musica de Bonfilho de Oliveira, dando as glorias aquella sociedade, com seu mavioso estro, escrevendo bellos versos que todos os carnavalescos, conhecem. No Recreio das Flores tambem muito elevou aquella grande, e distincta Sociedade. E assim tem sido a vida deste distincto brasileiro, que tão alto tem elevado o nome da nossa Patria, e das letras que elle idolatra. Agora já tem quasi prompto um bello livro, que vae dar a publicidade muito breve. A classe dos Carteiros deve se orgulhar de possuir um collega – 147 – de tão elevada reputação, como de intelligencia. A poucos dias fez os versos, para um hymno escripto por um nosso colega. Queria dizer mais cousas, mas me é impossivel tal o immenso valor de Oscar. A ALVORADA DA MUSICA As organizações das Bandas de Musicas nas Fazendas, para tocarem nas festas de Igrejas, [111] nos, arraiaes, longe e perto das antigas villas e freguezias, que são consideradas hoje, cidades, davam um cunho de verdadeira alegria n'aquelle meio tristonho, mas, sadio, sem instrucção, sem cultivo onde imperava a soberania dos fazendeiros, grandes nababos, chefes dos partidos politicos, liberal, e conservador. Nesta época só existiam estes dois, que eram disputados pela força do dinheiro, da vingança da traição, dos crimes, e de scenas de pugilatos pelos capangas e chefes de malta, dos partidos de capoeiragem, Nagôas e Guayamús salientados pela faca, pela navalha, pela cabeçada, pelo tombo bahiano, pelo rabo de arraia, pelo calçador e mais as infalliveis rasteiras e pantanas, e mais muitos outros golpes deste sport genuinamente brasileiro, que dominavam no tempo da Monarchia.. Os politicos d'aquelle tempo aproveitavam estes elementos fazendo de seus chefes, cabos eleitoraes verdadeiros "leões de chacara", distriudores das urnas eleitoraes em defesa de suas eleições, defendida deste modo, pela flôr da gente como eram conhecidos pelas tropas partidarias. Guerriavam pela conquista da victoria de seus partidos sangrentos, chefiados pelos ambiciosos, orgulhosos, e – 148 – carrascos fazendeiros. Em taes Fazendas haviam Bandas de Musica composta de escravos, e d'ellas sahiram muitos musicos notaveis, que se identificaram com as harmonias dos seus instrumentos. A musica rude das passadas éras da escravidão, do eito, onde o feitor de bacalháu em punho tinha os fóros dos Cerberos infernaes. Foi depois destas organisações de Bandas de Musica, que se foi definando as iras dos Fazendeiros, que afrouxaram as algemas e os grilhões das correntes de martyrios dos infelizes escravos. Tal, foi a magia das notas maviosas da musica que conseguiu abrandar os duros corações dos grandes escravocratas, transformando em alvorada de alegria as senzalas, que começaram a serem illuminadas pelo brilho da estrella da Redempção, e os Abolicionistas, n'uma inspiração divina começaram a adubar o canteiro do amôr e da igualdade, onde foi plantada a semente da flôr da Liberdade, regada e cultivada pela mão dos grandes obreiros, esse bella apotheose que foi a Lei Aurea de 13 de Maio de 1888. A Princeza Isabel, a Redemptora, abriu com chave de [112] ouro as portas da nossa civilização e indicou ao Brasil o caminho da prosperidade dandolhes um novo rumo como o pioneiro do Continente Sul- Americano, a terra do Cruzeiro do Sul com os seus formidaveis e inegualaveis encantos com os seus vergeis de campinas e mattas virgens circundadas de montanhas avelludas de verde, que extasiam e surprehendem, de admiração á todos os nossos visitantes que inspirou neste deslumbramento da Natureza o nosso Alencar que escreveu os encantos de Iracema e a valentia – 149 – do nosso Indio, e que Carlos Gomes teve a feliz inspiração de transportar para a arrebatadora partitura do Guarany ! Eis aqui a conclusão da segunda parte do meu livro onde descrevi sem o minimo resentimento os personagens de muitos chorões só no intuito de valorisal-os. E se muitas vezes de passagem toquei nas vidas intimas de algum d'elles foi tão somente, relembrando factos historicos que me ocorreram sem a minima malicia de offendel-os pois me foi necessaria assim proceder para dar o cunho real no perfil de cada um só tendo em mira enaltecer factos e costumes de todos os chorões dentro do thema que iniciei e architectei em reviver o passado destes distinctos companheiros musicistas que se achavam esquecidos, porém, descrevi-os dentro dos limites da veneração e do respeito pois não podia eu de modo nenhum descrever um mundo de saudadse sem me intervalinhar com a minha humildade perante as grandezas artisticas valorisadas nos feitos de cada um destes grandes protagonistas da musica. Com estas minhas tôscas linhas pretedendo desfazer qualquer um juizo máu que porventura possa se fazer de mim, ficando deste modo desfeito as maledicencias que, por um acaso possam ser dirigidas irreflectidamente por espiritos malevolos, na certeza que só primei na elevação de fazer surgir os feitos dos meus saudosos companheiros inolvidaveis, que se foram, e patentear uma homenagem e um verdadeiro exemplo de confraternização aos chorões d'agora. A "QUADRILHA" A quadrilha, era uma dansa figurada com cadencia de seis por oito e dois por quatro no – 150 – compasso. Os seus melhores escriptores foram o inesquecivel Barata, o sempre lembrado Sil- [113] veira, o Saudoso Metra o inolvidave Anacleto, o immortal maestro Mesquita e muitos outros. Esse estylo de dansa, traz saudades das marcações: "Travessê"! "Balancê"! "Tour"! "Anavancatre"! "Marcantes anavan"! "Caminhos da roça"! "Volta gente que está chovendo"! Na quadrilha, era que o dansarino mostrava as suas habilidades e o seu devotamento, a "Terpesychore". Por exemplo: no "Travessê!" muita gente boiava quando um cavalheiro pulava do seu logar e ia figurar ao lado de uma dama que se achava distante. O "tocert", era as vezes obrigado a um "doublé", para a frente ou a retaguarda conforme a vez a "marcante". Para ser "marcante", era preciso conhecer todas as evoluções da "quadrilha", e estar muito attento ao desenrolar da musica. Os dansarinos sempre gostaram da "quadrilha", porque era a dansa mais divertida e a que mais enthusiasmava, não só pelas suas passagens comicas, como tambem pelas demonstrações de agilidade a que os "pacholas" eram obrigados. E quando o "marchante" se enganava ? Eram um "suicidio-moral"... E quando elle, se descuidava e bradava: "Chê de dama"! e a musica parava ? Era um destes "fiascos" que custava grossas gargalhadas e que ficavam registrados na sua fé de officio. Havia uma grande differença na "quadrilha" dansada num rico salão de Botafogo e Tijuca e da que era desengonçada na Cidade – 151 – Nova e Jacarépaguá. Os ricos, mettidos na sua casaca, sobre-casaca, do fraque e as damas de vestidos decotados e com grandes caudas, observavam rigorosamente a pronuncia franceza e a orchestra só parava quando o "marcante" dava o sinal. Na roda do povo de "bongalafumenga", o pessoal se apresentava como podia e os que melhor trajavam ostentava a calça de bocca de sino, ou á bombacha e as damas que se apresentavam com os vestido de merinó, eram consideradas de "élite", porque a maioria pegava mesmo o seu vestidinho de chita. A marcação era "gosada", porque sendo feita num "francez-macarronico", tinha uns en- [114] xertos, conforme a festividade do marcante. No "caminho da roça", por exemplo, davam-se passagens de rir a bom rir, porque muitas vezes, percorria-se toda a casa, sahindo pela cosinha para entrar novamente pela sala de visitas. Ahi o marcante bradava: - Aos "seus logares"! Era a hora do "fuzuê"... Todos se atrapalhavam correndo daqui para acolá e cada cavalheiro era obrigado a figurar com a sua primitiva dama! Succedia muitas vezes que o "marcante" se enthusiasmava e se esquecia da dar signal para acabar uma parte o "chôro" parava deixando em meio uma evolução. Era motivo de gargalhadas geraes, e de "estrillo" do "marcante". Outras vezes este dava signal para parar, quando a musica não o permittia. Era outros "fiasco". Succedia, ainda, que o "mestre do chôro", por "malhas ou tralhas", não gostasse do – 152 – "marcante": anthipatia, inimizade pessoal, revalidade, "dôr de cotovello" e então sujeitava-o ás mais desconcertantes borracheiras em plena "salão". Onde isto não succedia, era nos bailes de harmonica, porque o tocador só parava quando o marcante dizia: -Pára mano véio! * * * A quadrilha, sendo uma dansa accelerada, cheia de movimentação, não se prestava aos derriços dos pares de namorados. Após a agitação provocada pela quinta parte, havia, como especie de premio de consolação, uma polka bem chorosa, bem macia, bem cadenciada e que compensava perfeitamente os esforços empregados na quadrilha. Era assim uma especie de desafogo, ou imitação do que succedia nos theatros, para, quando representavam um dramalhão, finalisavam o espectaculo com uma desopilante comedia. Assim, pois, as polkas escolhidas eram quasi sempre: "Inygma", "Conceição", "Flôr Amorosa", "Só para Moer", "Amor tem Fogo", "Cabocla", "Margarida está chorando" e outras, em que appareciam os saudosos musicistas: Callado, Viriato, Irineu de Almeida, Luiz de Souza, Anacleto de Medeiros, Nazareth, Felisberto Marques, [115] João Salgado, Malaquias, Paulino Sacramento, Chiquinha Gonzaga, e muitos outros que jamais poderão ser esquecidos, porque, apezar da evolução porque estamos passando, o repertorio antigo, estão sendo aos poucos recordado. * * – 153 – Quando finalisava a polka da quadrilha, todos os pares estavam cansados, suarentos e dirigiam-se ao "buffet", sendentos por um vinho do Porto-barril, por uma cerveja Logos ou Guarda-Velha, que eram as bebidas predilectas da gente da Velha Guarda... AS POLKAS A polka é como o samba, – um tradição brasileira. só nós o que Deus permitiu que nascessem debaixo da constelação do Cruzeiro do Sul, a sabemos dansar, a cultivamos com carinho e amor. A polka é a unica dansa que encerra os nossos costumes, a unica que tem brasilidade. Do mesmo modo que os argentinos cultivam o tango e os portuguezes não deixam morrer a "canna verde", nós os brasileiros havemos de aguentar a polka, havemos de mantel-a atravéz dos seculos, como tradição dos nossos costumes, como recordação dos nossos antepassados e como herança ás gerações vindouras. * * * A polka foi, é e continuará a ser o A. B. C. dos dansarinos. Qualquer que seja a modalidade de dansa que os modernistas ou futuristas possam inventar, tem forçosamente que cahir no passo da polka, tem que obedecer a sua cadencia do mesmo modo que nenhuma palavra se forma sem recorrer as letras do abecedario. E' possivel que nos classifiquem passadistas, mas, si O "Chôro", não passa de uma recordação do passado, não devemos permittir que os evolucionistas trucidem as tradições, esqueçam que é puramente brasileiro e mistifiquem o que é nosso, com – 154 – as bambochatas que repassadsa da velha Europa cansada e carcomida, venham para a Cidade Maravilhosa á titulo precario... de novidade. A polka cadenciada e chorosa ao som de uma flauta, fosse o flautista o Viriato, o Callado, o Rangel ou seja o Pixinguinha, o João de Deus ou Benedicto Lacerda; um violão dedilhado outr'ora, por Juca Valle, Quincas Laranjeira, Bilhar, Néco ou [116] Manduca de Catumby e hoje por Felizardo Conceição, José Rabello, Coelho Grey, Donga, João Thomaz, etc.; um cavaquinho palhetado hontem por Mario, Chico Borges, Lulu' Santos, Antonico Piteira e hoje pelo mestre dos mestres Galdino Barreto, Nelson, João Martins – foi, é e continuará a ser a alma da dansa brasileira, com todo o seu explendor de melodia e a sua belleza de musica buliçosa, attrahente e as vezes convidativa aos repuchos do maxixe... Sim, do maxixi, essa modalidade sómente nossa e hoje officialisada nos grandes centros norte-americanos, onde foi resolvida a exclusão do fox e outras dansas. A polka, a brasileirissima polka ainda é a delicia dos namorados, dos apaixonados ou a approximação de dansarinos arrufados. Quantas vezes dois entes que se querem, mas, que se acham separados, aproveitam a cadencia de uma polka, para os segredinhos da pacificação. A polka, com toda a sua belleza, com todos os requisitos de elegancia e com todas as tentações que a sua execução provoca, jámais poderá desapparecer dos nossos salões e das nossas salinhas, como um preito de homenagem aos nossos bis-avós e como respeito ás nossas tradições. – 155 – OS FOLIÕES DE OUTR'ORA Os foliões de outr'ora, eram bem differentes dos de hoje. Havia mais camaradagem, mais respeito e sobretudo harmonia... até na musica, porque o "chôro" era constituido de uns blocos indissoluveis. Onde ia a corda, ia a caçamba, de modo que, onde estivesse presente fulano, estariam tambem sicrano e beltrano. Os flautistas de antigamente eram menos flauteadores que os de hoje. Os bairros mais predilectos dos "chorões" eram: Catumby, o bairro do agrião, que durante muitos annos foi uma especie de tenda do padre Simião, que era o maior donatario daquellas terras. Os catumbyenses, eram tambem chamados "papacouves". Os "chôros" em Catumby, eram um tanto arriscados, porque ali se abrigavam os maiores valentões da época, que constituiam os famosos partidos dos Nagôas e Guayamús, que não raro se colligavam para uma [117] verdadeira guerrilha com um outro partido denominado "Santa Rita". Do mesmo modo que os de Catumby se colligavam, tambem os do bairro Santa Rita se uniam ao pessoal da Saude e Sacco do Alferes, que constituiam os bairros de Santo Christo e Gambôa. Estas "pegadas" eram medonhas e as vezes envolviam o pessoal da Gloria e Cattete. Eis a razão porque os "chôros" em Catumby eram um tanto perigosos: A's vezes num baile, lá para os lados do Chichorro, do Itapirú, Chacara do Céo, descobriam um convidado pertencente a um partido – 156 – contrario, de outro bairro. A festa corria bem, mas, no final, depois que o "chôro" tocava o "galope", o "estrangeiro-adversario", se preparava para sahir com a "dama" a seu lado. Ouvia-se o brado: – Quem trouxe, não leva! E o páo comia gente! O mesmo succedia quando o pessoal do Catumby sahia do seu reducto e ia para os lados do Morro do Nhéco, Morro do Pinto, Praia formoza, Saude e Sacco do Alferes. * * Findo o baile, alta madrugada, o "chôro" sahia tocando uma polka dengosa e o pessoal mergulhava no primeiro botequim que encontrava aberto. O portuguez gorducho dono do estabelecimento já sabia e perguntava logo: – Então o que vae? Uma gemmada com vinho do Porto ou uma boa "misturada". Cada um escolhia a bebida de sua predilecção, havendo, porém, quem preferisse o – rabo de gallo – que era uma mistura de paraty, mel de abelha e canella. E o "chôro" continuava. O sol invadia o botequim e a flauta se fazia ouvir acompanhada do cavaquinho, do violão. O botequim enchia-se de ceresteiros que vinham de outros forrobodós e o "chôro" continuava, até 9, 10 e 11 horas. Todo mundo poderia dar e apanhar menos os musicos que eram considerados entes intangiveis, verdadeiras divindades. * * * Nos choros da Cidade Nova, sempre appareciam os poetas, que variavam as festas com os recitativos. A' paginas tantas, approximavam-se dos musicos e diziam toque a Dalila. – 157 – [118] E lá ia poesia: Era no outono quando a imagem tua, A' luz da lua seductora eu vi. Ou então: Ando na moda para enganar as bellas que nas janellas, ao passar eu vejo Tornar-me dellas, no terreiro um gallo, Verdade fallo – é o meu desejo. E ainda mais: Sou guarda urbano, pelas ruas vago De espada á cinta por não ter emprego E os marmanjos quando vão passando Dizem rosnando: sáe daqui morcêgo! Isto era um brecha, para os cantadores de modinhas, que, manhosamente, recolhidos á sua modéstia, instigavam os amigos para que "insistissem" que cantassem. Tambem não se faziam rogados. Approximavam-se dos musicos, pigarreavam concertando a voz, mandavam tirar um – dó, ré maior ou afinar á "prima" e berravam quasi sempre com voz de "canna rachada": "Caso de amor tão fingido O que já fiz, hoje não faço Eu por ti já dei a vida Hoje não dou nem posso" Entrava então o cantor humoristico: Yáyá das pedreiras Cadê Chi-Chi Tomou o bonde Foi p'ra Catumby. Foi, foi, foi, Foi-se embora me deixou Levou tudo quanto eu tinha Até a joia carregou Yáyá das pedreiras Cadê Chi-Chi A quanto tempo Que não a vi Foi, foi, foi. Etc. Quando a festa ia em meio, os donos da casa que em geral eram de captivante gentileza para com os convidados, aproveitavam o momento dos recitativos e cantorias e – 158 – recrutavam as damas que eram levadas para a sala de jantar ou para o quintal, onde a mesa estava armada. Quando se tratava de baptisado ou casamento, havia sempre um castello de doces adequado ao acto e que representava um presente de um dos padrinhos. O "menú" era quasi invariavel: canja (que conforme o nu- [119] mero de convidados era mais ou menos aguada); carne de porco, carne assada, gallinha assada, arroz do fôrno e pão á béssa. Doce de coco, de laranja da terra, (que era descascada e posta de molho oito dias antes com uma boneca de cinza para não amargar e ficar bem molle) doce de cidra, de abobora, manja do céo, doce de letria e arroz doce com canella, em pó por cima vinho do Porto, cerveja Logos ou Guarda Velha, e licores feitos em casa durante toda a semana. Quando se tratava de festa de Natal, Anno Bom e Reis, a sobremeza variava: Abacaxy, com vinho e assucar, rabanadas, castanhas, amendoas, etc. A canja e a gallinha eram substituidas por uma grossa peixada. A segunda meza era a dos marmanjos. Esta demorava mais e os convidados que não fossem precavidos comiam menos, por causa dos discursadores. Mal começava a ser apreciada a canja, levantava-se um gajo: – Meus senhores! Reclamava então a presença dos donos da casa. E o orador proseguia. – Meus senhores! Permittam que eu levante a minha debil voz. – Não apoiado! Não apoiado! – ... para neste solemne momento rogar ao supremo – 159 – architecto do universo, que estenda sobre os donos deste lar abençoado, o manto diaphano da fantasia ! – Muito bem! Muito bem! quando todos se assentavam para continuar a apreciar a canja, já haviam retirado o prato. Começavam então a servir o ensopado. Quando a gente está com appetite, tudo quanto apparece na frente é saboroso. – Como está gostoas esta galinha! Diz um a outro convidado: Ergue-se outro orador: – Peço a palavra pela ordem! Todos se levantam: – D. Xandóca e seu "Manduca". Permittam em que eu um dos mais mesquinhos, dos mais indigentes dos seus admiradores. – Não apoiado! Não apoiado! O outro: – Modéstia a parte! – ...permittam... permittam... sim, como direi? Que venha comungar das idéas do orador que acabou de orar... para fazer um addendo, desejando aos amphytriões saude e fraternidade. Hip! Hip! Hip! Urrha! [120] Urrha!.... – Jaca... Jaca... Jacarépaguá! Outros: – Casca... Casca... Cascadura!... – Sapo... Sapo... Sapopemba!... Quando todos sentavam-se novamente, notavam que já haviam, notavam que já haviam retirado o prato de gallinha ensopada... E os oradores iam se succedendo e os pratos iam sendo retirados até chegar á sobremeza. sempre o brinde de honra ao bello sexo. Resultado: levantando-se todos da meza e reclamando contra a "eloquencia" dos – 160 – oradores, por haverem impedido que apreciassem os pitéos, porque apenas beberam "á razão da mesma". Seguiam-se outras mezas de marmanjos, obedecendo ao mesmo rythmo. Havia, porém, um convidado mais intimo de D. Xandóca" e de seu "Manduca", que arrumava um prato de "boia" e ia devoral-o no fundo do quintal... O GUERRA Está hoje aposentado da Estrada de Ferro. Cantor de modinhas, e celebre tocador do violhão, escriptor de musicas sublimes pois compunha desde polka até o classico, e Sacra que deve andar por ahi talvez ao léo Infelizmente é a cina de quasi todos os musicos naquella época viver e morrer sem um amparo de uma mão caridosa, pois, acabou na maior penuria. J. TORRES Eximio pianista, executor e autor de muitas musicas. Era de uma inspiração sublimada. Foi escripto por elle a bellissima musica da modinha: O juramento, do nosso querido poeta e grande cantor, Catullo. Por esta razão o leitor calculará o valor artistico de J. Torres. GONÇALVES (FLAUTA) Era de um sopro mavioso de um mecanismo de admirar. Era um chorão maravilhoso, merecedor de muita disticção, pela maneira que sabia se conduzir entre seus amigos, e familias, que o acatava com grande distincção. Era amigo inseparavel do sempre saudoso professor de flauta, general Gasparino. Tocava não só bons choros, [121] – 161 – como tambem o classico com alma e saber. (A MODINHA) A modinha é o vehiculo de todas as saudades, e as reminiscencias transitoria, do bom e do bello. E' a repercussora do passado, e a delicia do presente. A modinha, é um mimo de maravilhas. é um mundo de harmonias, ella tem a belleza das épocas tradicionaes, evoluindo de geração em geração. E' uma aguia de azas possantes, que vae além dos paramos azues. A modinha é a poesia que diz infinidades de cousas da vida real, em todo seu explendor transitorio. A modinha tem meguice tem magia, tem encantos, que enobrece todos os pensamentos. Ella opera até na propria natureza, que é a nossa alma, os nossos sentimentos, ella é a percursora de todas as seáras sociaes tendo guarida na élite dos palacios, e nos casebres dos morros, afinal em toda plebe. Ella tem, a excencia de todas as dores. A modinha, é uma enseada do mar, onde sulca os bateis dos namorados. Em ondas compassadas, tornando-se cada vez mais alvinetente, o lençol que se estende na planicie das praias. O amor tem na modinha uma leal companheira, em toda sua evolução, imperando em cheio no coração da humanidade, esta fogueira, que queima e martyrisa, por ser o vulcão que evolui todas as paixões de amor. A modinha sabe manejar com habilidade de um aacercote da sciencia, o bisturil que invade todos os corações, para despertar o Leão que dorme o amor. Este que se electrifica, para estimular todos os desejos nos corações da mocidade e da velhice. A modinha tambem muito se harmoniza com o violão, este – 162 – instrumento que dedilhado pelos trovadores chorões, fazem o explendor das grandes melodias, pois a modinha, guarda em seu seio, o segredo da musica, inspirando accordões nos violões, desvendando estes segredos. Vou aqui, denominar, os grandes cantadores de modinhas, cultivadores da tradição dessa deusa de amor, que viveu, e vive, e viverá na alegria do coração do mundo: Peixinho, Horacio Theberge, Bilhar, Juca Mãosinha, Nene, Mario, Lulu' Bastos, João Quadros, Disiderio Machado, Leandro, (rouxinol) dos suburbios), Eduardo das Neves, Julio de Assumpção, André [122] Pinho, Mario Pinheiro, Barros, Antenor de Oliveira, Leonardo de Menezes, Pedro Paulo, todos estes já são fallecidos. Vamos continuar com os sobreviventes que são: João Thomaz, Catullo Cearense, Vicente Celestino, Pacifico, Francisco Alves, Sylvio Caldas, Mocinho, Oscar de Almeida, Napoleão de Oliveira. Tambem o escriptor deste livro, Calheiros Vicente Sabonete, Augusto Gallo, Bahia, da Imprensa Nacional. Nhozinho, Bilu', João de Barros, Almirante, Patricio Teixeira, Lily S. Paulo, Creoula, Siqueira, Gastão Formenti Petra de Barros, Nair de Castro Leal, Aracy Côrtes, Carmen Miranda, e Aurora Miranda. E muitos outros que não me occorre a mente, o que pedimos desculpas mil. MARIQUINHAS DUAS COVAS Era mulata gorda, com feição bonita, tinha um pequeno papo que lhe fazia muita graça. A razão do appellido acima porque quando ria fazia uma pequena – 163 – cova em cada face. Mariquinha era filha da terra do Vatapá e ella tinha neste seu nascimento, um orgulho impossivel de descreverse. E ai daquelles que disse-se a minima cousa, mesmo por brincadeira, contra seu Estado, era uma inimiga, que tomava. Mariquinhas, como Piedade, era uma deusa de bondade, tinha um coração que não podia ver ninguem chorar miseria, quer fosse por falta de um abrigo o fome, ella não se negava, as suas portas estavam sempre abertas. Na sua casa os chorões era aos cardumes, pois nunca o gato estava no fogão. A folgazã de quem fallo era bonita de verdade. Era muito perseguida não só pelos chorões como tambem os que a vissem. O seu riso e andar embriagava até as pedras. Ella vivia em companhia de um tal Manduca que tinha uma fabrica de Cigarros, e sendo muito feliz, dava a ella tudo, achando-se sua bolsa sempre aberta para ella. Mariquinhas tinha uma filha casada com um grande musico clarinetista, que tambem já não existe. Sua filha era como sua mãe de um genio folgazão. Como sua mãe. Como sua mãe, cantava bellas modinhas e Lundús, de que me lembro de um que era Mestre Domingos, que com os seus trezeitos, fazia bom rir, os que a ouviam. A sua casa vivia sempre cheia de suas amigas necessitadas que [123] ella as abrigava, condoida da sua sorte. Independente destas, ainda abrigava muitos chorões, alguns desempregados, sem nenhuma protecção. A sua casa foi sempre farta, quer em comidas como bebidas. Era muito franca, e liberal. Costumava ir a Mercado e arrematava grandes quantidades de peixes de diversas qualidades, botando tudo em um sacco, – 164 – despachava num bagageiro e rumava a casa. Ao entrar acompanhando o carregador, Mariquinhas ia dizendo, hoje tem cousas para vocês esfolar! assim virava o sacco em uma tina, dando uma faca, a cada um, e la vai obra! Todos ali reunidos, escamava abria e limpava os peixes, que era em grande porção. Em quanto o mais pertencia a Maraquinha que sendo bahiana, ninguem lhe supplantava no fazer o pirão "peixada". Daqui a pouco já sentia-se o perfume do azeite de Dendê do quento, da pimenta de cheiro, em fim, uma delicia. Quando sentava mos a mesa uns, e pelo quintal outros, comendo aquelle pitél acompannhando de um bello paraty, que ella trazia do mercado. Apezar da grande quantidade de peixes ensopado, quando todos levantava da mesa, só existia a espinha, mesmo assim bem chupadas. Depois de alguns chorões de pandulho cheio fazia um bello discurso a Mariquinhas, e exaltando o glorioso Estado da Bahia o que Mariquinhas, ficava radiante. E satisfeita, quando se lembrava de sua terra natal. A heroina era uma grande espirita, e sempre que me fallava, dizia que não queria cahir doente, e ficar muito tempo em uma cama, e assim pedia não só a Jesus, como aos seus anjos de guarda, que desejava uma morte repentina, pois não queria dar trabalho a ninguem. Pois a sua vontade, foi feita. Indo a uma festa á noite na Igreja de Sant'Anna, e lá chegando, sentiu-se mal, botou a mão sobre o coração, e assim veio em passos largos, até a sua casa, que era um das ruas perto da Companhia de São Christovão; e ao entrar na soleira da porta deu um grande grito! acudida logo, pelo seu – 165 – companheiro, que só teve tempo de corregar para seu aposento, collocando-a na cama, logo expirou atacada de uma aneurisma da aorta. E assim findou-se esta bôa camarada deixando muitas saudades. [124] Dos chorões que eram visita permanente uns, e de vez em quando outros. Destes permanentes, existia um que não sahia de lá. Este penetra inveterado chama-se Benildo que apesar de ser operario da Central do Brasil, quando era a noite lá estava rente como pão quente. Pois sendo conquistador de verdad e lá existindo grande quantidade do sexo fraco, ficava elle nas suas quintas. Mas tantas fez que uma dellas aborreceu bastante a Mariquinhas, que ficando sempre de cra amarrada, e com elle de máu humor o pobre do Benildo não teve remedio se não dar o fóra de lá bastante contrariado, pois alli fazia o seu regallo. Pois elle tinha tudo, bom pirão, bebidas a farta, bôa, meza, etc., etc. Hoje este campeão está aposentado não só do logar que occupava, como em tudo, pois já velho, retirou-se a vida privada. Esta casa era sempre frequentada por mim escriptor que vivia dia e noite de violão em punho, a cantar modinhas, deliciando o bello sexo. Tambem era frequentada pelo meu irmão Quintiliano, que com a sua maviosa flauta tambem fazia as delicias daquella casa a quem Mariquinhas muito apreciava, e mesmo muito delle gostava, os seus acompanhadores era eu, o Juca Russo, o Ernesto Magalhães, Bilu' e muitos outros que não me vem a mente. Em nossa companhia achavase sempre o sempre chorado Christino de Andrade, que apezar de não tocar, nem cantar, era um companheiro apreciavel, – 166 – pois muito brincalhão, e bom comedor, e tambem como nós, Irmão da Opa, fazia as delicias da casa de Mariquinhas. E assim tudo se finda com o tempo que tudo derroca com a morte. JOÃO PERNAMBUCO Dizer aqui nessa descripcão o valor artistico, e pessoal de João Pernambuco, é uma tarefe difficil, tal é o seu immenso valor, tal o seu merecimento, no meio distincto de todos os chorões de sua época. João Pernambuco, é o violão nortista, primus inter-pares, dos seus congeneres, por estes moivos Catullo Cearense, o distingue como um pharol que brilha no mundo da harmonia, de suas poesias, sertanejas, pois João Pernambuco tem magia nos dedos, na formação dos tons e na dedilhação das cordas, que faz vibrar no seu glorioso violão independente disso é querido, e [125] conquistado por todos os chorões, e numerosas familias, a que elle com veneração e respeito priva, com a sua modestia, e fino trato. Eis aqui tudo quanto pude dizer deste grande artista, amigo, e chorão, que arrebata, e conquista todas as sympathias que elle sabe angariar. Queria dizer muito mais do que disse mas me é impossivel, por falta de dados, e pobreza de minha pennas, porque João Pernambuco muito mais merece. JOÃO THOMAZ E' conductor de trem da Central do Brasil. E' um chorão de respeito amigo dilecto de seu amigo. E' pae do grande e estimado Professor J. Thomaz, tambem grande musico, não só do chôro como do classico. Seu pae João Thomaz é um violão seguro, e canta muito bem, e – 167 – com grande agrado. O heroe que fallo, compõe musicas para as suas modinhas, e faz tambem as poesias para as mesmas. Inda me lembro de uma modinha por elle feita dedicada a uma bella e boa camarada, que se chamou em vida Durvalina, que é um brinco de gosto. Felizmente este chorão da velha guarda ainda vive. FREDERICO DE BARROS Este nome acima, foi alumno dos Meninos Desvalidos de Villa Izabel, e lá aprendeu elle com aquelles grandes professores a flauta de que fez prodigio. Chegou a dar um passeio na França, e lá, se applicou de maneiras tal, que voltou ao Brasil como grande professor de flauta. Tocou em muitas orchestas bandas e chôros que muito o apreciavam como distincto executor, de admirar. Tambem já fallecido. MACARIO Descrever este nome com perfeição, é mais difficultoso do que remoer o Pão de Assucar. Macario conheci ainda tocando Requinta na Sociedade Musical Dansante da Fabrica de Tecidos, de Villa Izabel em 1889 onde elle era empregado, bastante estimado dos directores da fabrica daquelles tempos pois sempre foi um empregado trabalhador e assiduo. Depois Macario ingressou na Guarda Civil tendo prestado a mesma innolvidavel serviços, e agora ainda mais, na qualidade de investigador, onde tem-se dedicado de uma maneira admiravel fazendo-se respeitar, pelos peiores infractores da lei, já tendo muitas, e muitas vezes jogado a sua [126] vida em holocausto ao bem publico. Macario toca admiravelmente o seu – 168 – instrumento, não só nas sociedades, e nos bailes, com seus acompanhadores que eram Luiz Brandão, o saudoso Angelo Pinto, Néco, Juca Russo, e o autor deste livro, que muito o apreciava pela maestria que elle sabia dizer no seu instrumento. O chôro tocado pelo heroe, acima, era tão gostoso, que todos eram bisados, duas e as vezes tres. Tinha muitas cousas a dizer porém ellas são tantas, e tão b6oas, que para descrevel-as precisava dispor de mais espaço. FERREIRA DIAS (SYMPHONIA) E' carteiro aposentado dos Correios, bom e distincto amigo, excellente chefe de familia. Frequentou bons e luxuosos salões, e tambem pequenos, para exhibir-se com seu mavioso violino, pois era quem organizava o conjuncto para tocar nos theatros, onde é conhecido por Symphonia. Em muitas boas festas estive com este, mais que distincto amigo, tocando, cantando e dansando, noites inteiras, e dobrando durante o dia o sol de fóra. Não quero dizer mais nada, melhor elle dirá. Apesar de ser organisador de musica, tambem tocava nos instantes, como outro musico qualquer, nas orchestras dos theatros. BAHIANO Quem será que na roda do chôro não conhece este heroe? Julgo que ninguem. Conheci pela primeira vz na casa do meu sempre chorado amigo Côrte Real, na Estação de Ramos em uma festa de anniversario na sua sempre lembrada casa. Logo de primeira vista, muito me sympathisei com este grande chorão. (Não fosse elle filho do glorioso Estado da Bahia). Desembanhando da sua capa um lindo, e custoso violão, foi logo fazendo um Mi-menor, com – 169 – todos os seus accordes que fiquei todo arrepiado, tal a maneira do gosto, e arte que elle desenvolveu naquelle instrumento. Logo após solou uma polka difficultosa, e linda, que eu com meu cavaquinho me vi bambo para o acompanhar, tendo me sahido desta intaladella com bastante difficuldade e assim, nestas difficuldades solou muitas outras. Na festa se achava um flauta empregado na Leopoldina, e que não me lembro seu nome, mas posso afiançar que era dos bons. [127] Tocando com bastante facilidade umas, e difficultosas outras, e que Bahiano comia aquillo com a maior facilidade. Conhece o seu violão como gente grande, pois faz delle o que quer quer. Depois desta festa encontrando-me com elle, muito lastimoso queixou-se a mim que tinha sido roubado no seu mavioso instrumento, me dizendo que seria muito custoso encontrar igual, o que eu acreditei por ter a felicidade de vel-o, e escutar a sua bella e maviosa voz. A muito que não o vejo, mesmo por ter me retirado dos chôros, pela idade, e me achar cançado da lucta; retirando-me a vida privada. Só posso garantir, aos meus leitores, que Bahiano, é dos bons, é um general que não foge ao maior perigo, dando assim grande gloria ao Brasil, especialisando o seu mais que glorioso Estado. TORRES OFFICLEIDE Muito digno funccionario da Prefeitura, officleidista afamado. Nos chôros onde tocasse, só fazia prazer, tal o seu valor real, como grande musico. Aqui fica registrado o valor de um amigo – 170 – dedicado, bom chefe de familia exemplar, funccionario e chorão da velha guarda. ALFERES ABILIO DE SANT'ANNA Era dilecto filho, do major do Exercito, conhecido por major Sant'Anna. Conheci como segundo cadete do 10° Batalhão de Infantaria. Tendo embarcado para o Acre, no posto de Alferes. Na questão solicitada do Perú com o Brasil, por questão do Territorio do Acre, em que o sempre lembrado Visconde do Rio Branco foi obrigado a mandar para aquellas paragens um contingente, onde tambem foi o sempre lembrado Alferes Abilio. Lá chegando pouco durou, pois a morte o surprehendeu ainda na flôr de vinte e poucos annos. Abili era sublime violonista, não só solava admiravelmente, que encantava aos seus ouvintes, como tambem, acompanhava a todos os solantes, com uma perfeição de extasiar. Fazia no seu instrumento accordes sublimes, e assim era muito conquestado pelo seu real valor. Seu pae o major Sant'Anna era [128] grande cantor de bellas modinhas, e tinha prazer de cantar, sempre acompanhadas por seu filho. Entre as muitas modinhas que cantava, tinha um grande garbo por esta que era de sua predilecção: Não vistes a nebulosa, De um fluminense cantor, Não vistes a peregrina Que matou teu trovador E assim cantando toda a modinha, com grande amor, deixava aos ouvinte, o maior encanto. Abilio no acompanhamento desta modinha, e outras de seu – 171 – sempre lembrado e chorado pae, deixava todos com o maior contentamento, pois era de encantar. Seu pae tinha garbo daquelle filho, pois além de ser um executor aprimorado, era muitas que faziamos na Cidade Nova, como para as bandas da Saude, onde com o solo de seu violão, chamava a attenção de todos os seus moradores. Tinha um apurado, e educado ouvido, para acompanhamento, o que muito satisfazia os solantes, que a elle faziam, os maiores elogios merecidos. Abilio era bom, e distincto amigo. Frequentei por seu intermedio a casa de sua distincta familia, onde passei horas bem alegres. Seu pae era de grande cultura, e de uma educação, como tambem seu filho, impossivel de descrever-se, por muita boa vontade que se tenha. Ahi fica nestas linhas escripto o valor de Abilio e seu pae, para conhecimento dos chorões d'agora, e os vindouros do valor real destas duas entidades, que como um sol que appareceu, e que mesmo no accaso, illuminará sempre com suas lembranças e todos nós, até tambem a nossa eternidade. Paz as suas almas. EUGENIO TORRES Sinto-me feliz em poder no meu livro, escrever, este immenso chorão. Foi de fama no meu tempo, em que tocavamos juntos. Sempre apreciei o seu alto valor no dedilhar do seu mavioso violão. Ouvir tocar este artista equivalia uma epopéa. Era mesmo de admirar, com seus acompanhamentos, que muito o admirava, os bons solantes que tinham nelle um companheiro sem igual, e por isto não lhe davam folga, pois entrava de serviço diariamente. Fez boas farras, em companhia dos mestres de chôro. Chico Borges, Raymundo – 172 – Conceição, João Thomaz, nas casas de Caixeirinho, e Mamede. [129] VICENTE SABONETE Fallar no nome deste heroe do choro, me é bastante difficil, pois mesmo muito o conhecendo, encontro grande difficuldade, tal os seus feitos heroicos, não só nos choros, como homem sério e trabalhador, pois sustenta a sua illustre familia, com seu labor e honra, que só póde o elevar e a sua distincta familia de que eu tive o prazer de conhecer, quando carteiro da Rua Lavradio, onde elle morava em companhia do meu inseparavel amigo, o seu sempre chorado avô que muito com elle privei. Vicente, conheci muito menino quando nada tocava, ficando bem admirado quando num choro escutei-o com seu mavioso violão não só acompanhando admiravelmente, como tambem fazendo solos de arrebatar. O violão nos seus dedos de seda em suas seis cordas, fica-se extasiado, tantas é as diabruras, que elle faz no seu instrumento. E' tambem muito habilidoso e fiquei tambem admirado de ver tocar ocarina, feita de suas proprias mãos! onde elle tira um partido de enebriar. E assim fica aqui descriptp mais o menos o seu valor real que mesmo assim fica muito a quem de dizer o valor deste meu grande amigo e chorão afamado. JUCA MARQUES Nasceu em logar chamado Anaya, Cordeiro de São Gonçalo, musico de nomeada. O seu instrumento foi sempre ophecleide e depois bombardino finalmento todos instrumentos de metal. Conheci-o em 1882, como musico da Banda de Musica Flôr de Sant'Anna em Nictheroy, depois , tocando em – 173 – choros, e mais tarde, musica da Banda Policial la Provincia, debaixo da batuta do Coronel João Elias, ao lado do grande Damasio, Juca Rezende, e outros musicistas de nomeada d'aquelle tempo em que a Banda fazia retretas no jardim Pinto Lima, em Nictheroy. Mais tarde o Juca Marques, assumiu a batuta desta referida banda que ainda hoje na avançada idade de setenta e tantos annos é copiador e archivista da mesma. Juca Marques, é um eximio musico que sempre teve predilecção pelo choro, hoje é chefe de numerosa familia e um cacique considerado que vive para a sua prole. Receba pois, Juca Marques por intermedio destas linhas um apertado abraço. [130] NELSON ALVES Eximio tocador de cavaquinho, porem, hoje dá preferencia ao banjo, armado em Bandolin, onde elle fez diabruras de assombrar, tal a sua agilidade, e profissiencia no saber tocar, este divinal instrumento tornando-se deste modo um profissional artista, de merito na roda dos chorões de sua classe, onde elle é aclamado com muito enthusiasmo e admiração. Receba pois Nelson, os meus sinceros aplausos. PEDRO DE HARMONICA Era impressor de muzicas. Conheci por intermedio de Serpa Pistão, e tambem fui a elle aprezentado pelo Madeira Ophicleide em um choro la para as bandas dos suburbios, onde se achava Catullo e o inesquecivel Bilhar. Pedro, sabia tirar partido de sua Harmonica, solando, e acompanhando com facilidade, muzicas dificeis. Eis o que tenho a dizer deste chorão. – 174 – CAPITÃO ROGERIO Mestre de bandas de muzicas, e celebre Pistonista, um talvez maior do Brazil, que se revalisava com José Soares, e muito outros executores Pistonistas. Capitão Rogerio, era um artista de renome, autor de muitas excellentes muzicas, muzicas estas que fizeram os encantos daquelle tempo, e que diga o nosso distincto Poeta e Cantor Catullo, que tem por elle grande admiração e devotamento. GUILHERME "O MANGUINHO" Este cantor se immortalizou cantando as modinhas de Catullo, pois é um fervoroso apostollo das modinhas Brasileiras, esta que marcarão sua época, para muita gente, mas não para o escriptor destas linhas, que guarda com veneração no intimo de sua alma esta tradição de saudades. Manguinho, é aposentado do Theszouro Federal, onde com zello e assiduidade prestou relevantes serviços, este chorão inesquecivel. CAMAS Era funcionario do Oeste, hoje se acha aposentado. Foi um trovador respeitado, e adorado por todos que tinha a felicidade de conhecel-o. O heroe acima admirava e idolatrava as modinhas de Catullo, e por isto não cantava modinhas de mais nin- [131] guem tal a paixão que elle tinha por aquellas. Era um peito de aço, e uma garganta de Ouro. A sua voz era de maravilhar. Nada mais posso dizer. VELLOSO O MOR – 175 – Violão de fama, e conhecedor de todos os tons deste dificil instrumento, razão porque, um dia contou-me um chorão, que Velloso, pegou-se em desafio com o sempre lembrado Ventura Caréca, foi uma pegada feia: não havendo vencedores pois ambos eram chorões de primeira agua!... ISMAEL CORRÉA Vou mais ou menos, descrever este inveterado apreciador do choro, e dos chorões. Isamel fica doido quando entra na fuzarca, e custa sahir. Com seu violão, em punho, não a quem possa com elle, pois nos choros é peior que uma criança. Não é dos grandes tocadores mas o que toca, diz com alma. Foi Presidente das Pragas do Egispto, sociedade em que prestou relevantes serviços o seu amor pela arte muzical, quero dizer com isto, que o bom do Ismael alem de ser um violão, igual a muitos outros ou quasi todos, pois ter juizo, trezentos e sesenta e dois dias, não é pouco é justo que nos tres dias de carnaval se seja louco. Com esta quadra absorve o Ismael de todos seus pecados. ADHEMAR VIEIRA Foi funccionario da Alfandega, é hoje do tribunal de contas. E' destes que não dá para traz, e amigo de verdade do choro. Toca com precisão e gosto, o violão. Que diga Catullo, o Poeta sertanejo que é delle um grande admirador, na segunda Ediçào deste livro, comprometome dar mais desenvolvimento o perfil deste chorão. CECILIO Valioso tocador de Flautim naquelle tempo, hoje grande Flautista, não tenho dados – 176 – muitos conhecidos para descrever este grande personagem, porem sei, que foi, e que ainda é, um exímio chorão destes que não arrepia, carreira por mais terrivel que esteja a batalha. Sei tambem que é dignissimo operario do Arsenal de Guerra, onde conta no meio de companheiros de trabalho innumeros amigos. Aqui finaliso dizendo quando podia dizer deste velho companheiro chorão. [132] PROFESSOR NICANOR Professor de Flauta e eximio executor. Não sei se ainda vive? Era grande admirador do immenso e idolatrado Poeta Catullo, e apreciador das suas produções, era um gentilimam, e de fino trato, maneiras sinceras, e expressivas. Aqui fica nestas referencias as minhas considerações a este grande artista. OS GRANDES CANTORES Descrever estes grandes astros com perfeição, me é bastante dificultoso, pois elles são tantos, e seus feitos maiores. Ao fazer, tenho que citar aqui mais uma vez o mestre dos mestres, o remodelador de tudo que é nosso, este que sabe cantar e tambem dizer. O Poeta Catullo da Paixào Cearense, pois foi e é um astro de primeira grandeza pois as suas produções ahi estão para nossa admiração. Se meu voto tivesse valor, a muito teria ingressado na Academia de Letras, tal o seu valor real para mim, e de milhares de seus apreciadores, por ser elle o idolo das modinhas Brasileiras, e de todas as nossas muzicasantigas, de quem elle é um fervoroso propagandista. Depois de fazer justiça merecida ao nosso venerado Catullo vou mencionar a guisa de Sateletes ao redor do – 177 – Sol, os grandes chorões, da velha guarda. Que foram: Boneco, Nonô, Cadete, Geraldo, Barros, Peixinho, Theberge, Angelo Pinto, Nozinho. Leandro, Rouxinol dos Suburbios, André Pinho, João Tomaz - Teffi, Lulu' Bastos, Bilhar, Disiderio Machado, Olympio de Oliveira, Anthenor de Oliveira, Pedro Paulo, Adhemar Casaca, São João, Placida dos Santos, Branquinho, Nenê Mario, Juca Mãosinha, Terra Passos, Bilu'. Julio de Assupção, Mario Pinheiro, Xisto Bahia, França, Napoleão de Oliveira, Barnabé, Moreno, Sinhô, Augusto Sachristão, Felice Roxinho, Augusto Pedro, Prachedes, Augusto Padre, Jonjoca, Uriel, Alem, Felix Baptista, e muitos outros. URIEL NORIVAL Poeta sublime, trovador apaixonado, muitas vezes funcionario da Estrada de Ferro!... Uriel, é o verdadeiro escriptor sentimental, as suas letras musicadas mexem com os nossos corações porque todas são de uma beleza inegualavel, pois descrevem tudo que este formidavel bohemio sente n'alma! Quem não conhece o Uriel? [133] "O casa cheia", que fica num pagode" noventa dias!... de vez enquanto elle desapparece e nem a sua propria familia tem noticias do mesmo! porém já estão acostumados a estes retiros, e sabem que Uriel, está abarracado em casa de um amigo veranneando conforme a sua phrase, e fazendo uma estação de "agua" que passarinho não beb!... Este extraordinario trovador adora o deserto e é um amigo certo dos sapos, pois já dedicou – 178 – aos mesmos uma duzia de sonetos! Este "chorão"sabe se conduzir nos lares de seus amigos pois além de ter um preparo superior, é dotado de uma intelligencia fora do commum. Afinal, Uriel, é um dos maiores trovadores dos ultimos tempos. VIEIRA MALUCO O apelido acima, não é que elle fosse, mas sim porque tudo o que elle fazia, era as pressas. Na Rua por onde andasse era sempre correndo. Quando encontrava um amigo, ou um chorão não se demorava, despedia-se e lá se ia na maior rapidez e a passos largos. Então puzeram este apellido, que elle não se incommodava. Com tudo isto era um flauta sublime. Conhecia muito bem a mechanica da mesma, pois a manejava com arte e explendor. Toquei muito em bailes com este heroe do choro. Então em casa do Bita, nem se falla! Me jogou muitas vezes no chão, pois tinha muito choro dificultoso de fazer arripiar carreiras. Com o tempo fui me acostumando, que o acompanhava com a maior facilidade. Vieira não só tocava em choros, serenatas, e mais, como tambem em Orchestras, Cinemas, pois era sublime artista, pois o seu sopro era divinal. Infelizmente tambem já é morto. FRANCISCO ALVES Escrever este grande cantor, e executor de violão, sei que estou muito longe de o fazer tal seu real valor, no dedilhar de sublimessimo violão e de invejada vós, que a todos faz extasiar razão porque é conhecido pelos ouvintes de Radio, como garganta de Ouro. Principe de melodia, da canção, do samba e da modinha. – 179 – Francisco Alves, e primus interpares dos cantores da actualidade e alvo da maior admiração no Brasil inteiro, no estran- [134] geiro, especializando-se na Republica Argentina, onde é um idolo da maior veneração, e como, propagandista de tudo que é nosso, que vem dos morros, engrandecendo as nossas Avenidas Palacios, Arranha Céos, e enche de alegria a nossa cidade maravilhosa. Conheci-o com o apelido de Chico viola, em mil novecentos e doze, pouco mais ou menos no Theatro S. José, ao lado de Alfredo Silva, Carlos Torres, Figueredo, e outros que não me vem a mente, fazendo pontas e cantando modinhas com vós ainda pouco educada, com o aparecimento do Radio, foi-se aperfeiçoando e hoje é um pharol que illumina o meio a onde elle é aclamado, e apreciado, com verdadeira justiça, que é bastante merecedor. Progrida pois cada vez mais, meu bom Francisco Alves, para que, daqui a meio seculo, possa ser descripto, pelos chorões da minha tempera, os teus feitos, fazendo o estímulo na phalange que pertences, pelo modo e maneiras que cantas, que tocas e interpreta as muzicas genuinamente Brazileiras. MORREU QUINCAS LARANJEIRAS Pranteamos aqui, o fallecimento, deste inegualavel leader do violão, este, que em companhia de Catullo, José Cavaquinho, em 1908, introduziu o Violão no Conservatorio, hoje Instituto de Muzica. Onde deu uma audição, com grandes aplausos, abrindo caminho, para que o violão se exhibisse nos grandes e aristocratos Salões. Quincas – 180 – Laranjeiras, fez a sua passagem, por entre chorões da velha, e nova guarda, como uma estrella diamantina, que desapareceu, deixando em seu percurso, o brilho transitorio das harmonias sonoras, que só elle, sabia tirar de seu instrumento. E foi assim, que sumiu-se esta Estrella, deixando a saudade, a todos aquelles que tiveram a felicidade de o conhecer. Ao escrever este Necrologio só tenho em mira realçar, e valorizar o nome glorioso do grande e inesquecivel artista que se chamou Quincas Laranjeiras. Morreu levando comsigo todas as suas illusões, sem que a nossa Imprensa dessem not. MORREU GALDINO BARRETO Como um sól que circulla, fazendo a sua rotaçãodiaria e depois some-se no occaso, deixando após de si, o quadro maravilhoso, que nem o pincel Murillo, e outros daquella ou desta, geração, seria capaz de reproduzir, e sim, imitar com cores Yris o deslumbrante painel da natureza, onde se retrata o crepusculo. Foi assim como o sól, que desappareceu deixando após de si estas maravilhas que se findou. Galdino Barreto, deixando tambem no seu trajecto, deste planeta, os effeitos do sol, com sua inspiração musical, harmonia e bellos acordes de seu mais que brilhante Cavaquinho com bons predicados de um bom filho, de um bom esposo, de um bom pae, e verdadeiro amigo. Que não sendo o crepusculo do sol, foi o crepusculo da muzica nas produções que abaixo menciono. Polkas: Me espere na sahida, Féra, Encantada, Honoria, Ricardina, Saudades, Os olhos de Flausina, della, Na sombra da Laranjeira. Valsas: Izaltina, Recordação, – 181 – Quadrilhas, e Mazurcas, e Muitas outras. JOÃO RIPPER O mais destemperado de todos os foliões, tocava cavaquinho e violão, dava em sua casa muito bôas festas, onde reunia o pessoal mais proeminente das serenatas, conheci-o como guarda da Alfandega, tive com elle intimidade frequentei a sua casa em companhia do poeta, e maior cantor do Brasil Catullo Cearense e o velho Bilhar por quem Ripper tinha por elles grande devotamento e muitos outros chorões a quem o Ripper offerecia a cada um d'elles um grande discurso. E assim termino estas linhas co o coração cheio de saudades. JOSE' MONTEIRO Quem não conheceu o Zé Monteiro, no Engenho de Dentro? Cantador de modinhas que deslumbrava, pois possuia uma voz maravilhosa! Zé Monteiro foi um principe no cavaquinho, era pessoa grata de Guttemberg Cruz, teve a sua grande época, na rua 13 de Maio, hoje Abolição, no Engenho de Dentro, nas farras passadas, era figura obri- [136] gatoria em todos os "pagodes" sulapando os cantadores de fama, quando nas salas ou no sereno cantava as letras do Grande Catullo, arrancava do povo os maiores applausos! obrigando a outros cantadores a se recolherem aos bastidores! Este cantor, que tantos corações fez pulsar tambem infelizmente já dorme o somno da eternidade. ALVARO CUNHA (Mocinho) – 182 – Mocinho, principe da velha guarda, é actualmente unico rei das serenatas, bom amigo, tem sempre recordações que nos fazem nascer as lagrimas nos olhos, pois Mocinho, conhece, e ainda canta e acompanha as modinhas dos nossos tempos! este "malandro" é uma casa "cheia" porque sósinho faz uma festa com o seu violão! Mocinho, foi companheiro inseparavel de Leandro, Guttemberg, e de todos os cantadores e tocadores dos suburbios, afinal é uma estrella que ainda brilha, fazendo successo, e mostrando o valor dos antigos chorões. O velho Alexandre, (O Animal) deseja que tu vivas 200 annos e sempre "mocinho"!... JOÃO LIMA Luminar dos Seresteiros. Com uma vóz encantadora, a todos arrebatava, João Lima era companheiro como poucos, tinha vóz de barytono, cantava uma ou duas noites as suas modinhas inteiras, sem repetir. Para acompanhar o heroe acima era preciso ser violão de verdade, e ter muita pratica; se não em cada modinha, era cem tombos. Em fim as modinhas de João Lima, só mesmo acompanhada por elle, pois era de um gosto extraordinario. Era muito conhecido não só aqui como em todos suburbios, pois onde tivesse não lhe faltavam os applausos. Era funccionario da Estrada de Ferro. Inda hoje a sua morte é pranteada, tal a falta que fez entre os chorões da velha e nova guarda, onde tinha innumeros admiradores e amigos. PINGUSSA O nome de Pingussa, a de ser sempre lembrado por todos os chorões da velha guarda. – 183 – As notas arancadas de seu violino, ainda repercute vibrando em nossos pensamentos como um penhor de saudade. [137] Astro do quilate deste grande artista! quando desaparece, deixa um vacuo consideravel e difficil de ser preenchido. Além de tudo isto, elle sempre soube adquirir sympathia, de todos que com elle conviveram. Pingussa, era um chorão de facto. JOSE' AYMORE' Era cavaquinho e flauta e da turma de João de Brito. Flauta já descripto por mim neste livro, assim sendo presto nesta descripção uma homenagem a esse chorão que se chamou José Aymoré, e que fez á alegria com seus choros em muitos lares, não só aqui como em Nictheroy, onde elle era um batuta estimado e respeitado no seu cavaquinho. TUTI Bem poucos chorões, haverá, que não conheça o bom Tuti, violão e bandolim sublime! No acompanhamento é de admirar em qualquer dos dois instrumentos. No sólo? nem se falla! Deixa apreciadores bambos das pernas tal a maneira do manejo nesses dois instrumentos. E' reformado hoje do Corpo de Bombeiros, e lá no seu bandolim e violão deixava todos extasiados independente da sua fina educação. VELLOSO, DA ESTRADA DE FERRO Foi um bom tocador de violão, era um excellente cantador de modinha, este que teve a sua época no tempo em – 184 – que o choro tinha brado de armas no suburbio, onde o noso bom Velloso se exhibiu com todo gosto, dando prazer e alegria ao pessoal que tanto lhe applaudia. Velloso foi do bom. ERNESTO PESTANA E GRACINHA O primeiro foi Praça de Policia, e o segundo Guarda Municipal. Ambos na revolta da Aramada, prestaram seu serviço ao lado do inclito soldado Floriano Peixoto. Pestana, como obrigação, e Gracinha voluntariamente alistou-se no Batalhão Municipal que naquella occasião se criou para defeza da ordem. Estes dois andavam sempre juntos, onde estava um, tambem, estava o outro. Pois bem; na revolta da Armada, Pestana foi guarnecer a cidade de Vassou- [138] ras. Gracinha vendo-s aqui separado de seu amigo, não poude se conter! Empenho d'aqui. e d'acolá. E arranjou ir para lá tambem destacado. Tocando muito bem violão (e cantando admiravelmente, como tambem seu inseparavel amigo Pestana, deram-se muito bem naquella linda cidade, onde cantando, e tocando; fizeram o agrado da bôa e agradavel população daquelle logar. Quando terminou a revolta, os heroes regressaram á esta Capital, com bastante pezar daquella excellente população. Pestana, como praça de Policia, julgo nunca ter galgado posto algum. Pois de um genio folgazão e inveterado farrista, andando quasi sempre, atracado ao seu violão, esquecia-se de ordens e disciplina, levando de vez em quando uma cadeia. Porém nem mesmo assim, detinha-o de farrista inveterado. – 185 – Gracinha era tambem da mesma tempera de seu companheiro e amigo. Ambos já são fallecidos. Este morreu de um desastre, em um bond da Companhia Villa Izabel, bem na Ponte dos Marinheiros, fazendo a maior consternação aos seus amigos que muito o estimavam. BRANT HORTA Lucio sempre com muita difficuldade, ao fazer perfis de celebridades iguaes a esta que vou tentar descrever. Pois Horta era um pedagogo. Porém apaixonado pela musica, tornando-se deste modo, um chorão de valor, que abraçado ao violão, percorria os mundos de harmonias, com accordes que só elle arrancava com inspiração. Eis tudo que tenho a dizer, deste astro luminoso e professor Emerito. PALMIERI E' tambem violão de encantar, e tanto assim que toca no bando do excellente flauta Pixinguinha. Ver o heroe acima tocar é um céo aberto. Sóla muito bem, acompanha tambem com grande maestria afinal de Palmieri tudo é bom especialisando a sua excellente educação e fino trato. Esta ultima particularidade já trouxe dos seus paes. Sem mais assumpto neste perfil, recebe Palmieri o meu abraço. [139] CHICO NETTO Era funccionario dos Telegraphos, tocava muito bem o violino, violão, e cavaquinho, especialisando-se no bandolim, que elle manejava admiravelmente. Disseram-me que em um torneio o chorão acima, tocou sem parar no seu – 186 – bandolim mais de quarenta e oito horas, por isso levou tres bandolins, afim de supprir a falta do que elle tocava quando arrebentasse uma corda ou desafinasse. Demonstrando assim ser um tocador de follego e grande resistencia. LUCIO REIS Era um bom amigo e distincto cidadão, funcionario da Imprensa Nacional, tendu um repertorio de Modinhas que por gosto se podia ouvir. Sabia cantar e dizer com alma, e voz suave, as delicias de tudo que nos falla o coração. Lucio tinha a lucidez de seu nome, pois era uma capacidade intellectual. A morte de Lucio, foi chorada e pranteada pelos homens de letras daquelle tempo. JACOBINO FREIRE Escrever este meu amigo de peito me é bastante impossivel, tal o seu grande, e immenso valor. Descrever Jacobino, é mais difficultoso, que ir em vida para o céo, apezar de já estar no senectus et morbus, ainda não dobrou a sua espinha dorsal. Rijo e forte parece um menino de seus vinte annos. Eu que muito com elle privei sei o quanto vale. Latinista de primeira grandeza, conhece o Portuguez a fundo. Discute esas linguas com profissiencia. Muitas vezes o aprecier na roda de Luiz Murat, Olavo Bilac e muitos outros no Largo de S. Francisco, na confeitaria Paschoal, Castellões e muitas outras. Descrevo aqui esta cellebridade porque Jacobino é o Poéta dos chorões. FRANCISCO GALVÃO (CHICO CARE'CA) Este bom chorão trabalha ha muitos annos no Jornal do – 187 – Commercio; é bamba no Trombone e turuna no Obóe, instrumento este por quem elle tem muita predilecção. Chico Cereca é um chorão devertido, por esta razão não podia de modo nenhum deixar de lhes prestar esta homenagem aqui. Amigo sincero e respeitador, um coração de ouro, explendido chefe de familia. Eis tudo o quanto tenho de [140] dizer deste chorão antigo e muito querido pelos chorões da velha e nova guarda. JUCA MÃOZINHA Era filho de um sapateiro alli na Rua do Estacio de Sá. Tinha um braço um pouco seco, e assim apresentava-se nos choros com seu violão em baixo do braço, todo cheio de si. Tocava muito pouco, só servia para acompanhar as modinhas que cantava, e que tinha uma bella e suava vós, de maneiras que só por isto era conquistado por todos que o conhecia. Apezar de sua estatura ser baixa, era muito magrinho o que não impedia de comer como gente grande. Eu tambem que comia bem ficava admirado de vêr um homem daquella forma acompanhado com as bellas cervejas vinhos e etc. Levanando-se da meza, ia dizendo! Quasi não posso andar! E logo este desabotoava o primeiro botão das calças e sentava-se de pernas esticadas por não podelas curvar. E assim com sua vós um pouco baixa, pois o estomago estava muito dilatada e hia assim, mal ou bem fazendo o que podia, afim de contentar as pessoas prezentes. Era de um genio alegre e folgazão sabendo fazer boas pilherias, que as vezes encabulava o camarada, Juca – 188 – Mãosinha, cazou-se depois de já um pouco maduro, e retirou-se da lucta para sempre, pois depois de seu casamento pouco viveu. E assim foi-se mais um que fazia alegria nos lares. MANECO LEAL Primoroso pianista, querido e fallado não só aqui, como em todos suburbios. Companheiro inseparavel do inesquecivel e saudoso Bilhar, e Catullo. O Maneco, n'um choro, fazia o piano fallar. Deixou muitas boas composições. Era distincto amigo, e excellente chefe de familia com elle muito privei, e compartilhei com sua amizade, e sympathia razão porque, lamento cheio de saudades o seu desaparecimento no meio dos chorões. JOÃO CAPELANI Era irmão do grande violão Néco. Tocava cavaquinho como gente grande. Gostava muito de um baile, onde hia até o enterro dos ossos, o que elle adorava doidamente. Era bom typographo dos jornaes daquelle tempo, e falleceu em Nictheroy, deixando saudades a todos os chorões. [141] JULIO BARBOSA Chorão antigo e inveterado, que tocava em uma Sociedade Dansante, denominada Adamastor, lá para os lados da Cidade Nova, assim como em muitas outras. Era especialista nos tangos do inesquecivel Ernesto Nazareth, e nas valsas lentas, de escriptores allemães. Era um prodigio nas nossas polkas, e nas mazurkas, nem se falla, pois tinha brado d'armas. Por isso era conquistado pelo bello sexo, que elle com maneiras graciosas, e finas verves, sabia corresponder as espectativas do genero. Era – 189 – pianista chorão de facto e respeitado na roda de seus congeneres. Hoje retirado do choro, onde com seus feitos immortalisou-se, é um intellectual da nossa Engenharia. Sempre foi de uma generosidade sem limites e de uma educação fina e aprimorada. O seu maior predicado, é não conhecer, a palavra não, pois resolve os problemas mais dificeis com a palavra sim!... Sempre foi Smart, trajando-se com apreço e bom gosto. Com elle muito privei, e delle recebi muitas boas lições musicaes. Pois Julio no tempo que tocava era senhor dos segredos do piano pois quando o acompanhava com meu violão, me trazia de canto chorado. Receba pois Dr. Julio, os applausos que sempre lhe dispensei, com toda justiça de quem é merecedor. BULHÕES Chorão velho, e de fama. No Rio não existe Sociedade que não conheça este astro do choro. Bulhões toca tudo não só dos velhos chorões, como tambem dos novos. Tem grande quantidade de musicas de sua lavra, que é uma bellezza, é de extasiar. Conheço muito de perto este grande musicista e sei o quanto elle vale não só para mim, como todos que tem a felicidade de conhecel-o. Onde este heroe estiver não tem ninguem triste, pois com seus trocadilhos engraçados só faz hyllaridade. Dos chorões velhos quasi todos já se acham retirados: Porém. Bulhões não! Cada vez mais agarrado ao piano que elle toca com grande facilidade, parece um general quando nos campos quer ganhar a batalha. E assim sendo continu'a a ser um chorão admirado e respeitado. Por isso daqui envio-lhe os meus sinceros parabens por este astro – 190 – de fina tempera. [142] AUGUSTO RIBEIRO Deu grandes prazeres, nesta cidade, e seus suburbios. Tocou admiravelmente a sua maviosa flauta. Tinha choros molle, de fazer os ouvintes ficar mesmo de pernas bambas. Conhecia muitas composições dos velhos e respeitados flautas da quelles tempos que já se foram. Tem algumas boas composições por elle feita. Em fim era dilecto amigo, quando se falasse no chôro não dava pra traz. Que diga o Catullo e o Idomineu. BARNABE' GUIOMAR BOIS Cantor de modinhas de meus tempos ainda, companheiro e collega de repartição do grande Antenor de Oliveira, pois ambos eram operarios do Arsenal de Marinha. Barnabé, era um chorão adorado por todos que sabiam dar o valor aos trovadores das madrugadas d'aquella época, uma serenata organisada por Barnabé e seus companheiros transformava-se em tres, quatro ou cinco dias de farra! porque este trovador, despertava alegria e saudades nos corações das familias, que abriam os seus lares para este bohemio, que foi um bom filho, e um sincero amigo, pois sabia corresponder a confiança que os chefes das casas lhe depositavam! Nas cançonetas, Barnabé, arrancava os maiores applausos dos presentes, de facto era deveras engraçado, nas modinhas, aonde estivesse cantando enchia a rua de ouvintes, porque além de ter bellissima voz era um dos cantores mais afamado de seu tempo! Morreu muito moço, – 191 – deixando nos Corações de seus amigos as mais vivas lembranças, das serenatas que já passaram... ACTOR FRANÇA Conheci-o como um dos grandes ornamentos da inesquecivel Companhia Dramatica Dias Braga, onde elle, depois dos espectaculos, dava a vida por uma seresta, munido do seu querido violão. Era seguro nos accordes e cantava quasi todas as modinhas e lundús em voga n'aquelle tempo. Com elle, muito toquei, e quando tinha um bom chôro para ir, eu mandava um portador esperal-o na porta do theatro, pois o França, era, uma obrigada, no nosso conjuncto, e nos acompanhava para toda, até para os suburbios e Nictheroy. No theatro todas as vezes que havia uma peça, onde o violão [145] se exhibia o França fazia prodigio, tornando-se por isso muito popular, pois era um artista considerado, e cummunicativo. Tinha muita presença de espirito, e os seus trocadilho eram expontaneos tanto no palco como na intimidade. O seu fallecimento enlutou o Theatro Nacional. Conheço a sua prole, pois em todos os seus descendentes, são dignos da minha consideração, nos quaes vejo reflectir em cada um d'elles a imagem do meu bom amigo França, este que foi um chorão e chorão de verdade. MAESTRO VILLA LOBOS Esta celebridade, conheci quando elle era um eximio chorão. Tocando em seu violino, tudo o que é muito nosso, com perfeição e gosto, de um eximio artista, em companhia do grande cantor e poeta dos Sertões, – 192 – Catullo Cearense, de que elle é um dedicado amigo. Villas Lobos é hoje uma gloria do nosso amado Brasil. Sinto-me fraco quando tenho de dizer qualquer cousa de um personagem da esphera do grande maestro Villas Lobo, pois por mais que eu diga, ainda é muito pouco, pois genio igual a elle, já está por si inautecidos, como um pedestal, por elle levantado, que glorificou e elevou a nossa musica no Brasil. ARTHUR ALVES Violão celebre, e inegualavel acompanhador, este distinctissimo chorão, é o progenitor do muito digno Dr. Advogado Lauro Salles, sempre foi e é, um grande admirador do Mestre dos Mestre, Catullo, de quem é intimo amigo, e companheiro de chôro, que tantas delicias tem dado a todos os auditorios, que gostam de ouvir as boas musicas, eis o que tenho a dizer deste dilecto artistas. SINHÔ REI DOS SAMBAS Infelizmente a vida tem seus caprichos, ha indivuos que não podia, nem devia morrer, porém Sinhô morreu quando devia. Sabe porque leitor?... Por que elle foi além dos paramos com as suas producções originaes de musicas theatraes, onde encarnou o nosso querido e estimado samba, com todos os predicados melodiosos genuinamente brasileiro. Ainda hoje, que o samba tem se desenvolvido e tomado vulto, descendo do morro, para os salões aristo- [146] crata, quando se toca um samba de Sinhô, é sempre ouvido com a maior attenção, razão porque, foi cognominado Rei dos Sambas, e muito merecidamente. Com elle muito privei, – 193 – conheci-o em companhia do Dr. Julio Barbosa, de quem era grande amigo, e compadre. De Antenor de Oliveira, de saudosa memoria, pois Sinhô era um aprimorado pianista, e tocava com maestria e gosto o seu violão, este que lhe inspirava em bellos accordes, maravilhosas producções, patenteando o valor deste inesquecivel artista, que findou-se dentro de uma barca, que fazia o trajecto da Ilha do Governador, para esta Capital; deixando um claro no meio dos chorões, muito difficil de ser substituido. E assim desappareceu este astro flamejante, depois de ter illuminado com seu grande brilho, todos os microphones, das estações de Radio que vae de polo a polo, e de mundo a mundo, engrandecendo as musicas brasileiras. ALBERTINO CARRAMONA Foi aprendiz dos meninos Desvalidos de Villa Izabel. Eximio pistonista, admirado, protegido de Princeza Izabel. Pois estando esta banda, tocando um dia no Palacio Guanabara, a Princeza, ficou encantada com o solo do pistão, mandando vir a sua presença o executor que era o nosso sempre lembrado Carramona. A Princeza notou, que elle tinha uma das vistas vazadas, que muito sentiu, e ordenou que lhe fosse apresentado a um occulista, que lhe collocou um olho de vidro, tão perfeito, que difficilmente se notava, tal foi a perfeição do scientista. Depois elle tocou em diversas bandas, finalmente entrou par o Corpo de Bombeiros, como primeiro pistão, sendo logo escolhido como contra-mestre da mesma, debaixo da batuta do inesquecivel Anacleto de Medeiros. Ahi foi que Carramona mostrou competencia, e saber, de um verdadeiro artista, – 194 – seguindo com capacidade, e respeito, o querido amigo e mestre Anacleto. Tornando-se um eximio professor, compositor e continuador do seu inesquecivel mestre, tendo lhe substituido no nivel de igualdade. As musicas de Carramona, são dispoutada pelo valor, e elevada inspiração. Vou aqui [147] sitar algumas que são: O Vagalume; Garbosa Civismo, Harmonia dos Campos. Falleceu no posto de 2° tenente do Corpo de Bombeiros, e ensaiador da Banda, que tinha nelle um devotado mestre e amigo. CHRISPIM (OPHICLEIDE) Quem não conheceu este immenso chorão acima, julgo que daquelles tempos, ninguem! Chrispim foi chorão de fama, como elle bem poucos. Esquecia-se de tudo quando se mettia na fuzarca, tornava-se mesmo um doido mal comparando. No seu Ophicleide, acompanhava todos os choros com graça e arte, de por agente bambo. Solava muito bem, boas polkas, chotichs, e quadrilhas, que era uma belleza innegualavel. Era amigo de verdade trabalhou na Light como cocheiro sendo muito estimado por seus patrões. Falleceu ha poucos annos. CASTRO AFILHADO Quem não conhece este inveterado chorão? Que ainda hoje, de vez emquando, nos enche de alegria, e prazer, com suas modinhas e seu querido violão, pelos microphones dos Radios, cantando velhas e novas canções e tudo que é muito nosso. Castro Afilhado, é um nome respeito e venerado, no roda – 195 – intima de todos os chorões antigos e modernos. CABRAL Era guarda Municipal, farrista de muito folego tocava violão como gente grande. Era um amigo de verdade, e um baluarte que não negava fogo. O chôro fazia parte da bagagem de sua alegria, e onde estivesse o Cabral não havia tristeza. Estava formado o brinquedo. Muito com elle andei e hoje ainda sinto saudades d'aquelles tempos, que já se foram e não volta mais. ALBERTO LEÃO Grande e gostoso violão Leão era violão de veras tocava como poucos. Os seus accordes, solo, e acompanhamento era de arrepiar, tal o gosto em que elle tocava. Lembro-me de uma baile em casa de uma grande chorão que se chamava Nascimento na rua do Conde D'Eu hoje Frei Caneca. [148] Lá pelas tantas de madrugada, Nascimento, arranjou um quarto com umas esteiras para descançar-mos um pouco achava-se em nosas companhia o celebre violão Juca Russo e tambem o escriptor deste. Pela manhã Nascimento trancou o quarto, ficando todos nós presos. Leão quando foi lá pelas pelas tantas do dia, acordando, e vendo-se fechado, poz-se a dar grandes urros, imitando o bicho leão, de maneira que os gritos que elle dava fazia grossas gargalhadas nas pessoas de casa, e nós que ali estavamos tambem. Com muito custo o dono da casa abriu a porta, que foi uma grande patuscada de todos. Com muito custo o dono da casa abriu a porta, que foi uma grande patuscada para todos. – 196 – Leão tambem já não vive, deixando grandes saudades. BENEDICTO LACERDA Me é bastante difficultoso escrever sobre este grande e immenso professor, e executor de flauta, tal a sua maestria neste instrumento. Daqui da nossa casa, ao ouvir Benedicto nos preludios da sua flauta, chego a ficar perplexo, e mesmo estatico em apreciar este sublime musico na sua mais que maviosa flauta, pois é de encantar Bem poucos farão o que Benedicto faz, com seu sopro admiravel, com uma perfeita theoria musical, de fazer o mais sceptico das criaturs enthusiasmar-se ao ouvil-o Daqui destas toscas linhas, vou fazer um pedido a Benedicto, de dar expansão as musicas nunca esquecidas dos sempre lembrados e chorados flautas, que foram Callado, Viriato, Capitão Rangel e Luizinho, todos estes foram planetas, que passam depois de centenares de annos. Talvez o grande flautista, não executes estes choros, pela difficuldades em obtel-as, procurando na rua Mattos Rodrigues n. 31, o grande professor Cupertino, pois tem o mesmo no seu caderno qusi, ou todas as musicas destes immensos chorões, que os seculos não trarão mais. Tenho assim a plena certeza, que o bom do Cupertino, cederá pois terá muito prazer em ouvir de um musico como Benedicto, expandil-a pelo Radio, não só perpetuando amemoria delles, como fazendo o encanto da população, que pelo Radio se extasiará ao ouvir esas belli- [149] simas musicas, que muito agradecerá ao Benedicto e o escriptor destas apoucadas linhas. – 197 – PEDRO AUGUSTO E' um clarinetista de primeira grandeza. Foi contra-mestre da Bando do Corpo de Bombeiros e hoje é considerado um professor de musica tanto para leccionar como para executar. E' um chorão que tem excellencia respeitavel em seu meio que constava de Carramona, Lica, Geraldo Bombardino, Luiz de Souza e muitos outros. Pedro Augusto ainda vive para alegria de sua familia e de seus amigos. RAUL (FLAUTIN) Conheci mais ou menos aos vinte annos chorão de respeito, as musicas que tocava era de arrepiar carreira umas, e outras de facil acompanhamento, tocava conforme o valor dos acompanhadores. Naquelle tempo o seu instrumento predilecto era o flautin, que não ficava nada devendo ao inesquecivel Henriquinho Dourado. Fez parte de um bello conjuncto, que neste fazia parte, tambem o mavioso violonista Vicente Sabonete, e ultimamente de ouvil-o a maviosa flauta no Rancho "Quem falla de nós tem Paixão", que muito o admirei, pois Raul, é hoje um flauta de sopro mavioso e cheio de expressão. Raul além de ser um grande apreciavel musico, é exemplar chefe de familia, distincto amigo, companheiro dos bons e explendido official de orthopedia. Eis aqui mais ou menos o perfil de um grande chorão que não me podia passar por desapercebido por modo nenhum. SAMUEL LEITE Foi funccionario da Estrada de Ferro, era irmão do inesquecivel Timbó tocava bem violão cantando as nossas modinhas com muita alma. Era – 198 – um verdadeiro seresteiro e chorão de tempera. Ainda hoje o Samuel é muito lembrado pelos seus companheiros de farra com muita razão pois o inesquecivel Samuel não dava p'ra traz em nda. LEANDRO DE SANT'ANNA (MAESTRO) Era um clarinetista de immensuravel valor professor eximio [150] que regeu muitas bandas de musicas. Pouco tenho que dizer deste grande artista musical por me faltar os dados capazes de inaltecer ainda mais este chorão que talvez possa fazer na segunda edição. PATRICIO TEIXEIRA Conheço-o e sei o seu real valor, nos choros, que elle adora. Foi e é, batuta respeitado pela maestria que dedilha o seu afamado violão. Acompanha qualquer instrumento cantante com a maior facilidade, pois conhece seu instrumento por dentro e por fóra com maestria. O Radio, esta grande maravilha do Seculo, encontrou em Patricio Teixeira, o vehiculo de sua incalculavel grandeza; para alegria de todos os lares, onde elle por intermedio de microphone sabe dizer, sabe cantar, pois elle é possuidor de um repertorio de sambas, e modinas, é pena que Patricio tenha se passado ultimamente para embolladas deixando no esquecimento as modinhas de enebriar, aos seus ouvintes, acho bom meu caro Patricio, que retroceda em recordações, a tantas modinhas, a tantas canções, a tantos sambas tão cheio de melodias interpretada pela vosa maviosa vóz, que tanto impera, no meio de todos os vossos companheiros de choro, – 199 – que não regateia o vosso valor que tens adquerido com tantos esforços e bôa vontade. Eis porque, o autor destas linhas, vos admira, com applausos de todos que como eu, tem a felicidade de pelo Radio, te apreciar. VICENTE VIANNA (Vianninha) Conheço bem de perto, este valoroso companheiro firme e seguro e dei o valor real do seu tempo. Não recusava parada, pois estava sempre prompto para a lucta, fosse elle onde fosse. Vianninha foi um doido pelo choro. Nas modinhas daquelles saudosos tempos, elle sabia dizer o que sentia. Com seu mavioso, e saudoso violão, sempre em baixo do braço, acompanhava-nos para todos os choros, onde elle sabia da vida ás festas, que com prazer, não as perdia. Andava na roda do Theberge, do Bilu', do Brandão do Quintiliano, de mim escriptor destas reminiscencias, querendo eu dizer, que Vianninha, nunca tinha folga. Tocava regularmente o violão, e era sublime cantor de [151] boas modinhas, pois além de possuir bella, e harmoniosa voz, acompanhava elle mesmo com ternas e graciosas harmonias. Nas festas onde se achava não havia tristezas, pois Vianninha, tinha sempre belas pilherias e trocadilhos de fazer risos. Eu não podia neste meu livro esquecer este grande amigo, pois quando por acaso nos encontramos, e conversamos dos nossos saudosos tempos, em que tudo eram flores, nos olhos de Vianninha, ainda rola tristonhas lagrimas, por estas lembranças que nos molesta o coração. Hoje tambem como eu, retirou-se a vida privada, só tratando de sua distincta familia. – 200 – E nada mais. BENEDICTO MONTE Musico de nomeada, pianista de renome, que se immortalizou com as suas valsas lentas, polkas bregeiras, e partituras de infinidades de peças theatraes. Benedicto Monte, é um maestro professor de muisca, e regente de orchestras de quasi todos os theatros d'aqui do rio, como tambem de Nictheroy de onde é filho e morador. Elle tambem tem escripto muitas peças theatraes, peças estas que alcançaram exito pelo valor da sua musica e tambem pela verve de trocadilhos finos e humoristicos. Quero dizer com isto que o nosso bom Benedicto Monte, além de um eximio maestro é tambem um bom escriptor que muito tem feito pela grandeza do nosso Theartro, com a sua intelligencia, e merecida dedicação, razão porque se torna dignos dos nossos applausos. Ha muito tempo não o vejo, mas ainda existe morando lá para os lados de Nictheroy, ou então como regente de alguma Companhia em excursão pelo Norte ou Sul, pois, Benedicto, conhece todas as praças theatraes do nosso Brasil. Elle é um explendido amigo, possuidor de maneiras communicativas, e sendo assim, tem elle, em cada conhecido um amigo, e, em cada amigo, um admirador. As musicas de Benedicto Monte são reputadas e acclamadas pela sua melodia, principalmente em se traando de valsas. Receba pois, Benedicto as felicitações por tudo que descrevi porque muito te admiro. SÃO JOÃO Conheci-o em 1911, em casa do velho Bilhar, esse immensu- [152] – 201 – ravel chorão, de verve humoristica, na prosa, na declamação, nos lundu' e nas modinhas. São João, foi alumno da Escola Miitar, e hoje faz parte da commisão Rondon. E' eximio violonista, que prende com graça, e arte todos os auditorios do rude, ao mais selecto. E de uma educação fina, e aprimorada. E' um grande admirador e propagandista das nossas musicas, que elle tem como um evangelho. E' um grande amigo, de Catullo Cearense, e era tambem do inesquecivel, e sempre chorado Bilhar. Este que um dia de uma grande festa, em sua residencia, tive a felicidade de ser por elle apresentado, e depois deste dia, fiquei preso aos laços de sua amizade, que ainda hoje conservo. São João, é hoje para mim uma reliquia que guardo com carinho, em meu coração, pelo modo, pela maneira gentil do seu fino trato, e a expressão da sympathia que prende e cativa a todas as pessoas que privam com elle. São João é uma casa cheia... CASA EM QUE OS CHORÕES ABARRACAVAM-SE Existia na Tijuca uma creoula de meia idade, que era uma maluca pelo chôro. Esta creoula, chamava-se Maria da Piedade, a sua casa vivia dia e noite, abarrotados, a maioria era de chorões desempregados, e que andavam sempre sem vintem, e a tinir. Onde encontra-se um abrigo, que tivesse o pirão, e o bibirique, e um canto com uma esteira, que elles se encostasse, não sahiam mais. De violão em punho, cavaquinho, harmonica, flauta, etc., estavam num céo aberto. Piedade, era uma creoula seria, e honrada, nunca dos que frequentasse a sua casa della – 202 – abusasse. Vivia do seu trabalho, (isto é) lavando e engommando, pois tinha grande freguezia e ajudada no trabalho, por uma mulata sua comadre de nome Felismina, que muito a ajudava em casa, e outras vezes em aluguel. De maneiras que, estas duas comadres, eram fanaticas pelos choros em sua casa cotidianos. O que ellas ganhavão, era para gastar na venda no açougue, no Padeiro, etc. Não encommodando-se de no fim do mez, ficarem sem vintem, o que ellas queriam era o choro. As duas comadres se deleitavam com estes chorões, convidando moças para dansarem, que ia até a madrugada. [153] As panellas que Piedade fazia os pirões era uma lada de kerozene, que ella lavava bem, escaldava e depois, jogava dentro tres e quatro kilos de carne secca ½ kilos de toucinho, lombo salgado, tripa, buxo, e mais pertences. Esta lata ia para o fogo ás 4 horas da manhão, pois as 11 ou 12 horas, já estava em ponto de bala preparado para comer-se. A mesa era posta no quintal que era grande, e ali os chorões se atolavam. A feijoada era sempre acompanhada de um bello paraty, que mandavam buscar em uma venda que era dono, um senhor Antonico Ferreira, pois caprichava muito nesta qualidade de bebida, e que era muito procurada. A casa de Piedade era um sanatorio de molestias que preciso-sasse ar puro pois não recusava doentes, desde que qualquer destes chorões pedisse. Estes doentes eram quasi sempre dos que estavam mal de vida, que o seu bolso estava em falencia, pois Piedade, além dos chorões que ella sustentava e abrigava, ainda alimentava estas pobresinhas com remedios, diéta, e mais que – 203 – fosse preciso, até medico, ella chamava que com o grande conhecimento que tinha no logar, e com medicos que para elles e as familias, nada pagava, e mesmo remedio que elles davam com compaixão da doente e o acto humanitario de Piedade. Os componentes das festas naquelle tempo que frequentavam a casa eram: O escriptor deste livro, Seu Velho, Horacio Theberge, João Cabelleira Quintiliano que era o flauta predilecto, Corte Real, Baziza, Luiz Brandão, Juca Russo, Ismael Brasil, e até muitos musicos que foram do Arsenal de Guerra, Mario cavaquinho, João Cabelleira, onde ella tinha numerosos camaradas. E muitos outros que não me vêm a mente, pelos grandes, annos já passados. Piedade morreu victima de uma scena brutal de dois cavallariano, pois tendo Piedade, um filho de criação apelidado de Passarinho e tendo omesmo feito uma desordem na Muda da Tijuca, e na approximação dos cavallarianos pelos mesmos, ao entrar na casa correndo, aconpanhado pelos cavallarianos que chegavam a metter os cavallos dentro da mesma, e tomando ella um grande choque, cahiu para traz, fulminada por uma syncope, tendo o seu corpo sido enterrado no cemiterio de S. Francisco Xavier, sendo acompanhado por muitos chorões, estando nes- [154] te meio o escriptor, Seu velho e Juca Russo. E assim apagou-se uma vida que deixou grandes consternações nos chorões e toda aquella população, onde ella era venerada como uma santa, por muito bem que praticou. TINOCO – 204 – Conheci-o. Estava sempre no Largo de S. Francisco, esquina de Andradas, que com outros bohemios daquella época, reunião-se em uma venda alli existente, que era dono um tal chiquinho, como era conhecido, e já por mim descripto. Alli Tinoco com Antonico Moura, Ferraz, Angelo Pinto, Faria Menino, João Cabelleira, Maneco Linguiça, Felix Roxinho, Napoleão Faquista, Dominguinhos da Sé, Alfredo Caveira, Diogo da Lapa, Luiz Boccamolle, Dario Cleto, Tito da Praia, Anthenor da Praia, Vicente Italiano e muitos outros campeões bambas que alli se reuniam, afim de contar as suas proezas, que para elles era o maior prazer que podia existir naquelle tempo. Tinoco naquella roda, era tambem respeitado, e alli, com os mais, não fazia outra coisa se não cantar boas modinhas, em tom baixo só para elles escutarem, e que era muito apreciado. De maneira que não deixavam socegar o bom Tinoco, pois carregavam para todo logar, afim de cantar suas bellas modinhas, que era um primor, com a linda vóz que possuia. Posso mesmo afiançar, que bem poucos cantores de modinhas, podia comparar-se com Tinoco. Era muito conquistado não só pelos seus amigos, como tambem por muitas familias, que o adorava, não só por ser este predicado, como tambem pela sua finissima educação. Era um excellente amigo e companheiro firme para tudo que se tratasse do chôro, o que elle adorava, com grande prazer. Também já é morto, deixando assim um claro, bem difficultoso de ser prehenchido. MADEIRA Conheci este distincto amigo em diversos bailes que junto tocamos, elle na sua valente flauta, e eu o acompanhando de violão, ou cavaquinho. – 205 – Era elle estafeta dos Telegraphos, cargo em que se aposentou. Tocava em uma flauta de cinco chaves, porém não ficava devendo nada, aos que tocavam a [155] de novo systema. Madeira sabia dizer naquella flauta os segredos mais profundos que um coração possa sentir. Nos choros que com elle toquei, o apreciava-o gostosamente, pois elle era um obsecado pelas musicas do sempr chorado e lembrado Callado, de quem nunca me cansarei de elogiar. Sinto-me orgulhoso de reelembrar aquellas musicas todas! (Que se aguentasse os pobres acompanhadors) que se viam tontos, para dar conta de seu recado. Era excellente chefe de familia, amigo dilecto de seus amigos. Nos choros quando era convidado, e que não tivesse compromisso, não dizia que não! Pois sua blauta estava sempre prompta para o serviço. Depois aposentando-se nunca mais nos encontramos, não sabendo se ainda é vivo, e que faço votos que sim. ELIAS Foi chorão afamado. Seu instrumento predilecto era a flauta, que elle tocava com amor e carinho. Elias era irmão de sangue do grande professor de musica João Elias, de quem já fallei. Tinha grande predileção por Callado que elle adorava, e venerava. Quasi todas as musicas que tocava era deste incomparavel flauta. Foi organisador dos choros dos maxixes naquelles tempos, em que elle era conquistado, e adorado pelos donos dos mesmos. – 206 – Além dos maxixes em que tocava, floria com sua maviosa flauta nos bailes em que se dava, naquelles bons tempos. Eram seus acompanhadores. O Binoca trombone, o ventura Caréca de violão, Juca Valle, tambem de violão, o Theotonio Machado, e o Antonico dos Telegraphos de ophicleide, o Antonico Piteira de cavaquinho, e ainda outros que não me lembro já pelos annos passados. Era excellente flauta, e dos que quando botava a bocca na flauta, os acompanhadores aguentasse! pois era chôro, em cima de chôro, e assim ia até de manhã, e as vezes até pelo dia acima que era um primor. Escreveu muito bons choros, e que um ainda me lembro que elle, offereceu a filha de um meu collega, com o nome de Alcina; que era uma belleza. Tinha um genio retrahido, por isso não gostava muito de brincadeiras; tratava a todos com o maior respeito, e consi- [156] deração, e no entanto era um coração de ouro, e amigo distincto. Privei com elle não só nos choros, como tambem dentro de seu lar, onde todos eram tratados com a maior consideração impossivel de descrever-se. Infelizmente já fallecido a bastante annos. TABACÃO Tocava violão e cantava bôas modinhas, frequentava n'aquelle tempo a casa do Caixerinho e do Mamede lá para os lados da Piedade. Morava elle em Nictheroy onde era um bamba. Companheiro de Cypriano, Soares bombardão, Néco e Luiz Brandão. era um chorão de patente pois, se esquecia de tudo quando estava de violão em punho. EDMUNDO – 207 – Artista de merito, compositor eximio. Este musicista immortalisou-se com as suas musicas maravilhosas. Foi elle o autor da musica da explendida modinha do nosso bom e explendido poeta Catullo Cearense "Talento e Formosura". Dizendo isto disse tudo o quanto podia dizer deste grande artista. PLACIDA DOS SANTOS Digna de admiração, foi em seu tempo uma garganta de ouro. Sabia cantar com gosto as modinhas Brasileiras lundús bahianos apimentados e buliçosos e tambem dizer com arte os monologos humoristicos. Ella foi uma estrella que brilhou em todos os palcos brasileiros do Sul ao Norte. Fez a sua época de admiração e deslumbramento no antigo Eldorado sito ao Becco do Imperio na Lapa, onde tornou-se o idolo das platéas. Era a Placida dos Santos nesta occasião uma bella morena côr de jambo com todos os requesitos de uma artista consumada. Muito simples e modesta tornava-se deste modo cummunicativa. Com ella privei, e frequentei a sua morada que era um céo aberto de grandezas, onde o luxo se intervalinhava com a simplicidade dos seus usos e dos costumes, razão porque, era frequentada pelos chorões d'aquella época como foses Luiz Brandão, Quinca Larangeira, Néco, Henrique rosa, Bilhar, Catullo, Mario e Galdino cavaquinho, e muitos outros. A sua mesa era farta em tudo. Elle é uma fervorosa admiradora do violão, seu instrumen- [157] to predilecto. Placida dos Santos é irmã do inesquecivel, Lulú Vasconcellos de saudosa memoria, com quem andei em muitos bons pagodes aqui na – 208 – Capital e em Nictheroy. Vasconcellos não tocava nem cantaa, mas, era muito considerado na roda dos chorões, e por esta razão rendo aqui uma homenagem, mesmo porque Lulú Vasconcellos e Placida dos Santos eram dois corações irmãos com palpitações iguaes. Lulú Vasconcellos falleceu e Placida está inveteravel carnavalesca, este ornamento artistico, ainda vive, tendo o seu throno de apogeu como rainha que é de todas as tradições festivaes de Momo do Club dos Democraticos. Receba pois, Placida, o meu admiravel amplexo. LEOCADIO DA CONCEIÇÃO Quem conheceu o "molequinho da fláta", como o tratavam seus amigos na intimidade, é que pode dizer o flauta chorão que foi Leocadio. Era tão sagaz que muitas vezes o vimos junto ao Edgard, nos bailes e mesmo na intimidade desmanchar-se em duetos, nos choros, valsas, tangos e quadrilhas. Hoje, quando ouvimos as maravilhosas composições dos mestres Anacleto de Medeiros e Irineu de Almeida, executadas por outros, temos a impressão de que estamos ouvindo o grande flautista Leocadio, de saudosa memoria. – Deixando o numero dos vivos muito cedo, finando-se na flor da idade, deixou sangrando o coração da sua extremosa mãe e immoredouras saudades dos seus amigos e companheiros que não tiveram a ventura de prestar-lhe o ultimo conforto em virtude de haver fallecido em São João d'El-Rey, (Minas), para onde havia partido em busca de melhoras para a sua saude. JORGE LINO PEREIRA (Bambino) O cantor dos tempos – 209 – passados e ainda de hoje; não deu o seu quinhão ao vigario. Dentro do craneo do Bambino existe um deposito de modinhas ternas; valsas, polkas, tangos e lundús que pontificavam Catullo, Eduardo da Neves, Benjamin e muitos outros cantores e compositores de versos. Causa admiração ver-se um cerebro previlegiado como o do Bambino. Ainda hoje se lembra e canta musicas de nem sei a quantos annos atraz, sem faltar uma só phrase. Para isto basta que elle [158] esteja disposto e que se ache com elle o Chico, que o acompanha admiravelmente ao violão. E' o verdadeiro cantor de salão o Bambino. Sabendo dizer, com perfeição, as poesias do seu vasto repertorio, empolga o auditorio mais exigente. LULU' CAVAQUINHO Bem poucos serão dos farristas de agora, que não conheceu o bom e excellente amigo Lulu' cavaquinho. Era da turma de Mario, Galdino, Napoleão, Antenor de Oliveira, Quincas Laranjeiras, Juca Russo, Jorge Seixas, e muitos outros chorões, alguns ainda vivos. Era o grande executor acima de uma habilidade bellissima neste instrumento, pois não só solava, como tambem acompanhava muito bem. Lulu' vendo ser tocado e inventado por Mario, transformando o cavaquinho de quatro cordas, em doze, metteuse na cabeça, de tambem aprender, o que conseguiu com Mario, com grande facilidade. Este instrumento não havendo nomenclatura na musica, Mario botou o nome de Bando, instrumento este, que supre o – 210 – cavaquinho, e tambem sola em qualquer tom, sem precisar recorrer as oitavas. Hoje bem poucos o tocam, a não ser o grande musico Jorge Seixas aprendendo o mesmo sem mestre. Lulu' foi da turma dos bons, ainda hoje o seu nome é lembrado e commentado na roda dos chorões. TAFY Era bahiano de nascimento, e carioca de coração. Tafy logo que aqui chegou em pouco tempo, relacionou-se com os grandes, e pequenos chorões desta capital, fazendo com elles grandes amizades. Era um violão respeitado, pois tocava com grande primor e arte. Tinha bellos accordes, onde eu pude pegar um delles, que é em Fá sustenido menor. Apreciei muito este executor de violão, em casa de Mariquinhas duas covas, que sendo Bahiana tambem, já o conhecia de seu Estado natal. Na sua casa Tafy fazia o regallo, não só de Mariquinhas, como as mais pessoas que sempre lá estavão; principalmente ao bello sexo, que eram ás dezenas. Mariquinhas muito gostava de Tafy, pois sendo elle bahiano, de lá já vinha o seu conhecimento desde pequenos. [159] Tafy, além de ser um sublime violão, tambem era um bom cantor de modinhas, principalmente, das que trouxe de seu estado, que eram excellentes. Tinha tambem bella voz, que fazia arrebatar os auditorios, de que muito se orgulhava. Muito toquei com este chorão, e muito o apreciava; não só nos acompanhamentos como em solos, que tinha-os muito bons. Morreu no seu quarto repentinamente, tendo lá sido encontrado. Deixando muitas saudades. – 211 – CHIQUINHA GONZAGA Maestrina e compositora. Chiquinha Gonzaga, foi uma das primeiras pianistas em todo o Brasil, conhecia o piano por dentro e por fóra. Era de um gosto extraordinario como nenhum ainda apareceu. Chiquinha, era de uma educação finissima, de um tratamento sublime, na sua casa, recebia todos com o maior carinho, sempre risonha e satisfeita. Quando pedia-se para tocar um chôro, não se fazia de rogada, abria o piano e, com os seus dedos habeis e admirados principiava com um chôro composto por ella pois são innumeros, e fazia a delicia dos que a escutavam. Tocava tambem o classico, tinha grande predilecção pelas musicas de Carlos Gomes, que ella conhecia com grande profisciencia, tambem adorava as musicas de Verdi, Puccini, Leoncavallo, Paganini e muitos outros grandes musicos. Infelizmente falleceu a pouco tempo deixando grandes saudades aos que a conheciam. Neste livro que só a força de grande vontade pude escrever deixo os meus sentidos pezames e immorredouras saudades, a distincta familia Neves Gonzaga. ARTISTAS DE RADIOS Quanto aos artistas do Radio deixo de mencionar seus nomes pois todos elles pode-se dizer, que são artistas de hoje, e que todos os conhecem os seus feitos, e gloriosos, atravez deste apparelho que é a admiração do mundo inteiro. Todos conhecem bem, o quanto merecem não só pelas suas encantadoras vozes, como tambem pelos os instrumentos que os acompanham pois que são de uma sublimidade impossivel de descrever-se. Não são só os que tocam no Radio daqui, tambem os do – 212 – grandioso Estado Bandeirante, em que os artistas são sublimis- [160] simos não só com a sua suave vozes como tambem o acompanhamento destes distinctos chorões daquelle hospitaleiro Estado. Aqui dou os meus applausos a todos os cantores dos Radios Brasileiros como tambem o seu conjuncto de musicos que fazem a gloria do Radio, e tambem de seus ouvintes. ERNESTINO SERPA Já é fallecido este grande artista, conhecia de sobra, os segredos de seu instrumento que era o violino, que em suas mãos dizia o que sentia, em dilluvio de bellas harmonias, que fazia extasiar, os seus admiradores mais selectos, que tanto o admirava. Em outra edição direi com mais justeza o valor real deste grande artista. BONFILIO DE OLIVEIRA Musico por excellencia eximio compositor e executor, o seu nome figura na vanguarda de todos os seus collegas de classe. Elle é um astro que circula em derredor do Radio com a magestade do seu pistão dolente e mavioso. As suas producções tem a soberania das inspirações que encanta as multidões, e por esta razão o nosso festejado Bonfilio já tem o seu nome feito em todas as rodas do chôro. Elle immortalisou-se no Ameno Resedá como Director de harmonia levou este querido Rancho ao apogeu, e com a belleza de suas marchas, como sejam: O Sol, a Queda da Rosa, a Luz da Inspiração, Canção Pastoril, Consolação e outras. Assim sendo Bonfilio, é um musico que honra a sua classe pelo seu saber, pela sua – 213 – modestia, e a minha admiração por elle é tanta que estas linhas não traduzem tudo o quanto eu teria de dizer sobre este grande artista. ARTHUR MARTINS Conheci este, em Nictheroy, bom clarinetista dedicado amigo e collega que honra a classe dos carteiros do Correio, onde elle é um esforçado cumpridor de seus deveres. Este excellente musico tambem fez parte da orchestra do Ameno Resedá, onde se glorificou ainda mais o seu nome. O que faço aqui ao bom Arthur Martins não é uma homenagem, mas sim, um dever de gratidão merecida. Arthur Martins, era um dedicado amigo e companheiro do flauta João Pinheiro, (o Zinho) de quem já fallei. – 214 – [161] Aqui tem o leitor a photographia de um grupo de "chorões" antigos, tirada na ilha de Paquetá em 1° de Fevereiro de 1906. Se o leitor é moçõ, verá este quadro apenas com curiosidade. Mas, se é velho, sentirá os olhos cheios de agua, pois terá uma recordação tão profunda, que só a saudade poderá consolar as suas lagrimas. E aqui transcrevemos o que diz Catullo Cearense, no seu livro de poemas, MATTA ILLUMINADA: – "Anacleto, no saxophone; Luiz de Souza no piston; Irineu de Almeida, no ephicleide; Gonzaga, no bombardão; Candinho, no trombone; Galdino, no cavaquinho; Chico Borges, Néco e Alexandre, no violão; Gasparino, na flauta e eu, cantando, (perdoem-me a immodestia) era, em uma serenata, a maior homenagem que a noite podia receber de corações humanos! e quantas vezes nós offerecemos a Deus este espectaculo, n'uma esplendida noite de luar!!! Que saudade!!!" – 215 – [162] CHORÕES DA VELHA GUARDA [IMAGEM] João dos Santos, clarinete; Estulano, de violão; Gonzaga da Hora, bombardão; um grande chorão de trombone; Luiz de Souza, pistonista; Irineu de Almeida, oplicléide, e outro chorão de violão. – 216 – [163] ESTULANO Este chorão, faz parte no cliché dos chorões publicado neste livro. A narração dos perfis dos chorões da velha guarda em companhia de Luiz de Souza, Gonzaga da Hora, Irineu Battina e outros. Elle foi um violão bamba e dos bons. E' já fallecido, mas sempre lembrado por todos os chorões da velha guarda, onde elle contava innumeros amigos. Foi um fervoroso Resedá, onde com o primor de seu violão emprestou ao campeão de Harmonia o brilho valoroso de um grande artista. JACINTO COSTA (O QUATY) Teve grande nomeada este celebre musico, que foi o explendor dos musicos nesta cidad, Nictheroy e até em S. paulo, onde celebrisou-se com seu mavioso instrumento que era trombone. Naquelles tempos o seu nome andava de bocca em bocca, com uma admiração impossivel de descrever-se. Quaty era musico de verdade, pois conhecia com grande facilidade, e arte no seu instrumento. Acompanhava-os choros de ouvido, com grande belleza, fazendo os encantos nas notas de extasiar. Era distincto amigo e de finissima educação e trato. Onde estivesse o grande chorão, não havia tristeza, pois era muito pandego e brincalhão. Tambem já fallecido, a bastante annos. JUCA PISTÃO A minha penna treme, quando tem que dizer qualquer predicado de homens como o acima estas linhas. Juca Pistão, era portuguez de nascimento, e brasileiro de coração. Vindo para – 217 – o Brasil bem pequenino, aqui se aclimatou, tornando-se um perfeito filho desta patria. Morava elle na rua Barão de Mesquita se não me engano no n. 214, onde aquella casa era um verdadeiro céo. Alli não se fallava em tristeza, pois Juca, não dava a isto occasião. Naquella casa de saudosa memoria tinha um bello Pleyel, onde uma sua filha unica, se exhibia em bellos tangos, polkas, operas e mais, que fazia os encantos daquella santa vivenda. Juca, apezar de sua pouca instrucção não pensava assim para sua filha, e assim não, sem grandes difficuldades poude dar uma carta de professora, [164] pelo Instituto Profissional Municipal. Era a mesma muito prendada, e intelligente, de um coração de ouro, encrustado de brilhantes. A sua casa vivia sempre cheia de amigas necessitadas, que recebia sempre com carinho, não medindo esforços para que tivessem o maior conforto. Falleceu em Guaratiba regendo uma Escola naquelle logar, deixando nas suas collegas, e seus conhecimentos a maior dôr com que se possa descrever. O seu pae era o prototypo da honradez, como sua filha, era outro coração de ouro. A sua bolsa estava sempre aberta para todos aquelles que uma necessidade tivesse. Tocando muito bem o Pistão instrumento de sua predileção, fazia nas festas que sempre lá se davam os encantos daquelle lugar. Foi musico de muitas sociedades, como sejam o Club União Independencia Musical, na Sociedade Musical da Tijuca, do Portão Vermelho e outras muitas que pelos annos não me recordo. Era muito conquistado pelos mestres de bandas Musical, pelo seu saber e arte, – 218 – de que elle era um profissional. Em bailes que tocava tinha a primazia, pois no seu instrumento fazia a graça e arte, que a todos encantava; pois quasi sempre das suas musicas tinha de fazer o "bis", a pedido dos convidados. Fui muito amigo deste inesquecivel musico, onde privei no seio de sua familia em que era tratado com a maior distincção. Infelizmente tambem já fallecido no mesmo logar de sua filha, deixando as maiores saudades, a todos que como eu, tive a felicidade de com elle privar. ESCOBAR Explendido pianista, que tinha o dom de declamar. Era funccionario da Estrada de Ferro. Este grande chorão era querido e tinha primazia pelo modo correcto e fino trato. E' um dever meu consideral-o sem favor. Aqui no meu livro homenageando este grande chorão. ANTONIO MARIA Um eximio e melodioso flauta que se passou, agora com armas e bagagens para o saxophone, muito a contragosto dos seus innumeros admiradores, porque o saxophone é hoje em dia, o instrumento da moda figura obrigada nos Fox-americanos. Enquanto isto a flauta é, e será [165] sempre a rainha melodiosa da nossa musica brasileira. E sabe porque? Porque, ella se harmonisa com o violão e o cavaquinho que aqui nas paginas deste livro procuro, e tento reviver, pedindo, implorando ao meu bom e querido Antonio Maria, que não quero morrer sem vos ouvir e acompanhar no meu violão ou no meu cavaqui– 219 – nho as tuas composições, como tambem os choros dos inesqueciveis, Carramona, Anacleto, Irineu de Almeida, Luiz de Souza e muitos outros, que com tanta expressão e gosto executas, registrando assim o meu pedido cheio de esperança porque sei que vou ser attendido. JOÃO BRASIL Este chorão me foi um dia apresentado pelo consagrado poeta Catullo Cearense, e desde essa ocasião, tornei-me delle amigo. Toca pouco violão, e é apaixonado pelas modinhas, dando a vida por uma farra. CATANHEDE Era oriundo de uma distincta familia desta Capital. Casado com uma filha de Mariquinhas duas covas de quem já fallei. O seu instrumento era a requinta de que elle tocava muito bem, e com grande maestria. Solava admiravelmente e tanto assim que só vivia da musica, e com isto sustentava dignamente a sua familia. Desde que se casou, sempre morou com sua sogra, que o adorava, pela maneira digna e amavel que tratava, não só a ella, como tambem a sua esposa. Conhecia bem a musica, e tocava nos circos, em festas e bailes, que lhe pagavão bem, pelo valor que elle sempre soube dar a musica. Só não tocava de graça pois fazia da musica um emprego de que pudesse viver. Era tambem distincto amigo, que a todos tratava com a maior distinção, e por isto muito querido, tambem já fallecido. FELIX ROXINHO Bahiano de coração, conhecido em todas as rodas, dos chorões, com sua vóz de baritono respeitado, que estrondava em todos os auditorios. Quem não – 220 – conheceu Felix Roxinho? De saudosa memoria, homem dos grandes almoços, que multava os convidados quando não compareciam as suas festas. Era de uma presença de espirito incalculavel, porém bom amigo e [166] grande folgazão. As modinhas cantada por elle trazia os violões de canto chorado, tal a sua difficuldade, como fosse. Os Anjos Bahianos, Nebulosa A rosa que ao nascer, As aguas correntes, e muitas outras de grandes difficuldades. THIBURCIO MACHADO COELHO Foi tambem um amigo dedicado. Companheiro firme e batuta respeitado. Nos choros em que tocava, fazia gosto ouvil-o. Era violão, seguro, e de grande valor. Conhecia os segredos daquelle mavioso instrumento, com muita graça e arte. Solava admiravelmente boas polkas, tangos e etc. No acompanhamento dos instrumentos cantates, era uma belleza sem igual, pois era senhor de todos os segredos que já se foram. Cantava com muito sentimento e graça, especialisando nesta que ainda mais ou menos, me lembro: Foi pela séxta, que scismava a sombra A laranjeira rebentando em flôr... Eu vi sentado, em um tronco verde Trajando as vestes do primeiro amor... Em fim os outros versos que acompanha, não me recordo, e mesmo este acima não tenho grande confiança pois com o passar dos tempos tudo se esquece, no entanto isto não é mais do que grande força de vontade, para fazer lembrar aos muitos velhos cantores que ainda por ahi existem. Thiburcio depois de ter sido um genio ale– 221 – gre e folgazão, deixou todos seus amigos perplexos, ao ler nos orgãos desta Capital no anno de 1889, o seu suicidio nas mattas das Laranjeiras. E assim desappareceu uma vida para o chôro tão preciosa, difficultoso de preencher, tal o seu grande valor como bom amigo, e no meio musical. XISTO BAHIA Actor Brasileiro, principe do Theatro Nacional. Quem não conheceu Xisto Bahia? O Conegundes da vespera de Reis. Artista que tanto prestigiou as nossas peças nacionaes e tornando-se senhor de todas as platéas tal er os seus dotes scientificos que possuia na arte de representar revistas, dramas, e comedias, finalmente, em tudo que era genuinamente nosso. Ninguem como Xisto Bahia n'aquelle tempo fazia um maluco rustico, ingenuo como elle. Tocava bem violão especialista nos [167] lundús e modinhas Bahianas. Tambem sabia recitar com graça os seus monologos. Muito querido das platéas do Rio e de Nictheroy, emfim, do Norte ao Sul do Brasil. Foi um grande chorão, senhor do braço do violão. Foi um propheta, senhor da magia das musicas Brasileiras, que annunciou a prosperidade do violão. Se elle hoje ainda existisse estaria regosijando com o progresso deste instrumento maravilhoso que se chama violão, que era seu devotado instrumento. Para finalisar vos direi leitor, que não sei quando teremos aqui neste planeta um outro Xisto Bahia, que venceu igualmente na vanguarda de todos os actores do seu tempo como sejam: Affonso de Oliveira, Vasques, Mattos, Guilherme de Aguiar, Colás, Pinto Velho, Dias Braga, – 222 – Brandão Velho, e muitos outros que faziam parte da sua turma, com quem Xisto Bahia sempre se rivalisou em um nivel de admiração. DEODATO MATTA Foi chorão de facto, e inveterado. O seu instrumento era o trombone, que elle executava com muita perfeição. Acompanhava muito bem, não só com a parte a frente como tambem de ouvido, acompanhou grande chorões daquella época e senpre a contento de todos, pois sabia naquelle instrumento dizer o que sentia. Tocou em muitos bons bailes, Sociedades, Ranchos etc., de fazer arrebatar. O bom amigo acima era bahiano de nascimento attendo-se aposentado no cargo de carteiro. Foi residir no seu torrão natal e lá falleceu, deixando grandes saudades. FELIPPE TROMBONE Conheci muito de perto este chorão, na casa da Maria Arauna, onde elle residiu por muito tempo. Tocava muito bem o seu instrumento, e era o trombone nas festas que dava quasi continuamente em casa da Maria Arauna. Tambem tocava bombardino com bastante perfeição. Tocou em muitos bailes em sociedades dansantes. era farrista de verdade, onde houvesse um chôro alli pelo Catumby tambem estava o bom do Felippe. Era distincto companheiro, e dos bons. Já fallecido a muitos annos. JOÃO QUADROS Descrever João Quadros é um quadro triste para mim. João [168] Quadros era um amigo dedicado. Companheiro para – 223 – tudo. Amigo assim existiu muito poucos. Eu posso dizer de cadeira, quem foi este distincto meu amigo. Privei com elle, que no sei de sua familia, como fóra dela. Morei em um quarto com João Quadros na rua Miguel de Frias, e alli todos os dias faziamos farras immensas, principiava-mos a 1° de Janeiro e terminava-mos a 31 de Dezembro. No nosso quarto, fazia-se bellos pitéos acompanhado das competentes bebidas, que era a granel. Aparecia nestas festas quotidianas grande quantidade do bello sexo. Cada uma destas componentes tinha sua missão uma, matava e depennava as gallinhas, outras temperava, outras fazia os doces, e finalmente, todas trabalhavam, com o maior gosto. Os violões e cavaquinhos, estavam soluçando com bôas polkas e, mais. De vez em quando, os malandros que lá estavam só esperavam a hora da boia, que estava cheirando appetitosamente. De vez em quando uma das do bello sexo, dirigia-se aos tocadores e pedia para a acompanhal-as, e lá vai uma daquellas modinhas daquelles tempos: Na hora que se cobre De nevoa a serrania O sino em triste dobre Murmura Ave-Maria E assim, continuava, com outras, modinhas cantada por cada uma dellas. Emquanto cantavam, João Quadros, dava as ordens para a mesa, que era uma bella feijoada, acompanhada com todos os pertences de porco, gallinha ensopada, com batatas, arroz, e o paraty, vinho, etc... hiamos para a mesa na maior alegria, pois a barriga já dava horas. Ao sentar-mos ia se servindo a vontade, não só nas comidas, como nas bebidas, que – 224 – principiava com a brasileira. Após o bom repasto todos se levantavam na maior alegria, rompendo o cavaquinho tocado por Nenê, Mario do Estacio, que era um bom solante, e bom acompanhador. Lá se achava Juca Duro, fazendo o acompanhamento que era delicioso. Acompanhava de violão Juca Mulatinho, Juca Mãosinha, Tiburcio Machado Coelho, Ventura Caréca, Juca Russo, e muitos outros impossivel de descrever aqui os seus nomes, por não mais me [169] lembrar, tambem comparecia a estas festa quotidianas, o sempre chorado flautista Quintiliano o Guilherme Dias, tambem grande chorão da flauta, que fazia as delicias daquella rua, e adjacencias. Lá pelas tantas cada um procurava um logar em qualquer canto, para descansar outros retiravam-se para suas casa e para voltar no dia seguinte, e continuar na mesma alegria. João Quadros, era a figura maxima daquellas festas, pois era de um genio folgazão, gostava muito das farras, e era o seu fraco. Tocava muito pouco violão, mas cantava boas modinhas, por elle mesmo acompanhada. Conheci-o muito moço ainda, e co elle fiz uma amizade, mais que irmão. João Quadros sempre foi muito meu amigo e companheiro, pois aprendi com elles a comer ligeiro, deixando muitas vezes, ficar comendo, e eu folgado. João Quadros, quando sahia-mos me felicitava, dizendo, agora sim! Estaes ficando malandro, pois estaes perdendo a vergonha!... E com a continuação de sua companhia, fiquei bamba em tudo, pois perdi a vergonha de cantar, tocar, comer e tudo mais sem acanhamento. Esse meu – 225 – amigo era cocheiro, filho tambem de um velho cocheiro que era appellidado por José Sinhá, que trabalhava em uma cocheira muito antiga na rua Hadock Lobo, em frente a Travessa do Rio Comprido, onde seu filho ás vezes, fazia uma ou outra sahida, para distrahir-se. Quadros, que nunca tinha levado nenhum amigo na casa de seu pae, convenceu de acceitarme como bom amigo, e pessoa seria, distincta, o que seu pae cedeu, não sem custo. A casa do pae de João Quadros, era um céo aberto, ali tudo era fartura, e andando eu sempre com João, lá me achava quasi todos os dias, almoçando e jantando, que era um regallo, pois já muito tinha perdido a vergonha. Naquella casa havia quasi sempre bailes, pois sendo uma familia grande, de cada uma pessoa que fizesse annos, era uma festa, até Nossa Senhora da Conceição, ali se festejava todos os annos, com grande pompa. O escriptor destas linhas, era o incumbido de arranjar os musicos. Então trazia as festas, os musicos daquella época, que era meu saudoso irmão: Quintiliano de flauta, Binoca de trombone, Theotonio Macha- [170] do de ophicleide, Cantalice de vioino, Alfredo vianna tambem de flauta. Eu escriptor deste livro, de violão ou cavaquinho, Nenê Mario de cavaquinho, Tiburcio Machado Coelho, tambem de violão, e finalmente muitos outros que não me vem na meoria. E assim abarrotava a casa de musicos tornando-se um chôro bom e de respeito, tocando toda a noite e as vezes, pelo dia a fóra. As damas, e cavalheiros, bastante cançados e somnolentos – 226 – dormitavam nas cadeiras. Dahi a opuco João Quadro com aquella bizarriam, ia dizendo: hora do pirão! vamos para a mesa! todos immediatamente, acordavam, cada um assentado nos seus logares, principiavam o mastigo que era uma belleza. João Quadros sempre amavel, entornava as bebidas nos copos e sempre fazendo versos, e pilherias, causando grande risos. E no meio daquelle prazer todos se levantavam indo para a sala de visitas, principiava-se a cantar as ternas modinhas daquelles tempos e assim hiamos até a noite, quando todos se retiravam com grande pezar. Ainda recordo-me do casamento de uma das filhas de José Sinhá, irmã de João Quadros, com o meu inseparavel e distincto amigo Benildo Manoel dos Santos casamento este, que foi uma apotheose, pois durou tres dias na maior alegria, que a todos muito agradou. Felizmente Benildo ainda vive, para alegria, e satisfaçào minha. E assim se foi a minha mocidade, só deixando, tristes lembranças, e saudades. ARISTIDES (Moleque Diabo) Moleque Diabo, é um dos maiores bandolins, as suas proezas neste instrumento são phantasticas! farrista, e bohemio, como poucos, num chôro faz os maiores successos com as suas extraordinarias paletadas, é tambem chorão da corôa! todos os chorões antigos e modernos prestam homenagem a este excellente musico. Moleque Diabo, é amigo certo pois quando algum dos mesmos, precisam de seu concurso para abrilhantar uma festa intima pode contar com a sua palavra, porque na hora marcada Moleque Diabo está firme com o seu maravilhoso instrumento! – 227 – [171] EDMUNDO DANTÉS Foi immenso e admirado chorão de seu tempo. Tocava com grande perfieção o seu instrumento, que era o violão. Solava admiravelmente, acompanhava com grande saber os instrumentos cantante, com uma perfeição divina. Onde elle estivesse tocando não podia haver tristeza, pois, cantando bellos lundús, excellentes modinhas, e recitando bellos monologos, fazia as delicias de seus apreciadores. Tinha uma bella vóz, e de agradar. Tocou e fez bellos conjunctos, com os grandes flautista por mim já descriptos no principio deste livro, que muito o apreciavam, tal a maneira agradavel do seu acompanhamento. Além deste seu prodicado, foi tambem grande actor theatral, em que representou papel de grande importancia, nos theatros desta capital, fazendo grandes applausos do respeitavel publico. Dantés foi ensaiador de muitos theatrinhos em diverso arrabaldes da nossa Urbis, não só escrevendo peças, como fazendo bellos versos para serem cantados, e recitados nos palcos, onde elle tambem com graça, e arte sabia se exhibir. Foi muito bom e distincto amigo, que muito o apreciava pelas suas qualidades de homem probo, e de grande cultura intellectual. Era irmão de um distincto amigo meu, o Ildefonso de Albuquerque, tambem como seu irmão, de alto intellecto, não podiua no seu tempo ver defunto que não chorasse, e assim gostava tambem de um baile, e nelle sabia fazer a alegria, pois cantava modinhas daquelles saudosos, e nunca esquecidos tempos. Recitava belas poesias, e bons monologos de fazer hillariedade!... Hoje velho, e cansado pelos – 228 – janeiros que se vem multiplicando quantas vezes nas hora de sua nostalgia, não esteja sentindo esta mocidade que se foi, e não volta mais, amadurecendo em seu mento estes bellos dias da sua infancia, em que tantas vezes com meu violão o acompanhei, fazendo o agrado, e contentamento dos convidados dos choros, que aos centenares juntos estivemos. Daqui de nossa mesa de trabalho faço votos ao bom Deus, que o meu mais que distincto amigo, ao ler este insignificante apanhado dos feitos do nosso tempo, saiba que o velho Alexandre, ainda não esqueceuo, pois amigo como tú! faz-se preces ao creador, para que perdure por longos annos, [172] a tua vida ao lado de sua Exma. Familia, de qum sempre tive grande veneração. CIPRIANO DE NICTHEROY Escrever os grandes feitos deste heroe: equivalle uma epopéa. Cipriano não era só um chorão, mas um dilecto amigo. Convivi muito com este distincto farrista e ainda hoje, pranteio a sua morte. Toquei em muitos bailes em Nictheroy, e mesmo aqui nesta Capital, e sei dar o valor deste apaixonado do violão. Fazia no seu instrumento accordes sublimes e de alto valor musical. Acompanhava admiravelmente, o grande e immenso Felisberto flauta, que o adorava como acompanhador sublime. Onde estivesse Cipriano, tambem estava o inveterado chorão, Luiz Brandão de quem era amigo inseparavel, e respeitado nas suas dedilhações que eram sublimes. Neste conjuncto se achava sempre o Soares bombardão respeitado que tambem sabia dizer as suas maguas naquelle – 229 – instrumento, por elle manejado Olavo, não se falla, era doidinho por este conjuncto, pois tambem com seu mavioso violão, fazia os encantos daquellas festas, que era uma beleza. E assim em quanto Cipriano viveu, a invicta Nictheroy, nunca esteve triste, pois Cipriano era uma sentinella avançada na alegria. Muitas vezes, bons, e alegres dias, passei na casa de Cipriano, onde ia commigo, os chorões acima. Logo a nossa chegada Cipriano todo contente nos ia abraçando, e logo após esta cerimonia cahia na rua, para depois vir abraçado com duas, tres e quatro gordas gallinhas, uma perna de porco, um caixão de cerveja, vinhos, paraty, etc. Acompanhava-o um individuo qualquer que com elle vinha ajudando-o a carregar a malutagem para depois de prompta moder-nos. No arriar os gallinaceos no quintal de sua moradia, ia-nos dizendo: E' hora do boi babar! Cada um vae tirando a sua e depenando botavamos num grande alguidar, e entregava-se a Cipriano, que dava uma grossa gargalhada, como satisfeito com seus obreiros. Cipriano era um cosinheiro de grande fama, pois os pitéos por elle feito, era de arregallar o olho! tal o bello olphato que se sentia, pois adorava como codi- [173] mento, o azeite de Dendê que fazia nas comidas por elle feitas uma delicia, fazendo appetite aos fastiosos. A casa de Cipriano era um céo aberto nestes dias! Pois ao pôr a mesa todos se sentava e lá vai obra! Da mesa ao levantarmos em baixo de pilherias, e trocadilhos nada ficava! a não ser os ossos, mesmo assim bem chupados! Das bebidas nem cheiro! a não ser as garrafas vazias! que ainda tinha de – 230 – repetir-se por diversas vezes. E assim cada um pegava no seu instrumento, e lá vae fazenda... com bellos choros de Felisberto, que sabia dizer o que sentia. E assim com modinhas, lundús, e bellos sólos dos violões, hia mos até o dia seguinte, ao romper do sol. Já todos somnolentos, e quasi sem poder mais tirar uma nota nos seus instrumentos, despediamos de Cipriano, com bastante pezar, pois não era para menos. Cipriano era homem de côr, corpulento, alto, seus labios eram grossos, e muito pandego. Tinha gande fama de valente em Nictheroy e muitas vezes foi capanga de politicos naquella cidade onde elle era respeitado. Em tanto era um amigo dilecto, o que tinha não era seu, e sim de seus amigos. Muito educado, a todos tratava com a maior consideração, e de uma maneira altruistica. Foi assassinado naquella cidade por um seu amigo, appellidade por Bacalháu, por uma questão de someno importancia. O seu sepultamento foi uma apotheose tal a amizade que ali, e aqui, dispunha. Emfim com a morte deste chorão, aquella cidade cobriu-se para sempre de luto, pois nunca mais teve as alegrias, e delicias, como era no tempo de sua apreciada vida. Paz á sua alma. JOÃO SALGADO O chorão acima, foi aprendiz da banda de musica do Arsenal de Guerra, regida pelo sempre lembrado Santos Bocó. Seu instrumento era ophicleide na referida banda, e no Theatro, Fagote, instrumento este que tocava com perfeição, razão porque era disputado nos conjunctos musicaes das grandes Companhias Lyricas. Além de ser, um grande executor, era tambem um explendido – 231 – compositor, deixando em sua bagagem uma infinidade de bellas producções. Falleceu como func- [174] cionario dos Correios, deixando a todos e tambem aos velhos chorões immorredouras saudades. JOAQUIM FIALHO Descrever, este excellente amigo e companheiro é bem difficultoso, tal o valor moral, e de chorão que elle é. Já fez parte da Directoria do Ameno Resedá, onde prestou relevantissimo serviços, para gloria daquelle rancho. Estando em um chôro, não precisa ouvir-se os instrumentos, poi selle sósinho faz a festa, pois com boas modinhas, lundús, monologos, samba e mais por elle declamado é um prazer. Não é lá dos grandes violões, mas o que toca, faz graça no que canta. E' amigo mais que distincto, e que poucos o iguala, tal o fino trato, e a immensa educação que tem. Quando vae a uma festa, não o deixão mais sahir, tal o seu valor moral, e artistico. ALBERTO CARÃO Farrista como poucos, tocava bem o violão, sabendo dizer nelle o segredo que tem. Pois só nós tocadores é que conhecemos. O chorão acima cantava muitas modinhas, pois tinha um peito de aço, fazendo muito agrado aos ouvintes. A sua familia eram todos bons cantores, citando no meio dellas os seus irmãos Laurindo, e Adelaide, que tambem sabiam cantar muito bem. Eis uma modinhas das que elles mais cantavam. Acorda desperta do leito Deixa de tanto dormir Vem ouvir um desgraçado – 232 – Que hoje quer, morrer por ti. MAJOR MASCARENHAS Muito o conheci, e com elle muito privei, pois fomos amigos inseparaveis. Tocava regularmente o violão, e cantava boas modinhas e excelentes lundús. Era muito procurado para em casa de familia tocar e cantar, o que elle tinha grande prazer, pois tinha plena convicção, que sabia dizer com o gosto, não só nas modinhas, como tambem no dedilhar de seu violão, de quem era um apaixonado. Filho de uma distincta familia que morava no principio da rua Conde Bomfim, onde frequentei, e que era tratado como pessoa de seu lar. Sua mãe era uma Deuza de bondade, e um coração de ouro. Naquella casa não se negava um abrigo a ninguem, pois as por- [175] tas estavam sempre abertas para as pessoas de sua amizade que delle necessitasse. Tinha tambem uma irmã, que como sua mãe, era outro bellissimo coração, pois a todos recebia sempre com risos e alegria, captivando pela primeira vez, quem com ella privasse. Tinha tambem um irmão de nome Ernesto que era um bom companheiro. No Carnaval vinha uma caravana de foliões da antiga Quinta da Boa Vista, sendo chefe, o grande carnavalesco Sant'anninha; que dansava e cantava sambas de bom gosto, sendo alguns feitos por elle. De maneiras que naquella casa nestes dias era de um prazer impossivel de descrever-se, tal o trato que a todos davam, aquella mais que distinta familia, que infelizmente hoje só tenho a lembrança immorredoura, que só a morte apagará. – 233 – VICTOR DA SILVA (Caboré) Foi um violão de destaque em acompanhamentos de valsas, polkas, quadrilhas etc. e, tambem, um optimo centro no cavaquinho, no conjuncto de Edgard, Leocadio, Chico e Zé Russinho. Hoje está aposentado por sua conta propria mas se fôr necessario ainda "ronca" como era de seu habito quando tocava qualquer dos dois instrumentos. EDUARDO VELHO E ANTONIO VELHO Eram dois irmãos e distinctos pianistas pois onde chegavam, enchia de alegria as familias devotadas pelo choro. Foram dois musicistas de renome. Podia dizer muitas cousas destes dois chorões, porém por falta de dados registro aqui com applausos as suas personalidades como dois chorões. ANTONIO BAPTISTA ROSA Era um violão seguro, de ouvido apurado, tocou em muito choros, na Cidade Nova, e tambem nos Suburbios. Infelizmente já é fallecido, deixou muita saudade em seus companheiros de choro, que não eram poucos. IDOMINEU REIS E hoje aposentado da Alfandega, este chorão celebre. A casa deste veterano, é um céo aberto. E' elle de uma bondade extrema para seus amigos, e collegas [176] do chôro. E um frenetico pelas modinhas do grande Catullo, a quem elle venera, como um idolo. – 234 – Quem for uma vez, a casa do Idomineu, fica preso e cativo do seu finissimo trato, por esta razão, se torna digno para mim, desta consagração, que lhe faço expontaneamente. Idomineu é um chorão de muita tradição. A sua casa, podia-se comparar com a de Machado Bringuidin, Adalto, e ade Luiz Caxeirinho, e Mamede, na Piedade, em que se reuniam, os mais celebres choros. Como se fossem Anacleto, Quincas Laranjeiras, Mario, Galdino, Luiz de Souza Irineu de Almeida, Carramnona, Cupertino, Pedro Augusto, e muitas outras, figuras obrigadas. Catulle extasiava os auditorios, cantando as suas modinhas como só elle, sabe cantar pela altivez dos versos e difficuldades da musica. Farras como o da casa de Machado Bringuidin do Adalto, do Luiz Cacheirinho, Mamede e casa de Idomineu, já desapareceram, por isso mais uma vez, felicito a Idomineu por estes alegres passados que não voltam mais. GERALDINO Tocava bombardino e pertenceu ao Corpo de Bombeiros. NHONHÔ SOARES Fallecido em 1905. Foi um bello bombardino e pertenceu ao Corpo de Bombeiros. ALVARO NUNES Cantor das modinhas de Catullo. Morto. Morou sempre na Piedade e era aposentado da Casa da Moeda. FREDERICO ROCHA Vive ainda. E' do Thezouro e tem uma bella voz de barytono. Podia até cantar no Lyrico. CANTOR TIL E KANTZE – 235 – Dois cytaristas extrangeiros, mas farristas de arripiar. Eram companheiros de Catullo, a quem acompanhavam, ás vezes. ALEXANDRE TROVADOR Foi um grande cantor. Imitava todas as vozes dos cantores lyricos daquelle tempo. Acompanhava-se ao violão nas [177] operas e modinhas que cantava. Morreu em 1886. Esse preto, que foi uma celebridade, morreu na Santa Casa e foi jogado n'uma valla commum! EDUARDO VELHO DA SILVA Morreu em 1908. Foi um pianista de ouvido dos melhores até hoje apparecidos. Era o acompanhador de Catullo ao piano, quando não havia outro instrumento. Era irmão de Antonico Velho, pianista tambem e musico distincto. VENANCINHO Morto ha uns 20 annos. Tocava flauta soffrivelmente. Era da Estrada de Ferro. Tinha o segredo nos dedos e era collega de Samuel, o valente, com quem teve uma questão n'um chôro, no Encantado, por causa de uma mulher. Ameaçado por Samuel de levar tunda, alli, Venancinho, começou a chorar, acabando tudo em paz e elle fazendo de improviso uma polka, que foi denominada por Samuel "Venancinho chorando na ladeira". Quando se tocava esta polka sempre os que dansavam gritavam-lhe pelo nome. ROMEU Vive ainda. Funccionario do Thezouro, onde é muito – 236 – conceituado. Bello violão e bello cantor de modinhas. A sua predilecta é "Vê que amenidade "que serenidade "tem a noite em meio" de Catullo Cearense. Foi um grande chorão, valente, mas bom companheiro. Mora no Engenho de Dentro. VICTOR VALLE Foi do Arsenal de Guerra e foi um grande pistonista. Morreu ha uns 25 annos. NICANOR Flautista de nomeada. Dava o coração por um choro. Morreu ha pouco. Alma bôa e serena. Foi um professor de merecimento. LEANDRO Foi um violão e cantor, que nunca deixou de cantar a sua modinha mais querida: "O mar que a chorar, não cansa". [178] MIGUELINHO Pistonista discipulo de Affonso Pinheiro, pistonista e farrista, como elle. SALVADOR Trombonista. Companheiro de Luiz de Souza e Irineu. Não sabemos se ainda vive. SOTER Flautista afamado. Grande farrista e bebedor. Foi profissional do Instituto Nacional. JOÃO MULATINHO Mavioso bombardino. Bello – 237 – musico que o copo muito prejudicou. Foi contra-mestre da banda dos bombeiros. LUIZ AMERICANO Velho e bom chorão no seu saxophone. Este instrumento na bocca de Americano é de fazer embasbacar, tal a maneira, que elle com facilidade sabe executar, não respeitando nem as fuzas, que elle devora sem muito esforço. As suas composições são bellissimas, pois me extasio ouvindo-as no Radio, que tenho na minha residencia, para me deliciar com as boas musicas, de um sublime sopro. E' um distincto amigo, não dá para traz, num convite para um choro, que elle electrisa com suas musicas e de outros. E assim deixo o meu apertado abraço por este chorão, que sabe no seu instrumento, elevar as musicas genuinamente brasileiras. FRANCISCO JOSE' DA SILVA (Chico) O Chico foi um eximio violãonista que sempre se dedicou em acompanhamentos de choros. Nos bairros de Botafogo, Gavea, Villa Isabel, Suburbios, Paracamby e Nictheroy sempre se destacou com os seus contracantos tirados nas oitavas do seu violão, fazendo gemer o Ré, imitando o bombardino. Todos que tinham o prazer de ouvil-o em conjuncto com Zé Russinho, ou Zé da Gavea, (o pé de boi nos baixos), como era conhecido o seu compadre, amigo e companheiro de farras, confundiam os dois instrumentos tal era a certeza de um na marcação e o outro no contracanto. Quando nos ensaios dos choros, era seu costume fazer o cantante repetil-os até conseguir um acompanhamento ade- [179] – 238 – quando, com os baixos e accordes necessarios, dizendo, sómente ao cantante: "de novo". Hoje acha-se aposentado devido ao declinio que tomou o choro, continuando ainda na estacada, sendo grande apreciador do que é bom e nosso. Se começarem a mexer muito com elle, se arrisca a vêl-o jogar para o lado a aposentadoria voluntaria e cahir de novo na activa, com o mesmo fulgor dos tempos idos. JOÃO DOS SANTOS DE NICTHEROY Este chorão é um explendido cantador de modinhas, regular tocador de violão, poeta dos bons possuidor do dom da palavra tornando-se desta forma orador dos pagodes d'aquelle tempo. Trabalha elle no Fôro desta capita e reside em Nictheroy; tem bôa palestra e é um bom amigo; ha tempo não tendo o prazer de vel-o, mas sei que ainda vive. ROMEU SILVA Hoje um maestro, um interpetre das nossas muiscas no Extrangeiro, razão porque tornou-se admirado e considerado celebridade pelo seu talento musical e patriotismo consumado, fazendo sobresahir com vantagens pelos mundos civilisados, tudo o que é nosso. Romeu Silva, é compositor e eximio executor. O seu saxophone tem a magia da melodia, elle é um habilitadissimo director de "jazz-band". Veio este da Banda de musica dos Meninos Desvalidos, e depois de andar tocando em diversos choros, foi Director de Harmonia da Flôr do Abacate onde fez prodigios, e mais tarde a convite de Napoleão de Oliveira, Director de Canto do Ameno Resedá, foi – 239 – elle Director de Harmonia do mesmo, onde alli com intelligencia e dedicação fez dois carnavaes. Romeu Silva consagrou-se, glorificou-se no extrangeiro levando ao apogeu o nome do Brasil que lhe deve a sua propaganda musica nestes paizes civilisados. Romeu, é um gentleman, sympathico, dedicado de fino trato, e em artista de grande valor. MAURICIO Como é conhecido na roda dos chorões da velha, e nova guarda. E' encontrado alli, pelo Pechincha, Tanque, e finalmente [180] em Jacarépaguá, onde pertence estes logares. Foi chorão de fama, e de alto valor, e ainda agora, e um batuta de alta esphera musical. Toca violão impossivel de descreverse, sem falhas, o que Mauricio, me desculpará, pois mesmo de muito boa vontade, é impossivel tal os feitos heroicos. Além de tocar maviosamente o seu violão, é immenso cantor de modinhas o que elle canta com um gosto aprimorado. Nos choros que dava-se em qualquer parte de Jacarépaguá, Mauricio, era Pão de Lót de todas as festas, tal o seu valor, não só nos acompanhamentos, das suas modinhas, melancolicas, e alegres, de deixar os ouvintes de pernas bambas. O violão nos seus dedos soluçava! JUCA AFFONSO Não era possivel passar despercebido este nome, que foi uma gloria musical. Escrever a sua personalidade, é bastante – 240 – difficultosa, tal o seu porte, de sua fidalguia, e o grande respeito que este possuia sempre mereceu aos que tiveram a grande felicidade de o conhecer, como o scriptor, que privou com elle alguns annos. Era muito distincto amigo de seus amigos. Coração de ouro encrustado de puro brilhante, morava este incomparavel amigo, na Trav.ª do Affonso, situado na r. Conde de Bomfim quasi em frente a uma Igreja que se não me engano, de Nossa Senhora da Conceição. Era musico de primeira e limpida agua. O seu instrumento era requinta, de que elle manejava com grande maestria, e de immensa admiração. foi mestre de diversas Bandas de Musica na Tijuca. Formou na rua Conde de Bomfim em frente a Igreja acima por mim descripta uma Sociedade Musical, denominada Santa Cecilia, que era a Santa de sua devoção, por ser ella, a protectora da musica. Naquella Sociedade, se formou bons musicos, que cobriu de gloria a um logar, que no meu tempo, era completamente morto. Juca Affonso, enebriava com seu instrumento, os bailes em que tocava. [181] O seu instrumento manejado por elle, fazia admiração e os encantos onde elle estivesse, tal a maneira e o gosto que elle executava. Tinha elle um irmão que como elle, era um cidadão respeitado, pelas pessôas que o conheciam, chamava-se Miguel Affonso. Ficando enfermo, teve necessidade de retirar-se para um logar solitario na grande terra de Tiradentes, e de lá escreveu ao seu irmão um bello soneto, que eu ouvindo um dia Juca recitar, fiquei – 241 – por elle encantado, pedindo o favor de escrever-me para que o guardasse como uma joia do mais alto valor, o que aqui vou descrevel-a para que os leitores deste insignificante livro, possa dar o seu justo valir. Independente do soneto de seu irmão, sempre lembrando e chorado como elle, me offereceu tambem dois de sua lavra, que é uma delicia da sua alta capacidade intellectual. O soneto de seu irmão Miguel Affonso. E' este o seu titulo: AO ANOITECER NA ROÇA Pallido e, frio, o sol vae-se occultando, Lentamente, por entre longas serras! A' sombra, que projecta sobre a terra, Vão os grillos, um concerto animando... Avesinhas... vão tristonhas procurando, De arbusto, em arbusto, occulto abrigo, Onde possam, de nocturno inimigo, A' devassa escapar – do féro bando!... [182] O sabiá, solta o pio derradeiro, Deixando do bosque a expessura, Busca o ninho no pé do caféeiro; – 242 – Vem depois o crespulo, – á noite escura!... Esvoaçam... piam, grasnam, agoureiros, – Noctivagos viventes da natura!... –––––oOo––––– Eis aqui o soneto de Miguel Affonso, que na solidão onde se achava, descreveu com a mior naturalidade, a verdadeira vida da roça. Agora vou descrever, outros tres sonetos de Juca Affonso, que tambem me offereceu, o que ainda guardo, e guardarei, enquanto o bom Deus, dér um pequeno alento: Como Esquecer-te ?... A vóz do coração que a Nogueirinha, – Dedilha com paixão no seu piano; E' um canto desprendido do arcano, Que, no meu coração, subtil se aninha!... Ao ouvil-a, me apparece a casinha... Toda branca, na collina entre as flores!... Vae surgindo a donzella! os seus primores!... Olhar triste ... a seguir p'ralli sózinha!... Da trança dos cabellos vae pendente O laço lindo de fita, azul-claro!... Aveste branca, o rosto meigo descontente! .. – 243 – A vóz do coração é vóz dolente – Da donzela que morreu, – amando raro! E, em minh'alma sepultou-se eternamente!... [183] Mais um anno de esperiensia Se um deia vae passando, um outro avança, Vem um anno, depois de outro anno; E' um marco que o procura o ente humano, Este dia assim, achado, – é de festança!... Boa mesa não falta haja dança!... Pois havendo boas pernas p'ra dansar, Muito mais, há de haver ao paladar, Para toda queixada que não cança!... Comilão dos que bem come, e, mais deseja, Deitára á mesa núa, um olhar triste... E quiz sahir, pretextando ir a egreja... Em seu rosto coitado!... eu falei lendo, O quanto o coração ficou sentido... E, elle, triste, – me mostrou agua fervendo!... ––––– Agora vou descrever a dedicatoria, por elle a mim escripto, que – 244 – muito me commoveu, tal o sentimento da morte de seu irmão, como daquella, impossivel esquecel-a. Aqui vae verbum-ad-verbum, da maneira que me escreveu: ALEXANDRE Conforme me pediste, eis ahi o soneto – o amanhecer na Roça" – do fallecido e sempre lembrado irmão Miguel. Me [184] participou que, no todo desse Soneto, se acha bem impressa uma verdadeira phase da natureza. Quanto ao primeiro dos mesus, não é mais do que um pallido reflexo de um passado inesquecivel, de dois primeiros amores, e que, por isso, – ordena o dever, – já mais se apague de meu pensamento, emquanto a vida ainda me alentar. Os demais não passam de attestados, para comprovar esta propria existencia. – 29-9-907. Adeus. Do amigo, JOSE' AFFONSO E assim quiz reviver um passado, por mim nunca esquecido, que ao escrever essa chronica, me sinto ufano, e tambem melancolico, pela recordação deste passado que só a morte poderá apagar. ––––– – 245 – Agora vou descrever este outro tambem e bom, com o titulo: Occurencia O relogio marcara meio dia: Era a hora dilecta do café, Do escriptorio, os freguezes já de pé Seguiram p'ra bebel-o com alegria [185] Entre elles o Lisbôa – com folia Teve pressa de tocar na cafeteira Para o chão, ella escapa mui ligeira Transformando o café em avaria!... O servente, então, m'explica inda tremendo... O triste facto, que alli fôra ocorrido; Com pezar, eu fiquei, tudo alli vendo, Mas, segreda-lhe – ao ouvido o que quer que seja... Da casa um complacente... que assiste, – E elle fica; e, – da cabo da cerveja. –––––oOo––––– – 246 – PAULA FREIRE Chefe de grande prole um verdadeiro Cacique da familia Paula Freire, eximio clarinetista. Conheci-o como contra-mestre da banda de musica do 10° Batalhão, em 1884 e depois como meu collega no Correio Geral em 1888. Já está como eu aposentado vendo um extremoso funccionario cumpridor dos seus deveres. Paula Freire foi em seu tempo um tocador de clarineta respeitado por todos os chorões d'aquelle tempo em que elle era o orgonisador de conjunctos musicaes para tocar quasi em todas as funcções tornando-se deste modo conhecido e estimado na roda do chôro. Ninguem é capaz de dizer ou calcular a idade deste veterano da velha guarda por estar de fisionomia fresca e agradavel, impanando deste modo os seus setenta annos. Quero dizer com isto que o meu bom amigo e collega Paula Freire, está bem conservado fazendo ju's a um grande profissional laureado pelos seus feitos. Trata hoje de papeis de casamento, pagamentos no Thesouro e Municipalidade. Aqui termino prestando a Paula Freire uma justissima homenagem merecida. [186] ANDRE' CORRÊA Um bom musicista de relevada inspiração. Não são poucas as suas composições, é um clarinetista de muito folego. Foi director de hormonia do Ameno Resedá. Com a sua intelligencia musical, muito ajudou o brilhantismo de alguns Carnavaes, com as marchas de sua autoria bellissimas e cadenciadas. Ha muito tempo não vejo o meu bom amigo André, o Periquito como é conhecido pelos seus collegas da – 247 – Imprensa Nacional. Segundo me consta elle agora dirige um bom "jazz-Band", tendo deixado a clarineta para tocar saxofone. Eis aqui cumprido um dever sincero. OS IRMÃOS HENRIQUE E MANDUCA PINNA Escrever estes dois luminares do chôro, não é facil. E' preciso ter muito bôa vontade para isto fazer. Em fim, vou fazer esta tentativa para maior conhecimento dos chorões, e do publico, e tambem para descarregar minha consciencia, no cumprimento de um grande dever. E tudo quanto possa dizer destes grandes personagens, ainda é pouco, porque elles, pertenceram ao meu conjuncto, Henrique de violão e Manduca de cavaquinho abrilhantavam com suas harmonias, os choros onde estivessem. Fui delles amigo dedicado e admirador, tendo grande intimidade com sua respeitavel familia. Eram celebridades, em nossas modinhas, a penna me treme, sinto palpitações, por grandes saudades destes luminosos planetas, que desappareceam, deixando um clarão de um pharol que muito illuminou os choros daquelle tempo, como reflexo de um espelho, que se pode ver hoje aquillo que se passou a muito tempo igual aos romanos contos, as novellas, que reunidos formam uma historia do passado. Assim demonstram o valor, a cathegoria, e educação a preciosidade dos tratos de musicistas da tempera dos meus amigos, e inesqueciveis Pinnas que desappareceram para todos, porém, para mim ainda vivem e viverá immortalisados na minha amizade e lembranças immorredouras. ESTANISLAU COSTA – 248 – Tocou muito bem o seu pistão. Era admirado pela sua execução que tinha naquelle instru- [187] mento. Conhecia bem a musica, pois aprendeu com bons pistonistas, sendo um de seus mestres, o bom e grande executor de pistão o distincto companheiro, que era conhecido na roda dos musicos como Victor Pistão, por ser elle pistão de verdade. Estanislau conhecia, e tocava com alma o seu instrumento, que muito agradava os seus congeneres. Este instrumento muito lhe serviu, para um pouco augmentar as suas finanças. Toucou muito, e fazendo do seu pistão clarin, nos carros para propaganda das touradas quando se achava alli no Mangue. tocou tambem, em cinemas, Sociedades Dansantes e tambem em bons choros, fazendo assim a alegria dos lares, e por isso era muito disputado. Occupava o cargo de carteiro dos Correios e sempre a contento de seus cuperiores e collegas. Aposentou-se e gosou pouco, pois a morte cedo o surprehendeu, deixando immensas saudades, a todos que tiveram a felicidade de conhecel-o. EURICO Quem em Villa Izabel não conheceu o bom do Eurico. Amigo dedicado, companheiro firme impossivel de descreerse. Eurico dedicou-se ao cavaquinho, que celebrisou-se, tal a maneira que sabia dedilhar aquelle minusculo instrumento. Acompanhava admiravelmente, que diga o meu dedicado amigo, e grande professor Candinho Silva, Jorge Seixas, Jucas Ruso, e muitos outros que em choros com este sempre chorado e – 249 – lembrado musicista. Depois dedicou-se a trombone, que julgo ter sido seu professor e bom o Candinho e tambem o sempre lembrado Sequito, que gostosamente sabia dizer no seu trombone todas as maguas de um coração sentido. Eurico, foi muito admirado por seus companheiros chorões, pela rapidez com que aprendeu este instrumento, pois, falleceu tocando bem. Era um dedicado amigo descrever-se a bondade deste companheiro é bastante difficil, tal a bondade de seu coração, e o fino tratamento que elle dava em sua casa, e fóra della. Eurico fez as alegrias em Villa Isabel, e assim levantou uma Sociedade Musical Dansante, denominada "Os Africanos", que muitas glorias deram a Villa Izabel, e nas principaes ruas desta cidade em diversos carnavaes, arrancando os maiores ap- [188] plausos. Infelizmente este bom e distincto amigo falleceu a poucos annos deixando Villa Izabel, coberta de luto. VICTOR (PISTÃO) Sublimissimo no seu instrumento, mesmo de admirar, tal a maneira que elle conhecia musica e fundamente a theoria. Tocou muito em orchestra, onde os maestros muito o apreciava. Em bndas tambem fez a admiração dos mestres, pois viam em Victor, um collega de respeito. Sabia com profisciencia organizar Bandas de Sociedades Musical, fazendo até, a sua inistrumentação que os mestres muito acatavam, por ver que elle era profundo. Era tambem um amigo dilecto, como poucos. Estava sempre prompto, para ensinar, os que precizassem – 250 – saber. Gostava tambem muito de tocar em choro, onde se exhibia com perfeição sublime no seu pistão. Que diga os que o conheceram, se é o não verdade, o que aqui digo, e acho muito pouco, pelo seu grande valor. Morreu a muito, deixando immensas saudades. MARIO RAMOS Citaremos Mario Ramos, cuja casa, na Piedade, na rua Assis Carneiro, antiga Amazonas, era o centro pagodista de Catullo, Anacleto, Luiz de Souza, Irineu e mais companheiros. Era genro do "Manoelinho", que era um espirito de verdadeiro artista. Essa casa de Mario Ramos podia ser chamada – A Casa da Alegria. JOÃO AVELINO Violãonista de merito, discipulo do grande Barrios. E' de São Paulo. Vive ainda, pezado de annos. BALDUINO Bombardino e companheiro de Cantalice. VICENTE FRANCO Alferes do exercito, tocava violão, flauta e ophicleide. Era da antiga Escola Militar, em 1884. JOÃO CARLOS CABRAL Typographo e, depois, guarda fiscal. Tem 78 annos, mas ainda enfrenta um copo com o vi- [189] gor da mocidade. Mora no Meyer. SOUTO – 251 – E' dos telegraphos e tem 81 annos. A sua casa era um lar de "choros", companheiro de Mamede Adalto, Caixeirinho e Luiz Felippe Nery. AUGUSTO RIBEIRO Deu grandes prazeres, nesta cidade, e seus suburbios. Tocou admiravelmente a sua maviosa flauta. Tinha choros molle, de fazer os ouvintes ficar mesmo de pernas bambas. Conhecia muitas composições dos velhos e respeitados flautas daquelles tempos que já se foram. Tem algumas boas composições por elle feita. Em fim era dilecto, amigo, quando se falasse no chôro, não dava para traz. Que o diga o Catullo e o Idomineu. ARTHUR MATTOSO Cabra chorão de verdade, cantador celebre de vóz, harmoniosa e expressiva diz com graça e humorismo as cançonetas de sua autoria. E' disputado pelos seus admiradores, pois Arthur Mattoso, é excellente chorão na intimidade, é um folgazão, jámais quando impunha o seu violão arrancando d'elle as melodias de perfeitos accordes. Elle é uma casa cheia, com explendor e alegria. Arthur Mattoso é um perfeito chorão. EDGARD BULHÕES DE FREITAS Já que estamos relembrando os chorões de outros tempos, vamos fallar do Edgard, o menino da flauta maviosa que conheci soprando o canudo de cinco chaves. Começou seus estudos na banda de musica da Fabrica de Tecidos Corcovado, como aprendiz de flautim do saudoso professor João Elias. Quem conviveu e – 252 – compartilhou com Edgard nos bailes e festas intimas, poderá dizer alguma coisa a seu respeito; nos bairros da Gaveia, Botafogo, Paracamby e outros arrabaldes. – Esse menino com a vocação que trouxe do berço, dia a dia foi se desenvolvendo na flauta Boheme: – Devida a essa vertiginosa carreira, sagrou-se um artista do outro mundo. – O dictado é de hoje, mas bem merece ser applicado ao saudoso [190] flautista, que foi uma das maiores glorias nos tempos idos e um verdadeiro chorão consumado. Morreu cedo esse artista, deixando no seio dos seus amigos e companheiros uma lacuna difficil de ser preenchida não só pela maestria com que sabia tirar os recursos da flauta, que para elle não tinha segredos como pelo seu genio alegre e folgazão que trazia todos quantos com elle privaram, de canto chorado. Com Edgard, tristezas não pagavam dividas. ANTONIO XAVIER Foi chorão da velha guarda. Dizer os feitos deste grande e immenso solista e acompanhador de choros, era preciso escrever-se com penna de ouro. Tocava este inveterado farrista violão, de fazer um defunto levantar-se da cova. Dedicava-se muito a dedilhar maestralmente a viola, que era um assombro nos seus dedos neste instrumento rustico elle fazia cousas impossiveis, pois solava bellas polkas, tangos, mazurcas, chotes, etc. Quadrilhas inteiras, apezar de ser paralytico das pernas, nas festas em que ia tocar pedia para sentar-se em uma cama, e alli principiava a dedilhar na sua viola, ou mesmo no seu violão, deixando mesmo ambasbacado – 253 – não só os donos da casa, como todos os convidados, deixando ficar os musicos parados, pois todos preferiam escutar o Xavier! Este sublime heroe morou muitos annos no jardim Botanio numa rua dos Suburbios, lá deu sua alma a Deus tendo o seu enterramento sido uma apotheose. GUIMARÃES VAGALUME Vou aqui fazer uma justa homenagem, a este jornalista amigo de todos os chorões, e assim tambem é um chorão! Este chronista carnavalesco, considerado e respeitado por todos os foliões, e collegas do mesmo officio, tal a sua capacidade intellectual. Guimarães é um bohemio de jaça, e autor da roda dos sambas! Guimarães não é um musico, porém, é um amigo, e defensor; pois todos estes, tem encontrado, e encontrarão na sua penna maravilhosa um defensor de suas producções, de suas musicas, e de tudo o que é nosso. Cumpro um dever mencionando aqui entre os chorões da velha e nova [191] guarda, o nome deste astro de intelligencia, este deus da bohemia, e se assim não fosse, estaria hoje collocado nas alturas em que estão muitos; com menos capacidade do nosso meio jornalistico. ANTONIO MADEIRA Morreu com uns 80 annos. Foi um regular ophicleidista, era da antiga Escola Militar e tocava sempre com Sergio, pistonista, ABRAHÃO E'chorão de fama, no seu cavaquinho dedilha com grande precisão, pois conhece o seu – 254 – segredo como gente grande. Era o acompanhador effectivo do chorado clarinetista João dos Santos, que não o dispensava por cousa alguma; pois só elle conhecia o seu segredo. Muito tocamos na casa do Olavo, em Nictheroy, não só no choro que ella dava, como tambem em muitas casas daquelle arrebalde. Especialisando-se nos choros que faziamos em serenata nos dias de Carnaval que era mesmo de arrepiar. Não fosse o nosso clarinete o João dos Santos, Juca Russo do violão, Luiz Brandão tambem de violão, e eu fazendo segundo cavaquinho. Aarão é bastante apreciado não só tocando, como excellente amigo que é. Figurou como um dos primeiros cavaquinhos do Resedá, e é daquella sociedade, um adorador apaixonado. ELPIDIO BORGES (BILU') Funccionario antigo do "Jornal do Commercio", um apaixonado da musica; e não ha na roda do chôro quem não tenha veneração pelo Bilu', não só pela sua lealdade como tambem pelo correctismo que só elle sabe dispensar as pessoas de sua amisade. A primeira vista, nota-se n'elle uma sizudez de uma cara de poucos amigos, porém, aquelle que souber estudal-o encontrará n'elle, como eu, um bom amigo, um coração de ouro, uma alma cheia de grandeza encoberta pela modestia e ficticia sizudez que lhes é natural. Para mim, eu o destaco como um dos "primus inter pares" na interpretação das modinhas brasileiras antigas e modernas. Bilu', pouco gosta de se exhi- [192] bir, e se não fosse assim, seria um dos grandes astros que tanto brilham nos palcos e salões. – 255 – Segundo me consta, o Bilu' vae se aperfeiçoar no violão para acompanhar as suas modinhas do seu vasto repertorio. Eu aqui, vos encorajo Bilu', sois um artista, que em breve desejo ver o teu nome evoluido com esta tua voz entre o baritono e o tenor para a alegria de todos os teus amigos. MACARIO Ophicleidista de nome. E' morto. Amigo de Irineu. O maior comedor que até hoje veio ao mundo. Era creoulo e magro. JOSE' FRANCISCO DA COSTA E SOUZA (Zé Russinho ou Zé da Gavea) Sem receio de errar foi o violão que marcou, desde o Salgueirinho, na Lagôa Rodrigo de Freitas até o Guimarães, no ponto final dos bonds da Gavea, um novo advento para esse instrumento, nos moldes da inesquecivel e inegualavel escola do choro e musica do Cavaquinho de Ouro, nos bons tempos do velho Andrade, seu proprietario, (cousa ruim), como era habito tratar os seus amigos mais intimos que frequentavam aquella casa: Gustavo, Latou, "O Paganii", etc. No choro, em acompanhamentos, o seu violão se destacava pelo facto de reunir nesse instrumento o saxe e o bombardom. Na Sociedade Flôr da Gavea, da qual fazia parte da Directoria, organisou, para as suas reuniões dansantes, um dos melhores conjunctos até hoje lembrado, do qual faziam parte seu velho amigo e compadre Chico, de Botafogo, o violão que falava, Victor, cavaquinho, Edgard e Leocadio, flauta. Em sua residencia, em Marquez de S. Vicente, boas farras se fizeram, não se olhando se era dia ou noite, causando contentamento geral o facto de – 256 – sua digna esposa estar sempre alegre e solicita para com os visitantes, nunca deixando que elles ficassem com a barriga dando horas, preparando as gostosas gallinhas de molho pardo ou ensopada com batatas, acompanhados do bom inho, não se esquecendo tambem, a celebre (casquinha para abrir o apetite, cascas de tangerina em aguardente e assucar). [193] Núm dos carnavaes antigos fez sahir, percorrendo os bairros da Gavea e Botafogo, o bloco "Pandega e Miseria", que fez bastante sucesso sobresahindose as bellas canções de sua autoria, pois o Zé Russinho, nas horas vagas, tambem, faz musas e, quando está disposto, canta modinhas, acompanhando no seu violão, e que modinhsa: Anjos Bahianos, Caridade, Aguas Dormentes, etc. Hoje está afastado por não se conformar, de maneira alguma, com as musicas americanas, de arribação. Actualmente reside em Todos os Santos, em uma aprazivel chacara. – Quando um amigo dos tempos idos o procura, ainda pégan no pinho e é o mesmo violão de antigamente não só acompanhando como solando composições de sua autoria que elle denomina "sabugueiragens", com especialidade valsas. – Ainda assim não é qualquer violão, que se tenha na conta de "bonito" que se anime a acompanhal-o nas suas "sabugueiragens", pois corre o risco de tomar suadouros sem estar com febre. MALAQUIAS (CLARINETE) O nome de Malaquias, ainda e lembrado, e venerado. E' musico de firme tempera. Pertenceu ao Corpo de Marinheiros, onde aprendeu com grande profissiencia a tocar o – 257 – clarinete sendo assim um musico de alto valor e saber. Sahindo do Corpo de Marinheiros, ingressou no Instituto de Musica, julgo que por motivo pecuniario não chegou ao fim. Tocou em um conjuncto que fez os explendores na casa. Figner, que muito o admirava, pois gravou nesta casa, muitos choros de sua lavra e de outros bons chorões. Tocou em muitas Sociedades Musicaes, Dansantes, em choro não se falla, pois elle era muito conquistado, hoje velho e cançado das luctas musicaes acha-se bastante retirado, porém uma vez, ou outra, ainda dá sua pernada como qualquer rapaz. Assim, peço desculpas ao Malaquias de aqui não dizer o que tu vale, porém, o que ahi fica é bastante para te dar o valor que tu mereces! RICARDO DE ALMEIDA (Saxophone) Muito conheço este bom amigo, frequento a sua casa, como elle a minha. No seu instrumento sabe dizer o que sente, com alma. E' [194] bastante procurado, nas Sociedades Dansantes Musicaes, onde o heroe é procurado como o brilhante sem jaça. Toca muitos choros americanos, e tambem nossos com grande facilidade. E' muito conhecido em Botafogo, onde móra, e faz com seu saxofone a alegria dos lares, em que toca. PAULINO SACRAMENTO Foi companheiro do nosso grande maestro Francisco Braga na Banda de Musica do Collegio dos Meninos desvalidos de onde eram alumnos. Foi Pauliro Sacramento, quem substituiu Francisco Braga, quando seguiu – 258 – para a Europa para estudar musica e d'ahi surgiu o prodigio da sua intellectualidade musical que foi além de todas as espectativas, pois, Paulino Sacramento, tornou-se um principe das inspirações musicaes. Vôou como um condor no meio dos chorões, ficando logo valorisado como um grande maestro que foi. No Theatro Brasileiro, surgiu como um sol que illuminou com as suas partituras todas as platéias. E' indiscriptivel para mim citar aqui, o seu alto valor, pois, não acho palavras inaltecidas para dizer as verdades das grandezas de um cerebro como era de Paulino Sacramento, que aqui comparo como uma cratera a expellir em borbotões inspirações musicaes, estas que fizeram uma verdadeira apotheose de suas maravilhosas producções, as quaes se acham immortalisadas nos louros que colheram, e que, aqui pretendo revivel-as. As musicas escriptas por Paulino Sacramento, são immortaes. Elle falleceu, mas as suas musicas reviverão. Paulino Sacramento, foi um astro que fulgurou no horizonte dos chorões, deixando o reflexo do seu magico clarão em todos os palcos dos nossos theatros. Eis o que foi este grande maestro. JULINHO FERRAMENTA Conheci-o bem menino, seu pae o João Ferramenta tocava Guitarra, e obrigava, a Julinho a tocar violão, afim de ter um acompanhador pois seu pae conhecendo um bocado de violão, ensinou a Julinho, que pouco a pouco, foi se desenvolvendo de uma maneira assustadora. Depois de fazer alguns tons, para [195] satisfazer seu pae, Julinho principiou a frequentar as casas – 259 – de instrumentos, onde elle ia ouvir os grandes violonistas e mais batutas tocarem. Pois bem! Com sua presença nessas casas frequentados de grandes e sublimes violões, Julinho, vendo-os toar, como fossem Quincas Larangeiras, João Pernambuco, Gustavo, Jacomino Canhoto, Rogerio, e muitos outros, tornou-se um bamba, pois no sólo, que era sublimissimo, foi immenso athleta na roda dos grandes maestros de violão, que muito o estimavam. Além de solista, era tambem sublime acompanhador, pois tinha um ouvido apurado. Morava na Ilha do Governador, onde lá fui uma vez a seu convite, e fiquei quais perplexo, pela maneira que o vi solar no seu bellissimo violão, e assim depois de solar com grande alma, Abismo de rosas, do sempre chorado Canhoto, e muitas outras, e algumas de sua lavra felicitei-o, pelo seu grande aproveitamento, naquelle bello, e difficultoso instrumento, que fazia o encanto de todos aquelles que o ouviam. julinho não aguentando a batalha, e que elle era excellente general, apanhou uma tuberculose, dando em pouco tempo de sua molestia, a alma a Deus, deixando a todos chorões, a maior saudades, pois morreu ainda moço. JUCA RUSSO Sublimissimo, cavaquinho, e tambem excellente violão. Escrever este batuta é duro, mais com um bucado de paciencia vae. E' filho de Juca Valle, da turma de Callado, Juca Russo como seu pae, é um principe no violão, e no cavaquinho, tem um ouvido de desafiar. Os flautas, o qualquer instrumento, que tocar com este chorão fica electrisado, por elle, tal a agilidade nos seus sedosos dedos. Eu o admiro, pois sei o que – 260 – elle vale. Nos sólos que faz, na grande quantidade de choros que tem, é um Deus nos acuda, pois parece impossivel que dez dedos possa fazer o que elle faz. Pois encanta os que o ouve. Este heroe foi atacado a uns tres annos de uma paralisia, assim mesmo, Juca Russo, ainda não desmereceu nos seus instrumentos predilectos, e ainda faz nos mesmos, o que fazia quando bom. Igual a elle são poucos, pois é um genio! Trouxe do berço a tara do seu sempre lembrado [196] pae, pois na roda de Callado, Viriato, Luizinho, Capitão, Rangel e Silveira, que eram um sól naquelle tempo, Juca Valle, era adorado, e venerado. Juca Russo, como amigo e companheiro no choro, e mais, desafia quem melhor os sejam. Em qualquer qualquer choro onde elle lombrigue, um porquinho assado, umas gallinhas de molho pardo, ou mesmo uma feijoada, acompanhada por uma bella canninha, elle resona, não tem mais vontade de sahir, e então tem um termo, muito applicado deixe a curuja vôar! Da minha mesa de trabalho faço votos ao bom Deus, que tu fique completamente, bom da tua molestia, para a minha satisfação, e a elevação das nossas musicas que tú tanto adora. Fomos sempre muito amigos e na nossa infancia sempre tocamos juntos. E assim mais ou menos aqui fica descripto a vida deste valioso chorão. JUCA MULATINHO Sempre morou pelas adjacencias do Estacio de Sá. Era tambem distincto amigo, e excellente companheiro para elle não admittia difficuldades. Andava quasi sempre – 261 – prompto sem nenhum. Não podia ver nenhum companheiro ou amigo contar miseria, que o pouco que tirava para sua familia, não desse ao camarada, e assim as vezes lá caminhava elle, para pedir emprestado, arriscando-se as vezes a levar o não. Tocava um bocado de violão não sendo dos afamados, mas em fim, sempre ajudava nos choros que elle muito gostava. Cantava tambem suas bellas modinhas que hoje já não me lembro de seus nomes. Frequentei muito a sua casa, e sempre muito bem tratado pela sua esposa, que era um anjo de bondade. Julgo ainda viver em companhia de uma sua filha que trabalha em um dos collegios publicos desta capital, onde ganha a vida, honradamente, dando excellente exemplo a memoria de seu pae. JONJOCA Quem não conheceu naquelles tempos já passados o bom do Jonjoca? Julgo que ninguem. Era muito conquistado por todos os tocadores, pois apezar de tocar pouco o seu violão, sabia com arte acompanhar as suas bellas e harmoniosas mo- [197] dinhas. Jonjoca pouco descansava, pois era agarrado para todos os choros, afim de ouvil-o cantar, pois fazia grande alegria nos pagodes onde elle se achava. Era bom e dedicado amigo. Nas suas attrahentes modinhas destacava-se sempre uma das suas predilectas que era Minh'alma chama, ninguem me responde, Triste se esconde por de traz de um véo. Coberta de luto, estremecia e diz: – Que mal eu fiz, que agravei o céo. Esta modinha cantada por Jonjoca, era de arrepiar; tal a maneira que elle se espressava, com sua maviosa voz. Infelizmente, já a muito fez a sua passagem, deixando aos – 262 – chorões a mais duras e ternas saudades. ACCYOLI E' um pistonista de muito folego, e que tem feito prodigios com o seu pistão, e ainda faz. Elle é tambem um trombone conquistado pelas Companhias Extrangeiras que nos visitam, satisfazendo sempre todas as exigencias dos maestros regentes. O Accyoli vence todas as musicas por mais dificil que sejam em um só golpe de vista, razão porque é conhecido como artista de primeiro plano vencendo todas as difficuldades da crise que avassala no momento os nossos melhores musicistas. E' elle sempre procurado pelos organizadores das orchestras dos nossos Theartros, onde elle é um verdadeiro astro que com o seu brilho eleva o valor dos nossos musicos. Accyoli foi e é um grande chorão da tempera dos inesqueciveis Luiz de Souza e Carramona, e independente disto é um leal amigo e de apurada educação. Ha poucos dias encontrei com elle troquei idéas nos relembrando de muitas cousas passadas quando fazia parte da orchestra do Ameno Resedá, onde o seu pistão conversava com o pistão do inesquecivel Luiz de Souza, na sahida do referido Rancho do Palacio Guanabara em uma marcha infernal da Côrte de Belzebuth. Carnaval de 1911. DONGA E' um dos batutas da Roda de Pixinguinha. Chorão que deve-se escrever com letras de ouro, pois Donga tem apóz de si, uma rica bagagem de effeitos musicaes, que não preciso descrever, pois não ha na roda dos chorões quem não conhece o valor que elle tem. – 263 – [198] Na propaganda dos sambas, nas nossas modinhas e afinal, é expoente propagandista e dedicado, encorajando sempre o meio dos seus pares com enovações de suas expirações, Donga é um dos autores das primeiros sambas que abrio com chave de ouro as portas das gravações, que forram irradiadas com grandes sucessos. Eis porque me sinto enthusiasmado em fazer o perfil de um chorão da tempera de Donga. Este que prende os auditorios com harmonia de seu violão, e de seus amigos com sua simpathia. JOÃO FLAUTIM Foi um farrista de fama! Não dava folga ao corpo pois todo o dia entrava de serviço nos choros. Era procurado como o garimpeiro procura o ouro nas minas, pois éra mesmo um obsecado do choro. Foi muzico do Exercito e tambem da Policia, onde com seu instrumento muito elevou a arte muzical nos choros em que tocava, fazia admiração pela maneira que sabia se expressar naquelle minusculo instrumento, que éra o Flautim. Era muito procurado pelos acompanhadores daquelle tempo que não lhe dava um socego, o que elle ficava muito satisfeito. Tambem já fallecido. PEDRO DA MOTTA Era chorão de facto, farrista dos bons. Para elle não havia difficuldades nos choros. Desde que houvesse o pirão, acompanhada com a bebida brazileira. O heroy acima tocava bem o Bombardino. Foi muzico da Brigada Policial, no tempo do grande Professor Major Rocha, que muito o apreciava. Julgo tambem aposentado dos choros, pois a velhice e a prole muitas vezes assim nos obrigam. – 264 – FREIRE JUNIOR Grande maestro e escriptor, auctor de muitas partituras, é figura de relevo no meio theatral, suas letras musicadas são de uma belleza superlativa, pois Freire Junior, conhece o sentimento do povo, tanto que as mesmas alcançam logo de primeira vista os maiores successos, e estão sempre em voga é um chorão maestro e de fino trato, morre de amores por Paquetá, aonde residiu muitos an- [199] nos, tendo por companheiro o saudoso poeta Hermes Fontes, afinal, foi, é, e continua a ser um ornamento do Theatro Nacional. QUINCAS FREIRE E' funccionario dos Correios, e filho do grande professor Jacubino Freire. Chorão de verdade, amigo certo dos trovadores, a casa de Quincas, está sempre cheia de musicos e cantores, da velha e da nova guarda, o maior prazer deste folião é ouvir uma modinha de nossas antigas serenatas, pois sente tanta alegria, que as lagrimas lhe vem aos olhos! E' grande admirador das letras de Catullo, Guttemberg, Uriel e Candido das Neves. Quincas, tambem sabe cantar com sentimento e entre seus filhos tem um que possue bellissima voz, e vai fazendo successo no radio, e em todas as reuniões em que toma parte, pois Pedro Freire, honra a tradição dos seus, pois também é um bello chorão. LEOPOLDO FROES Foi a maior gloria do Theatro Brasileiro. Leopoldo Fróes tambem era um grande chorão, – 265 – pois sabia chorar as suas maguas no violão! instrumento este de sua paixão dedilhava com alma, sabia cantar arrancando os maiores aplausos das platéas, essa que sabia dominar com intelligencia e arte em todas as representações de responsabilidades. Leopoldo Fróes, foi o invicto galan do treatro nacional e extrangeiro. Morreu mais suas glorias são inmortaes. EDUARDO SOUTO Professor eximio, as suas produções são disputadas, pois Souto, é senhor dos segredos da melodia, razão porque, é querido e aclamado no meio de todos os chorões aonde é uma figura de destaque, além de ser um maestro gentilman de fino trato, o Theatro Nocional muito lhe deve pois as suas musicas tem resplandecido em todos os palcos do Brasil, eis tudo quanto posso dizer de um musicista chorão da tempera de Eduardo Souto. FRANCISCO ESQUERDO Foi um grande cantor das modinhas ternas, fazia successos nas serenatas ao luar. Ultimamente vevia vendendo folhetos e modinhas e quando [200] entrava em um trem cantando uma novidade, agradava tanto, pois possuia bella voz, e por este motivo os folhetos eram arrebatados das mãos do mesmo!... Francisco Esquerdo já é fallecido. O seu desapparecimento deixou claro nos vendedores de modinhas. ALEXANDRE THOMPSON Espirito alegre e folgazão, quando ouvia um choro se – 266 – esquecia até da familia! tinha um verdadeiro devotamento pelo velho Bilhar, Thompshon, cantava bem as suas modinhas e acompanhava com sentimento era um amigo dedicado e não puchava p'ra traz, foi um chorão que marcou a sua época, infelizmente já é fallecido, teria muito mais a dizer deste chorão mas me falta os dados, que fallarei na 2ª edição deste livro. JOSE' VASQUES (Nozinho) Chorão da velha guarda companheiro do velho Bilhar, e de Thompson, Morcêgo, Gama, Guidão, Bulhões, Angelino, Euclydes e todo o pessoal do Tugurio dos Simples de quem elle era um dos seus fundadores, é um especialista das modinhas antigas, possuidor de bôa voz, é o unico que tem o maior archivo das antigas letras musicadas do tempo da corôa. A muito está retirado do chôro mais em segredo ainda reune em sua bella vivenda em uma Estação dos Suburbios da Central, os seus amigos do choro para matar as saudades... CAPITÃO ALAMIRO Morava, em Jacarépaguá, amigo incondicionalmente, pois era bom e franco, funcionario dos Correios aonde deixou infinidades de amigos e admiradores, tocava regularmente violão, e tinha um grande repertorio de modinhas em voga daquelles tempos o desapparecimento de Alamiro foi uma va'cuo dificil de ser preenchido tal o seu valor entre os seus amigos. A bondade de seu coração excedia a todas expectativas, Alamiro, sempre foi querido e respeitado em todo meio de seu convivio. Era exemplar chefe de familia, morreu quando precizava viver. – 267 – [201] A sua morte foi uma surpreza, elle desappareceu! porém ainda vive no coração de todos os seus amigos, era um chorão dos bons alegre e communicativo que digam todos os chorões que com o mesmo privaram como este que escreve estas linhas. FREITAS Pianista Vou render aqui uma homenagem a um musicista de primeira grandeza auctor de finas composições e que sabe reger o seu jazz-band com autoridade de um artista consumado nos soirées nas grandes festas nos theatros, emfim o Freitas é um chorão que merece mais do que aqui fica escripto. Eis tudo o quanto posso dizer de um Chorão moderno. EDUARDO DAS NEVES O heroy acima morreu deixando saudades nos corações dos cariocas, foi um bom tocador de violão, sabendo com bom gosto e arte, fazer os sentimentos na alma dos que ouviam Cantar nos circos, nos palcos as mais ternas e boas modinhas, bello lundu's de fazer hylaridades pois as vezes era bem apimentados. Escreveu e muito cantou, a Europa curvou-se ante o Brazil, de que foi muito aplaudido, e nella immortalisou-se, entre os seus congeneres do choro. Eduardo das Neves, como seu filho o innesquecivel Poeta Candido das Neves, "O Indio" do qual já fiz neste livro as referencias merecidas. JOSE' (BAIANINHO) Trabalha na Casa da Moeda é um Resedá de coração, auctor de diversas marchas que muito – 268 – abrilhantou a harmonia deste Rancho. Baianinho, é um clarinette que sabe dizer neste instrumento o sentimento melodioso da musica razão porque eu não poderia deixar de mencionar em meu livro como uma homenagem relativa que tenho feito a todos os Chorões antigos. BENEDICTO DE OLIVEIRA Este grande chorão é irmão do Maestro Bomfilio de Oliveira, cuja biographia já tive o prazer de fazer neste livro, tambem não podia deixar de fazer o mesmo a Benedicto, este que sabe dizer por intermedio do teclado do Piano, o sentimento que possue pela Musica, que sabe. [202] LOLO' Morava na caixa velha da Tijuca. Era filho do guarda geral da mesma caixa. Não éra excellente muzico mas o que tocava muito agradava pois tinha muito inthusiasmo pelo seu instrumento, que éra a Flauta. Apreciei-o em muitas festas naquelle lugar, em que elle sabia se impor, de fazer admiração. Morreu como conductor de Bonds da Companhia de S. Christovão em consequencia de uma pedrada que levou no imposto do vintem. JORGE GUERREIRO Conheci-o bastante com elle privei muitas vezes, em choros que se davam as centenas nas cernarias do Engeno Velho. Era um excellente violão sollava muito bem, as polkas, valsas, e mais daquelles saudosos tempos. Independente de sollista, éra um grande cantor de modinhas. Era muito conquistado pelos seus companheiros, pois tinha nelle – 269 – um baluarte. Tambem foi grande capoeira, e jogava no partido Nagô. Foi excellente camarada, e que com sua morte foi um destroço no conjunto dos chorões. HENRIQUE (CAVAQUINHO) Este chorão é um fanatisado pelo Ameno Resedá pois a sua magia do seu Cavaquinho fez parte do conjuncto deste rancho em todos os Carnavaes debaixo da batuta de José Rabello, Romeu Silva, Bomfilio de Oliveira, Nunes, Henrique Martins, Seixas, e muitos outros. Henrique é funccionario da Casa da Moeda. Ainda este anno eu o vi fazer preludios no seu Cavaquinho em um grupo Carnavalesco, organisado pela Casa da Moeda de baixo da batuta do invicto maestro Seixas, funcionario da mesma Repartição em um samba de fazer arrrepiar. Henrique, é um explendido amigo, é um chorão dos bambas da velha guarda. Quem não conhece o Henrique? COSTINHA Poucos serão que não conheçam este inveterado pianista, foi um dos afamados e admirados. Costinha, era procurado no seu tempo como um brilhante e outros valorosos metaes. Tocava com grande perfeição e arte de admirar os seus congeneres, tal a rapidez nos seus dedos, no instrumento, que elle electrisava. Com a synchronisação, e o [203] a musica decahiu bastante sendo obrigado o chorão acima a retirar-se a vida privada, vivendo só de seu emprego na Central do Brasil. De vez em quando ainda vae a um chôro, e faz no piano cousa de encantar, que a meninada de hoje fica embasbacado diante do – 270 – que elle toca, as musicas em evidencia, como os choros antigos. Costinha fez parte da turma do Julio Barbosa, Nazareth, Aurelio Cavalcanti e muitos outros. Costinha ainda vive para a felicidade de sua familia, e de seus amigos. EUGENIO TORRES Conheço bem de perto, e sei o seu valor real. Eugenio pelo chôro perdia a cabeça, tal o arraigamento que elle tinha pelo mesmo. Toquei com elle em muitos chôros da Cidade Nova, e suburbios onde era uma figura obrigada, ainda hoje vive felizmente, pois quando o encontro, sinto a maior satisfação, por estas lembranças dos tempos idos. Sei que Eugenio hoje, talvez, ao peso de seus janeiros, retirou-se a vida privada, deixando em paz o seu querido e afamado violão. DAMAZO PORCINO DE OLIVEIRA Musico como nenhum naquella época, conheci como compositor, o seu genio musical era tão sublime, que todos os quarteis desta capital dava toda liberdade para sua entrada nos mesmos, pois sabia que elle iria só instruir as musicas no Batalhão, fez parte da Banda de Musica da Provincia do Rio de Janeiro, regida pelo Professor João Elias, ao lado de Juca Rezende, Gil, Juca Marque, e muitos outros musicos de nomeada. Damazo falleceu no catre de um Hospital, e foi assim que desapareceu um artista do valor de Damazo. EDUARDO DE CASTRO Conheci este chorão da velha guarda, na Tijuca, hoje é funccionario Municipal. E' um bom amigo e distincto chefe de familia digno de toda considera– 271 – ção, além de ser um chorão inveterado, conhecedor do braço do violão, elle aprecia com ardor os bons artistas e sabe abalisadamente ajuisar o valor de cada um delles. Eduardo de Castro, é um gentilman dedicado amigo e de fino trato. Mora lá para as ban- [204] das de Jacarépaguá, onde de vez em quando reune em sua casa muitos chorões da velha guarda. JOSÉ DE MORAES (Canninha) E' um verdadeiro chorão de velha e da nova guarda, pois ainda brilha ! Conhece toda escola do violão, tanto assim que no meio dos actuaes professores ainda dá no couro, tambem canta modinhas com uma escola toda sua, tomando parte em reuniões das mais distinctas famiias de nossa sociedade, sempre com o seu amigo de todos os tempos o violão. Canninha, é um grande admirador das letras do grande Catullo, e as mais antigas fazem parte de seu repertorio. Tem muitos sambas e marchas escriptos letra e musica, que alcançaram os maiores successos nas épocas carnavalescas. E' funccionario da Fazenda, compridor de seus deveres, estimado pelos seus superiores e amigo de seus amigos do cordão da velha guarda. PROFESSOR FREITAS Apezar de não ter a felicidade de o conhecer pessoalmente, mas tenho um criado que tudo me traz pelo som, ficando eu habilitado para mais ou menos poder dar o seu valor. E desta maneira, o escuto no meu Radio, o sublime dedilhar do eximio Professor me deixado – 272 – extasiado naquelle sublime instrumento que é o violão. Recebe o Freitas os meus aplausos. O GUERRA DA ESTRADA DE FERRO Canta e toca bem o violão. Conheci-o na casa do saudoso e sempre lembrado Bilhar. Apreciei-o muito em uma modinha que elle cantou, que começava assim: O teu coração é de pedra, etc. etc. A muito que não vejo este chorão penso que ainda vive, morando lá pelos suburbios. –––––oOo––––– [205] NO SILENCIO DA NOITE SÓMENTE No silencio da noite, sómente, Posso livre, um gemido soltar, Que no meio das bulhas do dia Não me é dado um momento chorar! Riam todos a vista do pranto, Não escutem, por Deus minha dôr, Não procurem saber porque sofro, Não indaguem quem foi meu amôr E' segredo que guardo em meu peito, Que sabel-o não há de ninguem! – 273 – E' qual onda queixosa, gemendo Sobre as rochas cavada d'além E' segredo que n'alma conservo Breve a campa, vou mudo descer! Mas depois de findar a existencia Meu segredo não podem saber! Deixem pois no silencio da louza Meu segredo p'ra sempre dormir, Esquecido do mundo e de todos, Desvendal-o ninguem ha de vir! Não não ha de!... Pois bem desgraçado Sou na terra, por ser trovador! Mas, que importa, se vão se apagando Meus gemidos, meus ais, minha dôr? ! ––––– [206] NAS AGUAS DORMENTES Nas aguas dormentes do mar da existencia Sonhamos aos raios do frio luar Sonhamos e a mente se embebe na imagem Com quem nós podemos a gosto sonhar As brisas vem cheias de aromas e beijos, – 274 – O mar de cançado, repousa descança! As harpas de amores suspiram nos ares, Cantando saudades, amôr, esperança! Aos doces murmurios das ondas que choram, Que placidos sonhos, que musica e flôres! Nos peitos amantes, que brando suspiram, Que bando de crenças, que sonhos de amores! Deslisa a canoa e a vóz do barqueiro Confunde-se aos roncos das ondas do mar! Que orchestra divina! Que magos encantos! As brisas que passam, suspiram – Amar! A lua branqueia n'areia gelada A praia é deserta! Que bello sonhar Amamos, que a briza desliza entre flôres, Sonhemos ao leve balanço do mar. ––––– [207] EPILOGO Ao finalizar este livro que era os meus sonhos dourados, perpetúo estes musicistas descriptos, mal ou bem de accordo com os meus obscuros conhecimentos. Mas o que fazer bons leitores? Agi como se fosse impulsionado por uma missão que me parecia ser ditada pelo poder Supremo de todas as cousas, que muitas vezes faz-nos esmorecer quando temos uma vontade unida a fé; unico recurso que resta ao ser humano, reduzir montanhas e vencer obstaculos. Foi unido a estas – 275 – duas alavancas que metti, mãos a obra, sem que seja um literato, mas sim, um fervoroso admirador da bôa litteratura; por esta razão criei em meu cerebro, extraordinarios castellos de fantasias que com o correr dos tempos se desmoronavam como as bolhas de sabão, para voltar de novo. Como "chorão" que fui pranteio as saudades de todos os meus companheiros do "choro" mortos e sobreviventes prestando-lhes uma homenagem, embora pallida, e revivendo com enthusiasmo e alegria, e synthetizando com devotado amôr todas as suas sublimes inspirações para que as gerações d'agora e futuras saibam que existiu essa grande phalange de chorões que elevaram e inalteceram as musicas genuinamente Brasileiras, muzicas essas que jamais poderão desapparecer dos grandes ou pequenos archivos dos bons collecionadores. Eis porque tive o arrojo e temeridade de dictar um livro pobre de litteratura, cheio de erros gramaticaes, porém rico na extensão da palavra; pois nelle derramei a essencia das saudades, fazendo resurgir das trévas uma grande parte de celebridades que dormiam no esquecimento. Foi por isso bom amigo leitor, que pertencendo e convivendo no meio desses vencedores da arte musical, é que me veio ao pensamento escrever algo sobre os chorões da antiga e nova guarda. Com elles evolui e caminhei por esta estrada cheia de harmonias. Ao lado desta pleiade para mim immoredoura foi que se embalsamou o meu grande enthusiasmo dentro da poesia e da musica. Não foi facil a minha tarefa, lutei como um naufrago que agarrado ao batél da Esperança, luta sulcando o mar revolto de – 276 – descrença. Penso ter vencido; e sabe porque amigo leitor? porque me [208] parece que fui o portador de uma mensagem de grandeza fulgente dos artistas da musica que aqui neste livro fiz reviver em homenagem merecida. Fiz resurgir do esquecimento as bellezas e as harmonias vibradas com alma n'aquelles que vivem, e nos que já falleceram, deixando após de si resplandecer como um sól, as suas producções, que foram; são e serão a alegria nas festas em que o choro é primo inter pares. Sinto-me victorioso pela concluzão de uma causa, facil para muitos, mas para mim difficil por em pratica como agora o fiz. Sinto-me ufano e regosijado, e com a alma resplandescida de alegria deixando que se faça justiça a este grande triumpho, laureado de uma nova aurora, circundada de nuvens roseas, e illuminada pela luz merediana que é o pharol que plantarão neste conjuncto de chorões modernos, o amor proprio de uma geração passada. O radio, esta maravilho do seculo da luz, de quem são elles os verdadeiros satelites que transformou a cidade colonial que transcrevi, arrazando o morro do Castelle, e construindo os seus gigantescos "Arranha Céos" sendo até chrismado Cidade maravilhosa" não os olvidará. E a estes chorões de hoje que ao terminar este livro que era o meu sonho dourado, retribuo tudo quando disse relativamente, as memorias em perfil que descrevi, revivendo o esquecimento em que estavam todos os chorões da velha guarda. FIM – 277 – O AUTOR –––––oOo––––– ACONTECIMENTO IMPREVISTO Venho por meio destas linhas dar uma satisfação aos meus amigos leitores relativamente a demora da saida do meu livro O "Chôro" que deveria ter saido muito antes do Carnaval. Assim não aconteceu por motivos muito independente da minha vontade, pois, o prelo onde tinha que ser impresso, quebrou, razão porque só agora poude entregal-o a publicidade porem isto não desmereceu nada porque agora está satisfeita a vossa vontade e a minha, mesmo porque o melhor da festa é esperar pela mesma. – 278 – ERRATA Na pag. 88 no fnal do elogio a Pedro de Assis, sahiu o ultimo periodo pertencente a descripção de Raymundo Flauta, que pertence a pag. seguinte n° 89. – 279 – [Última capa] ACONSELHAMOS ás pessôas que façam usa do "VOZ" em orações, canticos, etc. a usarem e abusarem dos productos de BUSI Caramellos de luxo Bonbons, Drops e Doces de Leite A marca de confiança BUSI Fortifica e alimenta A venda em todas as casa do genero Typ. Gloria, Rua LEDO, 20 – RIO.